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Com a rejeição da exceção preliminar de não esgotamento dos recursos internos, a Corte passou a analisar os fatos capazes de responsabilizar o Estado Brasileiro pelas violações alegadas no caso de Damião Ximenes Lopes. Sendo assim, analisou os seguintes quesitos:

Neste particular, considerou as declarações juradas do perito Eric Rosenthal, proposto pela Comissão, da testemunha Milton Freire Pereira, proposto pelos representantes da vítima e das testemunhas Luís Fernando Farh de Tõfoli, Dr. José Jackson Coleho Sampaio, Braz Geraldo Peixoto e Domingos Sávio do Nascimento Alves, propostas pelo Estado. As declarações de Irene Ximenes Lopes Miranda, a irmã de Damião, Francisco das Chagas Melo, expediente da Casa de Repouso Guararapes, João Alfredo Teles Melo, na época dos fatos, deputado da Assembleia Legislativa do estado do Ceará, Luiz Odorico Monteiro de Andrade, na época dos fatos, Secretário do Desenvolvimento Social e Saúde do Município de Sobral, Pedro Gabriel Godinho Delgado, Coordenador Nacional do Programa de Saúde Mental do Ministério da Saúde foram ouvidas pela Corte em audiência pública realizada em 30 de novembro de 1 de dezembro de 2005. (PAIXÃO, 2007, p.13).

Após a instrução probatória a Corte considerou, que as hipóteses de responsabilidade pelas violações no caso Ximenes Lopes, podem ser tanto as ações ou omissões atribuíveis a órgão ou funcionários do Estado. Sendo assim, a Corte entendeu que o Estado tem

responsabilidade internacional por descumprir seu dever de regulamentar e fiscalizar o atendimento médico de saúde.

A Corte também manifestou-se sobre o art. 4 da Convenção:

A Corte manifestou-se expressamente acerca do direito à vida das pessoas portadoras de sofrimento mental, afirmando que o artigo 4 da Convenção garante em essência não somente o direito de todo ser humano de não ser privado da vida arbitrariamente mas também o dever dos Estados de adotar as medidas necessárias para criar um marco normativo adequado que dissuada qualquer ameaça ao direito à vida. (PAIXÃO, 2007, p. 14).

Muitas outras foram as manifestações da Corte em relação ao caso como exemplo: a integridade pessoal; deveres do Estado em assegurar atendimento médico eficaz às pessoas portadoras de deficiência mental; respeito à autonomia das pessoas em relação ao tratamento de saúde; respeito à dignidade do portador de sofrimento mental durante seu tratamento, entre outros.

Sendo assim, a Corte decidiu que o Estado é responsável pela violação dos direitos a vida e a integridade social consagrados nos artigos 4.1, 5.1 e 5.2 da Convenção Americana, em relação com o artigo 1.1 desse mesmo tratado, em detrimento do senhor Damião Ximenes Lopes, responsável em razão do descumprimento do dever de investigar; a violação ao direito à integridade psíquica e moral dos familiares da vítima.

Para Piovesan (2009, p. 49),

Em um dos casos contenciosos, caso Damião Ximenes Lopes, a Corte proferiu sentença condenatória contra o Brasil, em 4 de julho de 2006, em virtude de maus- tratos sofridos pela vítima, portadora de transtorno mental, em clínica psiquiátrica no Ceará. A decisão da Corte condenou o Brasil pela violação aos direitos à vida, à integridade física e à proteção judicial, visto que a vítima, pela violência sofrida, faleceu três dias após sua internação na clínica.

Por último, a Corte analisou se o Estado proporcionou um recurso efetivo, condenando o Estado neste sentido por falha das autoridades brasileiras quanto à devida diligência, ao não iniciar imediatamente a investigação dos fatos, o que impediu inclusive a oportuna preservação e coleta da prova e a identificação de testemunhas oculares. Desta forma, a Corte concluiu:

Corte concluiu que o Estado não proporcionou aos familiares de Damião um recurso efetivo para garantir o acesso à justiça, a determinação da verdade dos fatos, a investigação, a identificação dos responsáveis, o processo e, se for o caso, a punição dos responsáveis e a reparação das consequências das violações. O Estado tem, assim, responsabilidade pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial em detrimento da mãe e irmã de Damião. (PAIXÃO, 2007, p. 14).

Ao concluir a responsabilidade por parte do Estado Brasileiro pelas violações dos direitos expressos na Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), o art. 63.1 estabelece:

Artigo 63 - 1. Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção, a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados. Determinará também, se isso for procedente, que sejam reparadas as consequências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada.

Em relação às reparações a Corte assim considerou:

Considerando as alegações das partes, a Corte fixou como partes lesadas: a) o senhor Damião Ximenes Lopes, na qualidade de vítima das violações dos direitos consagrados nos artigos 4.1, 5.1 e 5.2 da Convenção Americana, em relação com o artigo 1.1 do mesmo instrumento; b) as senhoras Albertina Viana Lopes e Irene Ximenes Lopes Miranda, familiares do senhor Damião Ximenes Lopes, na qualidade de vítimas da violação dos direitos consagrados nos artigos 5, 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação com seu artigo 1.1; c) os senhores Francisco Leopoldino Lopes e Cosme Ximenes Lopes, também familiares de Damião Ximenes Lopes, na qualidade de vítimas da violação do direito consagrado no artigo 5 da Convenção Americana, em relação com o artigo 1.1 desse instrumento. O Estado, por sua vez, alegou que não existe dano que reparar com relação aos senhores Francisco Leopoldino Lopes, Irene Ximenes Lopes Miranda e Cosme Ximenes Lopes e, com relação à senhora Albertina Viana Lopes, o dano moral por ela sofrido já havia sido reparado, tanto civil quanto simbolicamente. Além disso, de acordo com o Estado não havia dano emergente, já que o processo penal foi promovido pelo Ministério Público e na ação civil de reparações de danos, D. Albertina Viana Lopes litigou gratuitamente. A ausência de relação direta entre a Irene. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006).

Em 17.08.2007, o Estado brasileiro pagou as indenizações fixadas pela Corte no valor US$ 146.000, 00 (cento e quarenta e seis mil dólares). Apesar do cumprimento da parte compensatória da sentença, o processo judicial que visa à responsabilização penal dos envolvidos na morte de Damião teve sentença apenas no ano de 2009, responsabilizando o proprietário da clínica psiquiátrica Casa de Repouso Guararapes e seis profissionais de saúde

que ali trabalhavam, a uma pena de seis anos de reclusão em regime semiaberto (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006).

Em relação à ação cível de danos morais ajuizada pela família Ximenes Lopes, o Tribunal de Justiça do Ceará confirmou a sentença de primeira instância que condenou o proprietário da clínica psiquiátrica e também o diretor clínico e o diretor administrativo a pagar uma indenização no valor de R$ 150 mil à mãe de Damião, somente no ano de 2010. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2006).

Com a condenação do Estado Brasileiro perante a Corte, contribui para que a lei 10.216/2001, fosse aprovada pelo Congresso Nacional, criando assim um aparato jurídico que regulamenta os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental (BRASIL, 2001).

Também é importante referir que a Casa de Repouso de Sobral foi fechada, sendo descredenciada pelo SUS, ainda no curso do tramite processual do Caso Ximenes Lopes. A cidade de Sobral hoje é referência em atendimento a pessoas com deficiência mental, e também foi aberta uma centro de ajuda a pessoas com essa deficiência que leva o nome de Ximenes Lopes.

Apesar da demora, a Sentença prolatada pela Corte foi cumprida pelo Estado Brasileiro, no entanto, ainda carece de melhorias para agilizar a aplicação desses direitos indispensáveis a pessoa humana.

CONCLUSÃO

Neste passo, podemos concluir que o papel desempenhado pela Comissão e pela Corte de Direitos Humanos é de fundamental importância, pois já efetuaram várias condenações e recomendações fazendo grandes mudanças no âmbito dos Direitos Humanos.

Apesar da demora no cumprimento de todas as recomendações, o Brasil cumpriu com os dispositivos da sentença, como podemos verificar no quadro abaixo:

Quadro 1: Sentença do caso Damião Ximenes 2006

Fonte: Rosato e Correia (2015)

Assim, é imprescindível que mudanças ocorram no Sistema Interamericano, para que seja possível a maior celeridade no cumprimento de suas sentenças, uma vez que a parte que carece de celeridade é a mais importante, para evitar e prevenir que casos como o de Ximenes Lopes voltem a reincidir.

Como forma de solução para tal problemática, vislumbra-se a possibilidade de criação de um órgão para fiscalizar o devido cumprimento das sentenças, nos moldes do que ocorre no Sistema Europeu, que possui um Comitê responsável por aplicar as sentenças e fiscalizar seu cumprimento. Fazendo assim que a efetividade nos cumprimentos das sentenças da Corte

Interamericana tenha maior aplicabilidade e os Direitos Humanos sejam efetivamente protegidos.

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