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2   O ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA COMO INSTRUMENTO PARA

2.3   EIV como espécie de AIA 41

O meio ambiente urbano traz em si as nuances naturais e artificiais da cidade, envolvidas pelo contexto social, conforme amplamente demonstrado em capítulo anterior. Desta forma, não se há de cogitar uma análise urbana que não seja também ambiental.

Rogério Rocco, tratando da inserção do viés ambiental nos estudos urbanísticos, mais especificamente no Estudo de Impacto de Vizinhança assim aduz:

Por certo, as questões enfatizadas pelo Estudo de Impacto de Vizinhança também podem ser entendidas como ambientais, uma vez que fazem referência ao meio ambiente construído. Porém, elas apresentam, antes de tudo, uma preocupação eminentemente urbanística, pautada nos princípios da função social da cidade e da propriedade urbana. Por essa razão, o artigo 38 do Estatuto da Cidade prevê que o Estudo de Impacto de Vizinhança não supre o Estudo de Impacto Ambiental (ROCCO, 2009, p. 49).

Desta forma, o Estudo de Impacto de Vizinhança se mostra como verdadeira espécie de avaliação de impactos ambientais aplicável ao ambiente urbano. Mais uma vez utilizando as palavras de Rogério Rocco, podemos afirmar que:

(...) o conceito contemporâneo de impacto de vizinhança ultrapassa a perspectiva que o limitava às análises de alteração ou comprometimento dos usos das propriedades vizinhas, alcançando todo o “cenário” de um ambiente específico – neste caso, o ambiente urbano – isto é, um ambiente difuso, lapidado pelos princípios da sustentabilidade e assegurado a toda a coletividade desta e das futuras gerações. (ROCCO, 2009, p. 113/114)

No mesmo sentido, Édis Milaré informa ser o Estudo de Impacto de Vizinhança espécie de Avaliação de Impacto Ambiental – AIA:

O Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV é um dos instrumentos associados à Política Nacional de Meio Ambiente, embora não conste explicitamente no texto legal com este nome. O EIV é um desdobramento da AIA (Avaliação de Impacto Ambiental), a ser aplicado para estudos de impactos urbanos localizados, cujos efeitos podem ser estritamente localizados no tecido urbano ou, ainda, estender-se para um âmbito maior, por exemplo, impacto ambiental do sistema viário e do tráfego urbano (MILARÉ, 2007, p. 399).

Compreendendo-se o meio ambiente urbano como uma relação do meio ambiente artificial / cultural com o meio ambiente natural, não se pode mais afastar o regime jurídico ambiental da órbita do Estudo de Impacto de Vizinhança.

O Estudo de Impacto de Vizinhança se mostra, então, como instrumento averiguador de impactos de atividades no meio urbano, classificado como espécie de Avaliação de Impactos Ambientais – AIA, devendo, portanto, nos moldes acima expostos, proceder à análise não apenas da perturbação do novo empreendimento à urbe, mas a todo o contexto no qual este se localiza. O Estudo de Impacto de Vizinhança, assim, deve antever os impactos dos empreendimentos no meio ambiente urbano como um todo, abrangendo os abalos físicos e sociais e as relações que sobrevierem a partir de tais ações.

No entanto, ainda que parte da doutrina considere o EIV como espécie de Avaliação de Impactos Ambientais – AIA, sua utilização enquanto instrumento de proteção ambiental ainda se faz tímida e o estudo das legislações demonstra que o EIV tem sido constantemente previsto como mero indicador dos impactos urbanísticos de determinado empreendimento,

 

 

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limitando seu aspecto ambiental à análise de intervenções na paisagem natural. De acordo com Augusto Lollo:

A análise de relatórios de impacto de vizinhança elaborados no passado e da legislação que disciplina sua realização indicam que tais estudos consideram preferencialmente os impactos urbanísticos e os impactos na infra-estrutura urbana previstos como decorrência da implantação do empreendimento. Por outro lado, os impactos no meio físico geralmente não são considerados ou, quando o são, se resumem às intervenções no meio biológico ou na paisagem natural. (LOLLO, 2005)

Diversas legislações, a exemplo de Goiânia, Rio Grande do Sul4, Farroupilha e Santos, trazem o EIV como instrumento utilizado para o licenciamento e uso do solo de empreendimentos com alto impacto urbanístico e, mesmo utilizando-se da expressão “paisagem natural” ou “patrimônio natural”, não especificam quais aspectos devem ser analisados sob o viés ambiental.

O Decreto n. 07, de 08 de fevereiro de 2010, do Estado do Rio Grande do Sul, chega a mencionar a necessidade de observação dos riscos ambientais, mas baliza o cumprimento de medidas mitigadoras e compensatórias à realização de adaptações do próprio empreendimento, a exemplo da instalação de filtros, medidas de estanqueidade, disposição adequada de resíduos comuns e hospitalares. Não considera, portanto, a cidade enquanto meio ambiente e o entorno do empreendimento como aspecto essencial para alcance da sustentabilidade.

A Lei Complementar n. 793, de 14 de janeiro de 2013, do Município de Santos, aduz a classificação dos empreendimentos ou atividades de acordo com o respectivo impacto ambiental, todavia, apenas exige a apresentação, pelo empreendedor, de documentos que atestem a existência ou não de áreas de interesse ambiental no entorno, além da demonstração dos recursos ambientais e suas interações, de modo a “caracterizar a situação da área, destacando o patrimônio natural”.

Mesmo as legislações que procuram atrelar a realização do Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV ao cumprimento de medidas protetivas do meio ambiente são abstratas e vagas em suas redações, não concedendo ao aplicador uma noção concreta de quais seriam tais medidas e os limites das mesmas. Podemos vislumbrar tal lacuna na Lei n. 17.511, de 2008, do Município do Recife, que, no inciso I do seu artigo 189 traz como questão de análise obrigatória do EIV o “meio ambiente”.

                                                                                                               

4  Em que pese o Estatuto da Cidade exigir lei municipal, a existência de legislação estadual sobre o tema se

mostra constante, a exemplo do Rio Grande do Sul e Goiás, que possuem Decreto Estadual e Lei Estadual, respectivamente, sobre o tema.  

Diante do quadro exposto, vislumbra-se que o Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV, embora norteado pelo Estatuto da Cidade e previsto em muitas legislações locais, ainda não possui firme compreensão da sua real utilidade enquanto instrumento de política de gestão urbano-ambiental.

Sua interpretação, portanto, permanece com lacunas de sentido, que precisam ser preenchidas para que o aplicador das leis, seja jurista, seja técnico, possua uma real noção do que deve ou não avaliar sob o aspecto ambiental quando diante de um Estudo de Impacto de Vizinhança.

O real e concreto conceito de meio ambiente urbano não se encontra delimitado na legislação ou na doutrina, o que tem levado às incoerências aqui expostas. Conquanto o EIV seja tratado, pelas ciências especializadas, como estudo ambiental aplicável ao meio urbano, sua utilização prática tem sido realizada como mero avaliador de impactos urbanísticos e de infraestrutura urbana.

3 ESTUDOS DE IMPACTO DE VIZINHANÇA NO MUNICÍPIO DE