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4 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

4.5 EFICIÊNCIA X INEFICIÊNCIA

Abbagnano (2000) emprega o termo “eficiência” para designar a adequação de uma pessoa, instrumento ou organização à sua tarefa ou função, e seu contrário

correspondente é a ineficiência. Nessa perspectiva, aplicativos de mensagens instantâneas podem formar um sistema de articulação combinada a outras ferramentas para uma composição de forças, a fim de conseguir um máximo de eficiência dos sujeitos nas rotinas de trabalho.

Mick e Fournier (1998) atribuem à tecnologia o desenvolvimento de atividades com o menor esforço ou tempo, permitindo a capitalização do tempo. Agilidade, celeridade, rapidez são adjetivos congruentes à eficiência, utilizados de forma unânime entre os entrevistados para definir o WhatsApp, a exemplo do que foi dito por de S17:

Acho que, no cargo que eu me encontro e com o volume de demandas que a gente precisa dar conta, o WhatsApp, ele acaba favorecendo no sentido de comunicar muito rapidamente o que precisa ser feito. Então, acho que esse é um ponto bem positivo e eu confesso que ele até aumenta o sentimento de realização, porque tu consegues o resultado de forma mais célere (S17).

Para Silveira (2005), há “uma grande narrativa de progresso, que se manifesta nos estudos das organizações como uma preocupação pela eficiência, pela minimização dos conflitos e pela busca da lucratividade”.

O discurso pela busca da eficiência facilitou a geração de saberes e aumentou o controle sobre as organizações e sobre as pessoas, constituindo uma “busca por produzir um conhecimento que maximiza a eficiência racional das organizações e dá ênfase às noções de ordem e hierarquia” (SILVEIRA, 2005, p. 16), reforçando o que aqui se denomina de “Sistema das Diferenciações”.

O estabelecimento do WhatsApp no dia a dia, para utilização exaustiva do tempo, foi acontecendo progressivamente em todo o mundo, nas instituições e na vida privada das pessoas. Assim, diante de tudo o que já foi dito, não é difícil se entender o fenômeno de hábito normalizador, suportado pela eficiência, como “Forma de Institucionalização”. Nessa perspectiva, manifestou-se S2:

O WhatsApp é usado praticamente todos os dias. Não me recordo nenhum dia que não tenha utilizado nas minhas atribuições. Desde que eu entrei aqui, uma das primeiras coisas que me foi solicitado a minha inclusão, o número do meu telefone pra a gente poder agilizar a comunicação. Essa ferramenta já está enraizada na cultura na instituição e é bem difícil. Por exemplo, um grupo de trabalho de uma comissão, se você vai se engajar em algum grupo desses, você, normalmente, teria que mandar um e-mail institucional, mas hoje, se não for feito um grupo de WhatsApp, não funciona só pela comunicação oficial (S2).

Os “Graus da Racionalização” foram novamente detectados nas entrevistas, quando se questionou sobre as possibilidades em função dos custos e

da eficácia do WhatsApp no trabalho. O relato a seguir faz alusão à eficácia, ressaltando a agilidade na distribuição e no acesso às informações; a possibilidade de consulta de informações na palma da mão; a rapidez na resolução de problemas; a facilitação na coordenação de equipes; e a objetividade na comunicação.

Como pontos positivos seriam a agilidade ou facilidade que a informação pode chegar a qualquer pessoa. Outro ponto positivo é que a informação fica disponível para a pessoa olhar a qualquer momento, mas esse ponto também pode ser considerado um ponto negativo, pelo fato da pessoa acabar se sentindo curiosa ou pressionada a olhar, pois vai que é alguma informação com prazo que tenha que cumprir, algo que precise resolver (S2).

Em contrapartida, em nome da eficiência, alguns sujeitos permitem a invasão e superexposição da própria privacidade, como o que ocorre com S13:

Geralmente, a minha chefia passa muito o meu contato, a minha chefia imediata, mas eu sempre falo para ela que ela pode passar a vontade, não tem problema, eu não ligo nessa questão. Muitas vezes, sou eu quem passo, mas, como na maioria das vezes é ela que faz aquela ponte inicial, ou parceria que estão em reuniões iniciais, aí ela quem passa (S13).

Dentro desse paradoxo tecnológico, os sujeitos, na tentativa de se manterem eficientes e, ao mesmo tempo, com a privacidade preservada, sugeriram a substituição do WhatsApp por um aplicativo institucional de função equivalente. Tal estratégia pode ser interpretada sob a perspectiva da “Relação Poder-

Resistência”.

Entretanto, a substituição de um aplicativo por outro pode não gerar a insubmissão suposta, isto porque a sociedade objetiva (práticas de objetivação) os sujeitos por “práticas divisoras” (FOUCAULT, 1995). A classificação dos sujeitos é incutida no, e pelo, próprio sujeito, que é dividido no seu interior e em relação aos outros e, assim, cria para si, e para os outros, a ideia de divisão entre competente, incompetente, “os bons e os maus meninos” (FOUCAULT, 1995).

A relação da sujeição extrapola qualquer dispositivo físico. Ele está nas relações de sujeição dentro dos discursos. Na prática, o que se percebe é que o fato de o sujeito se negar ao uso de aplicativos de mensagens instantâneas pode colocá- lo no “time dos que não trabalham” e são classificados como ineficientes pela/para a instituição. Nesse sentido, tem-se a fala de S11:

Quando alguém te demanda algo pelo WhatsApp, principalmente quando é em um grupo que eu não vejo com tanta frequência e é uma demanda urgente, então se tu não responde aquela demanda urgentemente, tu acaba sendo visto como ineficiente, incompetente, alguém que não está cumprindo com suas tarefas e, na verdade, você só não viu aquela mensagem naquele momento (S11).

Percebe-se, portanto, que determinadas resistência podem se configurar como muito frágeis, ou até como pseudorresistências. Para Foucault (1995), aqueles sujeitos que não são classificados como “os bons meninos” acabam punidos social, profissional, subjetiva, inclusive emocionalmente, ao se sentirem desclassificados, desqualificados, fora do “padrão de qualidade” e, por isso, rejeitados.

Para se liberarem dessa pressão, alguns servidores elegeram, dubiamente, como “Práticas de Liberdade”, o próprio uso do smartphone e do WhatsApp, como pode ser percebido na sutileza da resposta de S7:

Participo de três grupos de WhatsApp e foi necessário, porque as relações já estavam acontecendo nesse ambiente e eu não estava participando e eu acabava ficando fora das discussões. Então, foi necessário eu aderir à participação nesses grupos, sempre relacionados à organização de algum trabalho, ou também, para trocar experiência com instituições de outros estados (S7).

Tal atitude dos servidores pode ser interpretada como uma suposta alternativa ao alívio dos anseios de culpa, ao avaliarem que, ante a percepção (interna e externa) de seus padrões como trabalhadores, estavam “ameaçados”. Além disso, a busca para a troca de experiências, para além do espaço interno, indica o esforço por se posicionar mais ativamente nas relações de força no ambiente virtual.