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1   INTRODUÇÃO 15

2.2   Eficiência de mercado, valor intrínseco e episódios eufóricos 32

Bachelier (1900) é o autor cuja obra representa o marco inicial dos estudos que conduziram à hipótese da eficiência de mercado, ao descrever um movimento Browniano aritmético, percebendo com antecedência de muitos anos a random walk hypothesis, ou hipótese do passeio aleatório. Segundo Fama (1965), esta hipótese descreve o comportamento dos preços das ações, prevendo que as sucessivas alterações nos preços são independentes e distribuídas de forma probabilística. De acordo com Bachelier (1900), a existência de inúmeros compradores e vendedores de ações a um dado preço explica a aleatoriedade das variações nos preços. Cada novo movimento dos preços pode ser para cima ou para baixo, se compradores e vendedores forem considerados igualmente sensatos em suas decisões.

Cowles (1933), em um dos primeiros estudos sobre a habilidade dos especialistas para superar o mercado, conclui que, em média, as recomendações dos especialistas levam a um desempenho 1,4% inferior ao do mercado em cada ano do seu estudo, que investigou as variações no preço das ações entre 1928 e 1933. Além disso, aquele estudo indica que não há evidências estatísticas significativas de que o analista com melhor desempenho tenha superado o mercado pelo uso de suas habilidades. Cragg e Malkiel (1968) realizam um estudo semelhante e concluem que as previsões dos analistas são simples extrapolações do crescimento do lucro passado.

A primeira interpretação da hipótese do passeio aleatório em um mercado eficiente é dada por Working (1949), que observa que, sendo confirmada essa hipótese, o preço corrente é a melhor previsão do preço futuro, o que ficou conhecido depois como a interpretação

martingale, ou de jogo justo, de um mercado eficiente, como pode ser visto na obra de

Samuelson (1965). A descrição mais famosa do comportamento aleatório dos preços é, provavelmente, a de Kendall (1953, p. 13): “The series looks like a ‘wandering’ one, almost

as if once a week the Demon of Chance drew a random number from a symmetrical population of fixed dispersion and added it to the current price to determine the next week’s price.”6 Kendall (1953) enfatiza que o conhecimento dos preços passados é irrelevante na previsão dos preços futuros.

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Citação não traduzida para evitar a perda do conteúdo e da forma que contribuíram para que se tornasse famosa.

Nesse sentido, de acordo com a hipótese da eficiência de mercado, não há esforço intelectual que apresente uma relação custo-benefício eficiente ao se investir no mercado de capitais. Todavia, Graham (1949) recomenda o investimento embasado na análise fundamentalista, com atenção aos índices preço/lucro, à distribuição de dividendos e a outros itens da análise de valores mobiliários, como a relação entre o valor de mercado e o valor dos ativos tangíveis. Graham tem em seu favor o retorno anual médio de 17% que obteve entre 1929 e 1956. Buffett (1984) também enxerga ineficiências no mercado, tendo sido o mais bem-sucedido investidor do século XX. Contudo, Rubinstein (2006) argumenta que Buffett não é um investidor passivo, sendo capaz de influenciar as decisões das empresas cujas ações adquire. Fama, em seu artigo seminal de 1970, distingue três formas de eficiência de mercado: fraca, semiforte e forte. Os testes da forma fraca buscam determinar se o preço das ações reflete completamente todas as informações passadas, especialmente aquelas referentes aos preços. Os testes da forma semiforte dizem respeito à velocidade com que os preços se ajustam às novas informações disponíveis ao público, como divulgação de lucros e alterações nas taxas de juros. Em um mercado eficiente na forma semiforte os preços incorporam essas novas informações instantaneamente. Os testes da forma forte procuram determinar se alguns grupos têm acesso monopolístico a informações relevantes para a formação de preços (FAMA, 1970).

A essência da hipótese da eficiência de mercado, segundo Cabral (2002), está no fato de os preços estarem sempre em equilíbrio e de ser impossível um investidor superar consistentemente o desempenho do mercado. Fama (1995) apresenta algumas das principais características de um mercado eficiente: há um grande número de agentes racionais maximizadores de lucro tentando prever o valor futuro dos títulos mobiliários; as informações relevantes estão disponíveis para todos os participantes a baixo custo; e a competição entre os vários investidores sofisticados conduz o mercado a uma situação em que o preço de mercado é a melhor estimativa do valor intrínseco das ações. Em contrapartida, em um mercado ineficiente ou com menor grau de eficiência o valor de mercado não será necessariamente a melhor estimativa do valor intrínseco, devendo haver maior discrepância entre esses valores. Em 1976, Fama reformulou sua definição de eficiência de mercado, postulando que o mercado será eficiente em relação a determinada informação se ele usar esta informação corretamente ao ajustar os preços. Fama (1991) atualizou seu artigo de 1970, conferindo novos nomes aos testes de eficiência de mercado: testes de previsibilidade de retornos,

estudos de eventos e testes de informação privada. Apesar da mudança de nomes, apenas o primeiro grupo apresenta alteração substantiva, passando a englobar a previsão de retornos. A hipótese da eficiência de mercado, em sua forma fraca, foi reforçada por diversos estudos empíricos, como o de Kendall (1953), conforme relatado por Fama (1970). As consequências para a análise técnica, segundo Fama (1995), são drásticas. A análise técnica pressupõe que o futuro deva repetir o passado e que os preços dos ativos sigam padrões que, sendo identificados, podem ser utilizados para se obter ganhos extraordinários. As fortes evidências em favor da hipótese da eficiência de mercado em sua forma fraca tornam mais difícil a defesa da análise técnica do ponto de vista teórico.

Por outro lado, segundo Fama (1995), a análise do valor intrínseco, ou análise fundamentalista, não é incompatível com a hipótese da eficiência de mercado. O pressuposto da teoria fundamentalista, ou do valor intrínseco, de acordo com Malkiel (2007), é de que, em qualquer tempo, qualquer ativo possui um valor intrínseco, que depende da capacidade de geração de riqueza do ativo no futuro.

Essa análise permite, em tese, que sejam encontrados ativos cujo valor esteja subestimado ou superestimado pelo mercado. Quando os preços estão abaixo desse valor intrínseco, surge uma oportunidade de compra e quando estão acima, de venda (MALKIEL, 2007). Damodaran (2002) define valor intrínseco como o valor que seria atribuído a um ativo por um analista onisciente, capaz de estimar com precisão os benefícios futuros e as taxas de desconto a eles associadas.

O desenvolvimento clássico da técnica de estimação do valor intrínseco foi feito por Williams (1938), que apresenta uma fórmula para estimar o valor intrínseco a partir dos dividendos futuros. Malkiel (2007) apresenta como crítica o fato de que as estimativas dependem de previsões sobre a intensidade e a duração do crescimento futuros, que é inerentemente incerto. De acordo com Fama (1995), o analista será capaz de obter retornos superiores aos da estratégia buy-and-hold se puder, consistentemente, identificar mais rapidamente que outros analistas as discrepâncias significativas entre o preço real e o valor intrínseco de cada ativo. O analista também obterá vantagem se for mais capaz do que outros analistas de prever a ocorrência de eventos relevantes para os preços dos ativos e o efeito desses eventos sobre os preços.

Entretanto, a existência de um elevado número de analistas com recursos e capacidade para realizar tal análise sofisticada concorre para que o valor de mercado convirja para o valor intrínseco. Os bons resultados dos vários analistas concorrem para que o mercado seja eficiente e, contraditoriamente, a análise fundamentalista se torne menos relevante. Especificamente, o investidor médio não deve obter vantagem ao utilizar a análise do valor intrínseco, especialmente se for levada em consideração a relação custo-benefício para esses investidores de se utilizar essa análise mais sofisticada (FAMA, 1995).

Koller, Goedhart e Wessels (2005) apresentam três condições sob as quais, de acordo com as finanças comportamentais7, o preço de mercado não refletirá o valor intrínseco dos ativos: a) os investidores individuais não processam corretamente todas as informações disponíveis; b) esses padrões de comportamentos são seguidos sistematicamente por um grande número de investidores; e c) existência de limites à arbitragem8 nos mercados. Malkiel (2007) atribui esses comportamentos aos seguintes fatores: excesso de confiança dos investidores, avaliações tendenciosas, mentalidade de massa e aversão a perdas.

Exemplos de tais situações são market reversals, resultantes de reações sistemáticas exageradas e identificadas por DeBondt e Thaler (1985), e market momentum, resultante de reações insuficientes do mercado e discutido por Jegadeesh e Titman (1993). Contudo, Fama (1998) indica que não há uma maneira sistemática de identificar quando os mercados irão reagir exageradamente ou insuficientemente, sendo o valor esperado dos retornos extraordinários provavelmente igual a zero, o que é suficiente para validar a hipótese de eficiência do mercado.

Outro exemplo desse comportamento irracional está nas bolhas dos mercados de capitais. Segundo Galbraith (1994), durante esse período de euforia o preço do objeto da especulação sobe. Esse aumento, associado à possibilidade de aumentos futuros, atrai mais compradores, aumentando ainda mais o preço. O episódio eufórico é sustentado pela vontade daqueles que estão envolvidos, atraindo mais compradores.

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Brigham e Ehrhardt (2006) conceituam as finanças comportamentais como um campo de pesquisas resultante da combinação entre psicologia e finanças cujos estudos indicam que as pessoas não têm um comportamento racional com relação aos seus investimentos.

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Brigham e Ehrhardt (2006) conceituam arbitragem como a compra e a venda simultânea do mesmo valor mobiliário em dois mercados diferentes, a preços diferentes, obtendo-se um retorno livre de risco.

Quase sempre estes episódios estão associados à facilidade de crédito e a altos níveis de endividamento, além de existir uma nova e imaginada oportunidade de enriquecimento, normalmente não apoiada por uma análise plausível da realidade (GALBRAITH, 1994). Segundo Malkiel (2007), alguns desses investidores acreditam na teoria do greater fool, isto é, na existência de outros investidores dispostos a pagar preços mais altos pelo ativo. De acordo com Shiller (2005), em algum momento esses investidores não são mais encontrados, revertendo a tendência, algumas vezes bruscamente.

Kindleberger e Aliber (2005), que descrevem alguns dos principais episódios eufóricos, ou bolhas, ocorridos na história, afirmam que o aumento do fluxo de recursos externos para um país frequentemente conduz ao aumento do preço das ações negociadas neste país. Os recursos excedentes são reinvestidos no mercado de capitais, repetindo o processo descrito por Galbraith. Aqueles autores indicam que episódios, tanto eufóricos quanto de pânico, em que o inverso ocorre, podem ser transmitidos de um país para outro por diversos mecanismos. De acordo com Malkiel (2007), os mercados podem ser irracionais ocasionalmente, mas isso não significa, necessariamente, que a abordagem do valor intrínseco ou a hipótese da eficiência do mercado devam ser abandonadas. O autor enfatiza que em todos os casos mencionados de possíveis anomalias o mercado sempre se ajustou. Embora este não seja sempre racional, ele o é no longo prazo.

A relevância da hipótese da eficiência de mercado para o desenvolvimento dos estudos na área de finanças na segunda metade do século XX pode ser apreendida quando se observa que ela, de uma forma ou de outra, tem permeado a obra de alguns dos autores mais influentes desse período. Modigliani e Miller (1958) descrevem um mercado perfeito. Sharpe (1964), Lintner (1965) e Mossin (1966) supuseram um mercado eficiente no desenvolvimento do

Capital Asset Pricing Model (CAPM).

Da mesma forma, Black e Scholes (1973) apresentam a eficiência de mercado como uma das premissas do seu modelo de apreçamento de opções. Jensen e Meckling (1976) também reconhecem as evidências da existência de um mercado eficiente em seus estudos sobre o problema da agência, mas ressaltam que mesmo em um mercado eficiente a análise do valor dos títulos mobiliários é socialmente útil, na medida em que reduz os custos de agência. Até o princípio da década de 1990, uma parcela significativa das pesquisas sobre a eficiência de mercado no Brasil indicava a ineficiência deste mercado em relação aos dos países

desenvolvidos (ver Contador, 1975; Brito, 1978; Leal e Amaral, 1990; Maluf Filho, 1991). Essas pesquisas apontavam a grande concentração do volume negociado e uma menor liquidez dos títulos como alguns fatores dessa ineficiência. Pesquisas realizadas a partir de 1990 apresentaram evidências da forma fraca de eficiência de mercado no Brasil.

A globalização, caracterizada pela intensificação do comércio internacional e acompanhada de maior integração financeira dos mercados mundiais, passou a demandar a adaptação do mercado brasileiro. A estabilização econômica, a partir de 1994, também foi marcada por uma reestruturação da propriedade dos valores mobiliários, com maior participação de investidores individuais e estrangeiros, passando a haver maior transparência das transações, como apontam Camargos e Barbosa (2003).