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Os motivos previstos internacionalmente para o reconhecimento do status de

Capítulo 1. A luz fraca dos refugiados: direitos de um povo sem direitos

1.3 Instrumentos de proteção dos refugiados no âmbito internacional: A convença de 1951 e o

1.3.4 Os motivos previstos internacionalmente para o reconhecimento do status de

O reconhecimento do status de refugiado tem o intuito de preservar os direitos políticos, sociais e económicos do indivíduo e utiliza, como explicado acima, critérios objetivos e subjetivos.

Quando se analisa a realidade factual do instituto do refúgio, verifica-se que as violações aos direitos humanos, e, em especial, aos cinco direitos assegurados como motivos para o reconhecimento do status de refugiado (grupo étnico-racial, nacionalidade, opinião política, religião ou pertencimento a determinado grupo social), ocorrem de modo mais frequente e sistemático quando há o advento de uma guerra ou de outros distúrbios da democracia, tais como ocupação de territórios ou governos despóticos que não primam por respeitar as garantias individuais fundamentais (Jubilut, 2007).

a) Grupo étnico-racial

A discriminação e perseguição de indivíduos em virtude das características étnico-raciais, isto é, em virtude de suas qualidades genéticas particulares e caracterizadoras e, por assim ser, capazes de diferenciá-los de outros grupamentos humanos, fundamenta-se em duas ideias igualmente equivocadas: a de que existe superioridade de um grupo étnico-racial sobre outra e, consequentemente, no surgimento do fenómeno do racismo.

O conceito de grupo étnico-racial é amplo e inclui não apenas aqueles de genealogia comum, mas também aqueles que apresentam um histórico, uma nacionalidade, uma língua ou uma cultura em comum. A discriminação por motivos de diferenças étnico-raciais é uma prática ainda fortemente presente na humanidade e serve como justificativa para perseguições e conflitos internos. Dessa forma, o reconhecimento do status de refugiado em razão das características étnico-raciais apresenta-se como um instrumento necessário para garantir proteção a esses indivíduos (Fischel de Andrade, 2006).

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O facto de discriminar um ser humano em função do seu grupo étnico-racial apresenta problemas multifacetados: tal preconceito é absoluto, uma vez que as características biológicas não podem ser alteradas, a teoria racista não tem base científica, pois até hoje não se comprovou a superioridade de um grupo étnico-racial em relação aos demais, a existência da diversidade, a qual é tolhida pelo racismo, é indispensável à evolução cultural da humanidade e o racismo objetiva eliminar todas as diferenças de dentro de um dado sistema, podendo, com isso, levar ao Estado Totalitário, no qual não existe democracia e respeito aos direitos humanos (Jubilut, 2007).

Como regra, o simples facto de pertencer a um grupo racial não é suficiente para ser reconhecido como refugiado. A discriminação por motivos de diferenças étnico-raciais equivale a uma perseguição quando, em virtude da discriminação racial, a dignidade da pessoa humana é afetada de tal modo que se torna incompatível com os mais elementares e inalienáveis direitos humanos, ou quando se ignora que as barreiras raciais acarretam graves consequências (Acnur, 1979: 28).

b) Nacionalidade

A nacionalidade é o vínculo político e jurídico que une o indivíduo ao Estado e pode ser entendida a partir de duas dimensões: a vertical, que privilegia o aspeto jurídico-político dessa ligação, ou seja, entende-a como o liame entre o indivíduo e o Estado e, consequentemente, entre aquele e o Direito Internacional, e a horizontal, que focaliza o aspecto sociológico, visando à ligação do indivíduo com os demais membros da comunidade, da população e do Estado (Jubilut, 2007).

O termo “nacionalidade” vai além da ideia de vínculo jurídico e político que une o indivíduo a um Estado (nacionalidade no sentido de cidadania), pois a nacionalidade pode designar também pessoas que pertencem a um mesmo grupo linguístico ou étnico.

Portanto, a coexistência de grupos nacionais distintos dentro do território de um mesmo Estado pode ocasionar a perseguição ou o temor de perseguição de uma minoria frente a uma parcela dominante ou mais poderosa da sociedade. Nota-se, por conseguinte, que a questão é delicada, multifacetada e interligada a fatores como a religião e a política, devendo ser analisada, no momento da solicitação de refúgio, de forma cuidadosa pelos entrevistadores (Pereira, 2009).

A nacionalidade é motivo de discriminação em Estados multiétnicos (razão pela qual muitos diplomas legais se preocupam em preservá-la) e provoca a fuga de indivíduos desses, os quais, sem o instituto do refúgio, estariam desprovidos de qualquer proteção (Jubilut, 2007).

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A Declaração dos Direitos do Homem consagra, em seu artigo 19, o direito de liberdade de opinião e de expressão29. Como não o limita a determinados tipos de opinião, utilizando-se do vocábulo no plural, “ter opiniões”, entende-se que as opiniões políticas e sobre assuntos dessa natureza estão por esse direito protegidas. Logo, “perseguições a indivíduos em virtude de suas convicções, preferências ou militâncias políticas configuram-se como atos de violação ao direito humano essencial de liberdade de opinião e, assim sendo, embasam a proteção oriunda do direito de refúgio” (Pereira, 2009: 81).

Essa proteção da opinião política como direito humano pode parecer irrelevante quando se tem como forma de governo a democracia, mas, nos casos de regimes tiranos, ditatoriais ou totalitários, tal garantia é fundamental, inclusive para a proteção da vida do indivíduo que discorda da opinião política dominante (Jubilut, 2007).

O simples facto de ter opiniões políticas contrárias aos métodos e políticas governamentais não justifica a solicitação de refúgio. Faz-se necessário demonstrar que existe um receio de perseguição em razão dessas opiniões. assim, a opinião pode vir a ser motivo de concessão de refúgio, em função tanto da possibilidade de ser ela usada como motivo para justificar a perda da vida de um ser humano quanto também em função de ser, ela própria, um direito humano (Pereira, 2009).

c) Religião

A liberdade de crença e de manifestação religiosa também está prevista tanto na Declaração dos Direitos do Homem, nomeadamente no artigo 1830. Via de regra, em caso de perseguições religiosas, os indivíduos sofrem discriminação apenas pelo facto de pertencerem a determinado grupo religioso, por professarem uma religião específica que não a da maioria da população de sua região ou mesmo por não corroborarem com a religião oficial de seu Estado de origem ou residência habitual. Neste sentido, não necessariamente executaram qualquer tipo de ofensa ou ação ilícita, de cunho religioso ou amparada em suas crenças, que justificasse a perseguição (Pereira, 2009).

A perseguição por motivo de religião pode assumir formas variadas como, por exemplo, a proibição de fazer parte de uma comunidade religiosa, de praticar o culto em privado ou em público, de receber educação religiosa ou a discriminação de pessoas em virtude da prática da sua religião ou por pertencerem a uma determinada comunidade religiosa. A proteção garantida por meio do refúgio é de suma importância, sobretudo quando se verifica que atualmente o

29 Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem: “Toda pessoa tem direito à liberdade de

opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.

30 Artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos do Homem: “Toda pessoa tem direito à liberdade de

pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular”.

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maior número de refugiados no mundo são oriundos de países cujo conflito possui cunho religioso.

d) Filiação a Determinado Grupo Social

O último motivo clássico para o reconhecimento do status de refugiado vem a ser a filiação a determinado grupo social, ou seja, a identificação do indivíduo como parte de um subgrupo da sociedade. Esta é uma das questões mais complexas dos critérios de motivação da perseguição.

Isso porque, a definição de grupo social não é precisa e a sua inclusão no elenco de motivos de concessão de refúgios visou exatamente a essa imprecisão: percebeu-se que nenhuma definição taxativa, de quem é, ou não, refugiado abarcaria todos os indivíduos, em todas as épocas, que necessitassem dessa proteção, mas, ao mesmo tempo, verificou-se a indispensabilidade de uma positivação internacional que objetivasse a aplicação homogênea do instituto, sendo, portanto, necessário o estabelecimento de critérios (Jubilut, 2007).

Em termos sucintos, a posição do ACNUR expressa no seu Manual para a determinação da condição de Refugiado acerca desta matéria é a de que existe um grupo social, sempre que se reconheça um grupo de pessoas que partilham uma característica comum, além do risco de serem perseguidas ou que são vistas como um grupo por parte da sociedade. Deste modo “essa característica distintiva é normalmente inata, imutável, ou de outro modo fundamental para a identidade e para a consciência da pessoa” (ACNUR, 1979: 29).

Como ainda não há definição precisa do que venha a ser este motivo, (tal critério ainda se encontra em construção) o melhor meio de se reconhecer o status de refugiado a indivíduos sob estas circunstâncias de perseguição é proceder à “investigação sobre a postura do agente que impetra a perseguição. Se este o faz como se estivesse perseguindo um grupo social específico, reconhecendo-o, pois, como tal, há, então, analogicamente, a existência do grupo” (Pereira, 2009: 84).