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Elementos da definição do instituto de refúgio

Capítulo 1. A luz fraca dos refugiados: direitos de um povo sem direitos

1.3 Instrumentos de proteção dos refugiados no âmbito internacional: A convença de 1951 e o

1.3.3 Elementos da definição do instituto de refúgio

Um dos maiores méritos da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967 foi o estabelecimento de critérios bem-definidos e abrangentes para o reconhecimento do status de refugiado de modo homogéneo no âmbito internacional. São cinco os motivos previstos internacionalmente que asseguram o refúgio: as características étnico-raciais, a nacionalidade, a opinião política, a religião e o pertencimento a um grupo social.

Antes de analisar essas cláusulas cumpre ressaltar que a determinação do status de refugiado é meramente declaratória, isto é, não tem como efeito atribuir a qualidade de refugiado, mas apenas constata formalmente essa qualidade já existente.

1.3.3.1 As Cláusulas de Inclusão

As chamadas cláusulas de inclusão, presentes na Convenção de 1951, destinam-se a estabelecer critérios objetivos para o reconhecimento do status de refugiado a um indivíduo demandante da proteção internacional do refúgio. Contudo, para implementar os instrumentos

23 “Todo Estado tem direito, no exercício de sua soberania, de admitir dentro de seu território as pessoas

que julgar conveniente, sem que, pelo exercício desse direito, nenhum outro Estado possa fazer qualquer reclamação” (Convenção sobre Asilo Territorial, 1954).

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internacionais de proteção aos refugiados é fundamental que um Estado defina quem são os sujeitos de sua proteção.

No caso português existem, fundamentalmente, três vias de proteção internacional: o asilo constitucional, previsto art. 33º/824, da Constituição, e no artigo 3º/1 da lei 27/2008, de 30 de junho; o asilo “convencional”, previsto no artigo 1º da Convenção de Genebra, no artigo 27º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, na Diretiva 2004/83/CE25, do Conselho e no artigo 3º/2 da lei do asilo26; e a proteção subsidiária, prevista no artigo 15º da Diretiva 2004/83/CE do Conselho e no artigo 7º da lei do asilo27.

As duas primeiras vias conduzem ao reconhecimento do status de refugiado – é o que resulta do artigo 33º/9 da Constituição e do artigo 4º da lei do asilo. A terceira via, que se designa por proteção subsidiária conduz à autorização de residência por razões humanitárias. Em qualquer destas vias, o reconhecimento ou não de uma destas formas de proteção internacional depende de um juízo de prognose, em que a partir dos dados existentes, se aprecia se aquela pessoa tem ou não condições de regressar em segurança ao seu país de origem (Oliveira, 2016).

O texto final da Convenção de 1951 aprovado na Conferência dos Plenipotenciários de julho de 1951, reconheceu como refugiado o indivíduo que, devido a um bem fundado temor de perseguição por força do seu grupo étnico-racial, nacionalidade, religião, opinião política ou pertencimento a determinado grupo social, é obrigado a deslocar-se de seu Estado de origem e/ou residência habitual para outro Estado, onde realizará o pedido de proteção (Oliveira, 2016).

Tal definição contém três requisitos essenciais caracterizadores e que são, por sua vez, de obrigatório preenchimento pelo solicitante do refúgio para que este possa ser contemplado

24 É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados

de perseguição, em consequência da sua actividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana (VII Revisão Constitucional de 2005).

25 Uma política comum de asilo, que inclua um sistema comum europeu de asilo, faz parte integrante do

objectivo da União Europeia de estabelecer progressivamente um espaço de liberdade, de segurança e de justiça aberto às pessoas que, obrigadas pelas circunstâncias, procuram legitimamente protecção na Comunidade (DIRECTIVA 2004/83/CE).

26 Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento

ser perseguidos em virtude da sua característica étnico-racial, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual (Lei n.º 27/2008, de 30 de junho).

27 1. O refugiado goza dos direitos e está sujeito aos deveres dos estrangeiros residentes em Portugal, na

medida em que não contrariem o disposto nesta lei, na Convenção de 1951 e no Protocolo de 1967, cabendo-lhe designadamente a obrigação de acatar as leis e os regulamentos, bem como as providências destinadas à manutenção da ordem pública.

2. O refugiado tem direito, nos termos da Convenção de 1951, a um título de identidade comprovativo da sua qualidade, a atribuir pelo Ministro da Administração Interna segundo modelo a estabelecer em portaria (Lei n.º 70/93 de 29 de Setembro - Direito de asilo).

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com os standards mínimos de proteção destinados àqueles que recebem e que gozam do status de refugiado. São estes: (i) a perseguição; (ii) o fundado temor; e (iii) a extraterritorialidade.

(i) Perseguição

O elemento central da definição de refúgio e da consequente atribuição do status jurídico de refugiado a alguém é a noção de perseguição em virtude de opiniões políticas, características étnico-raciais, religião, nacionalidade ou grupo social. Apesar de esta definição ainda não ter sido criteriosamente determinada e tutelada pelas normas que integram o Direito Internacional dos Refugiados, sua apreensão perpassa a ideia basilar de ser a perseguição entendida como a causa essencial e imediata do deslocamento forçado dos refugiados em busca de proteção, ou melhor, como a “fuga de uma situação insustentável para outra diferente e que se espera seja melhor, além de uma fronteira nacional” (Pereira, 2009: 71).

Para haver perseguição, não é necessária a prova de prática de atos que se dirijam ao sujeito individualmente. Basta que o sujeito, por este ter determinada religião, pertencer a um grupo étnico-racial, ou qualquer outra característica diferenciadora, a que não deveria estar ligada nenhuma sanção, seja vítima de violações graves dos seus direitos fundamentais por causa desta característica (Oliveira, 2016).

Por outro lado, segundo o ACNUR, deve entender-se que qualquer ameaça à vida ou à liberdade em virtude das características étnico-raciais, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou pertença a um certo grupo social é sempre perseguição. Outras violações graves aos direitos humanos - pelas mesmas razões - devem qualificar-se também como perseguição (Manual do ACNUR, 1979).

A perseguição pode ir além de uma ameaça ou eventual ameaça de violação à liberdade e à vida dos indivíduos dentro de um Estado ou região, também os casos de tortura e de tratamento ou punição cruel ou degradante a seres humanos, ou seja, em uma perspectiva generalista, pode ser entendida como toda e qualquer severa violação de direitos humanos (Goodwin-Gill & Mcadam, 2008).

As Diretivas europeias, em norma transposta pela lei portuguesa de asilo no artigo 5º28, entendem que para que determinados atos sejam qualificados como perseguição é “imperioso

28 A Lei n.º 27/2008, de 30 de Junho estabelece que:

1 - Para efeitos do artigo 3.º, os atos de perseguição suscetíveis de fundamentar o direito de asilo devem constituir, pela sua natureza ou reiteração, grave violação de direitos fundamentais, ou traduzir-se num conjunto de medidas que, pelo seu cúmulo, natureza ou repetição, afetem o estrangeiro ou apátrida de forma semelhante à que resulta de uma grave violação de direitos fundamentais. 2 - Os atos de perseguição referidos no número anterior podem, nomeadamente, assumir as seguintes formas:

a) Atos de violência física ou mental, inclusive de natureza sexual; b) Medidas legais, administrativas, policiais ou judiciais, quando forem discriminatórias ou aplicadas de

forma discriminatória;

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que sejam suficientemente graves, devido à sua natureza ou persistência, para constituírem grave violação dos direitos humanos fundamentais; ou constituírem um cúmulo de várias medidas, incluindo violações dos direitos humanos, suscetíveis de afetar de forma grave os indivíduos” (Oliveira, 2016: 49).

(ii) O Fundado Temor

O temor ou fundado temor, segundo elemento essencial presente na definição do instituto jurídico do refúgio, deve ser compreendido como o medo, a aversão, o receio, a insegurança que sentem os indivíduos perseguidos e, igualmente, os que desejam evitar uma situação em que poderiam correr o risco de serem perseguidos, de permanecer em seu país de origem ou local de residência habitual. Configura-se, em especial, nos casos de verificação individual da condição de refugiado, a partir de um entendimento tanto subjetivo como objetivo do termo (Pereira, 2009: 75). Assim, temos que:

A este elemento de temor – que é um estado de espírito e uma condição subjetiva – é acrescentada a qualificação “com razão”. Isto implica que não é só o estado de espírito da pessoa interessada que determina a condição de refugiado, mas que esse estado de espírito seja baseado em uma situação objetiva (Acnur, 1979: 19).

Ou seja, esse critério apresenta um elemento subjetivo que é o “temor de perseguição”, uma vez que o temor se apresenta como um estado de espírito da pessoa que solicita o reconhecimento do status de refugiado e varia de indivíduo para indivíduo; e um elemento objetivo, pois o temor deverá ser “fundado”, portanto, baseado em uma situação objetiva.

A avaliação do elemento subjetivo é realizada com base nas declarações prestadas pelo interessado; já a avaliação do elemento objetivo ocorre através da verificação da credibilidade das declarações prestadas pelo requerente quando comparada com a situação objetiva do seu país de origem.

(iii) Extraterritorialidade

A extraterritorialidade é outro requisito essencial do refúgio e manifesta-se na necessidade e exigência colocada pele norma internacional de 1951 de somente reconhecer o

status de refugiado a indivíduos que se encontrem fora de seu local de origem ou residência

d) Recusa de acesso a recurso judicial que se traduza em sanção desproporcionada ou discriminatória; e) Ações judiciais ou sanções por recusa de cumprir o serviço militar numa situação de conflito na qual o cumprimento do serviço militar implicasse a prática de crime ou ato suscetível de provocar a exclusão do estatuto de refugiado, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º; f) Atos cometidos especificamente em razão do género ou contra menores.

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habitual. Em outras palavras, não são contemplados com a proteção especial das normas do DIR grupos ou pessoas que se deslocam forçadamente, mesmo que em decorrência de perseguição, dentro de seus próprios Estados ou regiões, isto é, que não cheguem a ultrapassar as fronteiras e limites territoriais de seus países de origem ou residência habitual. Para essa regra não existem exceções, logo, a proteção internacional não pode intervir a favor do indivíduo perseguido ou em eminência de sê-lo enquanto este se encontrar ou permanecer sob a jurisdição territorial de seu Estado (Pereira, 2009).

Tal elemento encontra o seu fundamento na regra tradicional de Direito Internacional, consagrada na Carta da ONU, de não intervenção.

1.3.4 Os Motivos Previstos Internacionalmente para o Reconhecimento do