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Não é de hoje que se discute acerca do efeito vinculante e geral (eficácia erga

omnes - força de lei) das súmulas, porém, atualmente a questão que fomenta o

debate entre estudiosos do assunto não se refere à súmula de jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal, mas o efeito vinculativo e o caráter de eficácia erga omnes que a Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, através do artigo 103-A, da Constituição Federal de 1988, propõe para essas súmulas (GOZETTO, 2008, p. 389).

Devido a isso, por primeiro é preciso dizer que efeito vinculante e eficácia

erga omnes (força de lei) não se misturam. O efeito vinculante é a subsunção14 de uma decisão judicial ao entendimento adotado em decisões reiteradas pelos Tribunais Superiores (Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunal Superior do Trabalho).

Dito de outro modo, o efeito vinculante significa que os juízes e Tribunais inferiores estão adstritos, limitados, ligados, ou seja, devem se submeter ao que os Tribunais Superiores decidem, sumulam ou acordam de forma reiterada. Trata-se de uma interpretação sumulada uniformemente pela Corte Superior que uma vez

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Subsumir significa incluir algo ou alguma coisa em algo maior, mais amplo. No âmbito jurídico pode-se dizer que a subsunção se configura quando um caso concreto é enquadrado na norma geral abstrata, vale dizer, quando uma conduta é adequada à norma jurídica que a regula.

estabelecida, todos os demais órgãos julgadores devem respeitar, aplicando a decisão aos casos concretos que vierem a julgar a partir da decisão tida como vinculativa.

Já a eficácia erga omnes, expressão latina que significa “contra todos”, quer dizer que a decisão é oponível a todo o universo de pessoas, ou seja, o julgado atinge a todos que estiverem na mesma condição, independentemente de terem ou não recorrido ao Poder Judiciário. A eficácia erga omnes significa que a decisão judicial é aplicável tanto às partes envolvidas no conflito quanto a terceiros alheios à relação processual, mas que se encontram na mesma situação.

A principal diferença entre efeito vinculante e eficácia erga omnes é que o primeiro pode ser apenas entre as partes e não necessariamente entre todos como acontece com a eficácia erga omnes.

Conforme Camargo (2006, p. 01), a eficácia erga omnes “se refere à parte dispositiva da decisão” enquanto que o efeito vinculativo, que tem por objetivo conferir maior eficácia às decisões do Supremo Tribunal Federal, assegura força vinculante à parte dispositiva da decisão e aos fundamentos ou motivos determinantes.

De acordo com o disposto no artigo 103-A, da Constituição Federal de 1988, incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, depois de reiteradas decisões sobre matéria constitucional, o Supremo Tribunal Federal poderá aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Disso infere-se que o enunciado da súmula vinculante tem eficácia erga

omnes, contudo tal efeito não serve “para todos”, pois se estende apenas ao Poder

Judiciário e à Administração Pública. Assim os atos administrativos e os atos judiciais devem estar em conformidade com os enunciados das súmulas de efeito vinculante.

Portanto, o efeito vinculante ocorre apenas em relação aos órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo (Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal). Todavia, não atinge o Supremo Tribunal Federal, que poderá “proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei” (artigo 103-A caput). Também não se estende ao Poder Legislativo, que a princípio poderá editar lei com conteúdo material idêntico ao do texto normativo que o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional.

Este entendimento, contudo, é controverso. Alexandre de Moraes (2003. p. 627) defende sentido oposto, qual seja, de que a decisão vincula também o Poder Legislativo, que ficaria impedido de editar uma nova lei com preceitos idênticos:

Entendemos que os efeitos vinculantes aplicam-se inclusive ao legislador, que não poderá editar nova norma com preceitos idênticos aos declarados inconstitucionais, ou ainda, norma derrogatória da decisão do Supremo Tribunal Federal; ou mesmo, estará impedido de editar normas que convalidem os atos nulos praticados com base na lei declarada inconstitucional.

Apesar desse respeitável argumento de que o efeito vinculativo dos enunciados da súmula vinculante se estende ao legislador brasileiro, tem prevalecido o entendimento15 de que no Estado Democrático de Direito não é possível impedir que o Poder Legislativo aprove um novo projeto de lei a qualquer momento, haja vista que a vida é dinâmica e que o corpo normativo precisa ser adaptado às mudanças sociais e políticas16.

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Constatação de Marcelo Novelino Camargo (CAMARGO, 2006, p. 1). 16

Neste sentido: “Ementa: Lei nº 2.130, de 16 de junho de 1993, do Estado do Rio de Janeiro. Pedido de suspensão de sua eficácia manifestado por meio de reclamação, sob alegação de tratar-se de reprodução de lei anterior (Lei nº 1.914, de 1991), da mesma unidade federada, cujos efeitos foram suspensos pelo Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 669. Reclamação convertida em ação direta de inconstitucionalidade, na forma de precedentes do Supremo Tribunal Federal (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 864, relator Ministro Moreira Alves), com deferimento de nova cautelar, face à subsistência das razões determinantes da provisória privação dos efeitos da lei reproduzida. Medida liminar deferida” (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 907-MC). “Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Já se firmou nesta Corte o entendimento de que, no tocante a leis que digam respeito a regime jurídico de servidor público, seu projeto é da iniciativa exclusiva do Governador do Estado-membro, aplicando-se-lhe, portanto, a norma que se encontra no artigo 61, inciso II, alínea “c”, da Constituição Federal de 1988. No caso, como salientado na inicial, o projeto que deu margem à Lei objeto desta ação direta de inconstitucionalidade foi de iniciativa parlamentar, razão por que incorre ela em inconstitucionalidade formal. Ação julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 9.844, de 24 de março de 1993, do Estado do Rio Grande do Sul” (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 864/RS).

Segundo Camargo (2006, p. 1), esse limite subjetivo do efeito vinculante tem por escopo preservar a relação de equilíbrio que existe entre o Supremo Tribunal Federal e o legislador, “evitando não apenas a sua redução a um papel subalterno, mas também a ocorrência do inconcebível fenômeno da fossilização da Constituição.”

Conforme Reclamação 2.617, 386/Supremo Tribunal Federal o qual tem como Relator o Ministro Peluso, em recente julgamento:

INCONSTITUCIONALIDADE. [...] Ofensa à autoridade da decisão do STF. Não caracterização. Função legislativa que não é alcançada pela eficácia ‘erga omnes’, nem pelo efeito vinculante da decisão cautelar na ação direta. Reclamação indeferida liminarmente. [...] A eficácia geral e o efeito vinculante de decisão, proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em ação direta de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, só atingem os demais órgãos do Poder Judiciário e todos os do Poder Executivo, não alcançando o legislador, que pode editar nova lei com idêntico conteúdo normativo, sem ofender a autoridade daquela decisão. (BRASIL, 2007).

O próprio texto do artigo 103-A, da Constituição Federal de 1988 autoriza, por exclusão, a interpretação de que o efeito vinculativo dos enunciados da súmula vinculante não alcança o legislador:

Artigo 103-A: o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

A aprovação, a revisão ou o cancelamento de enunciado da súmula com efeito vinculante poderá ser provocada por aqueles que podem propor a Ação Direta de Inconstitucionalidade, sendo que do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar o enunciado da súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que poderá ser proposta por todos aqueles que forem atingidos pela decisão contrária ao entendimento firmado pela Suprema Corte que, “julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a

aplicação da súmula, conforme o caso” (parágrafos 2º e 3º, do artigo 103-A, da Constituição Federal de 1988).

Existe, deste modo, a previsão do instituto da reclamação constitucional para garantir a observância da aplicação dos enunciados da súmula de efeito vinculante.

Aqui é importante uma abertura para destacar que a natureza jurídica dessa reclamação é bastante discutida e ainda não se chegou a um consenso doutrinário. Já existem pelo menos três teorias a respeito da natureza jurídica da reclamação constitucional: de ação, de recurso e de incidente processual.

Na esfera jurisprudencial, porém, o Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de enfrentar a questão, interpretando que a reclamação constitucional não é recurso, nem ação e nem incidente processual, mas um direito de petição na forma do inciso XXXIV, alínea “a”, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, in

verbis: “XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de

taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; [...]” É o que se extrai da seguinte decisão:

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Artigo 108, inciso VII, alínea “i” da Constituição do Estado do Ceará e artigo 21, inciso VI, alínea “j” do Regimento do Tribunal de Justiça local. Previsão, no âmbito estadual, do instituto da reclamação. Instituto de natureza processual constitucional, situado no âmbito do direito de petição previsto no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a” da Constituição Federal de 1988. Inexistência de ofensa ao artigo 22, inciso “i”, da Carta. 1. A natureza jurídica da reclamação não é a de um recurso, de uma ação e nem de um incidente processual. Situa-se ela no âmbito do direito constitucional de petição previsto no artigo 5º, inciso XXXIV da Constituição Federal de 1988. Em conseqüência, a sua adoção pelo Estado-membro, pela via legislativa local, não implica em invasão da competência privativa da União para legislar sobre direito processual (artigo 22, inciso I, da Constituição Federal de 1988). 2. A reclamação constitui instrumento que, aplicado no âmbito dos Estados-membros, tem como objetivo evitar, no caso de ofensa à autoridade de um julgado, o caminho tortuoso e demorado dos recursos previstos na legislação processual, inegavelmente inconvenientes quando já tem a parte uma decisão definitiva. Visa, também, à preservação da competência dos Tribunais de Justiça estaduais, diante de eventual usurpação por parte de Juízo ou outro Tribunal local. 3. A adoção desse instrumento pelos Estados-membros, além de estar em sintonia com o princípio da simetria, está em consonância com o princípio da efetividade das decisões judiciais. 4. Ação direta de inconstitucionalidade improcedente (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2212/CE).

Desse modo o Supremo Tribunal Federal define a reclamação constitucional como direito de petição, que, por sua vez, é um direito fundamental do cidadão brasileiro.

Em suma, os debates sobre o efeito vinculante e o caráter erga omnes dos enunciados das súmulas existem desde 1995, quando foi proposto o projeto de reforma do Poder Judiciário e que acabou convertido na Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. Desde então são levantadas bandeiras favoráveis e contrárias à aplicação à adoção da súmula vinculante no Brasil, cuja discussão permanece latente apesar da positivação no sistema jurídico brasileiro, tanto na Constituição Federal de 1988 quando na lei ordinária.

A favor do instituto pesa o argumento da garantia da segurança jurídica, fundamentado na possibilidade de dar maior celeridade ao Poder Judiciário através da uniformização das decisões sem a necessidade de recursos aos Tribunais Superiores. São argumentos contrários “o desequilíbrio entre os poderes, o engessamento do direito e o desrespeito à autonomia do juiz” (GOZETTO, 2008, p. 386).

No tópico seguinte apresentam-se cada um desses argumentos para, ao final, analisar a finalidade preponderante dos efeitos das súmulas vinculantes no direito brasileiro.

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