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3 PROVA BRASIL E CURRÍCULO MUNICIPAL DE CASCAVEL-PR:

3.1 Elementos históricos, pressupostos teóricos e desdobramentos dos

larga escala

Recuperar os elementos centrais que caracterizam os Parâmetros Curriculares Nacionais remete ao modelo educacional brasileiro delineado a partir da implantação do neoliberalismo, processo que assume contornos mais definidos em meados dos anos 1990, durante a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso.

De acordo com Falleiros (2005), a sociabilidade capitalista produz como demanda uma concepção de educação que tem por função a conformação do “novo homem” adaptado aos pressupostos técnicos, psicológicos, emocionais, morais e éticos-políticos da flexibilização do trabalho. Seguindo este princípio, a educação escolar preconizada delimita- se na formação básica da classe trabalhadora e preparação geral para o trabalho, adequado à reestruturação produtiva, ao desemprego estrutural e à precarização das condições de trabalho. A reforma curricular realizada neste momento incorporou esta concepção. Seguindo a mesma linha de raciocínio, Alves (2012) aponta que a educação assume função ideológica importante como responsável pelo aumento da produtividade, redução da pobreza e inserção do país na era globalizada.

A iniciativa do Ministério da Educação em concentrar esforços em torno da elaboração da proposta curricular partiu de algumas demandas, entre as quais, merecem ser mencionadas: atender ao dispositivo constitucional (artigo 210 da Constituição Federal de 1988), que atribui ao Estado a obrigatoriedade de fixar os “conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de

maneira a assegurar a formação básica comum” (BRASIL, 1988, p. 125); responder ao compromisso nacional firmado na semana nacional de educação para todos, onde se definiu como um dos objetivos do Plano Decenal de Educação para Todos, o de fixar os “conteúdos mínimos determinados pela Constituição” (BRASIL, 1993, p. 45); e ainda, a LDB 9.394, aprovada em 1996, que determina, no artigo 9°, inciso VI, que a União deve estabelecer as “competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar a formação básica comum” (BRASIL, 1996, p. 4).

O Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003) foi elaborado para cumprir com o compromisso assumido internacionalmente pelo Estado brasileiro na Conferência Mundial de Educação para Todos. Essa Conferência aconteceu em Joimtien (Tailândia), no ano de 1990, e foi convocada pela UNESCO, Unicef, PNUD e Banco Mundial. São signatários desta conferência os nove países em desenvolvimento de maior densidade populacional no mundo, os quais concordam com posicionamentos “consensuais na luta pela satisfação das necessidades básicas de aprendizagem para todos, capazes de tornar universal a educação fundamental e de ampliar as oportunidades de aprendizagem para crianças, jovens e adultos” (BRASIL, 1997, p. 14). Assim, são compreensíveis as conexões que se estabelecem na elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais com os acordos internacionalmente firmados entre o Estado brasileiro e os organismos internacionais (MATOS, N. 2017).

No que diz respeito à metodologia de elaboração da proposta curricular, consonante com tais princípios, a Secretaria de Ensino Fundamental – SEF realizou um levantamento preliminar das propostas curriculares desenvolvidas pelas redes estaduais e municipais. Como resultado deste exercício, entendeu-se que não valeria a pena considerar as várias tentativas estaduais e municipais, que vinham, há anos, esforçando-se para consolidar orientações pedagógicas de seus respectivos sistemas, optando-se por substituí-las por uma referência curricular para todo o país (MOREIRA, 1996; FALLEIROS, 2005).

A equipe da SEF, designada para a tarefa de elaborar a proposta curricular foi fundamentalmente composta por professores ligados à Escola da Vila40, sem consultas ou discussões mais amplas acerca dos desdobramentos da importação de um modelo educacional

40 Criada em 1980, a instituição particular é pioneira no ensino construtivista, conforme informa o site da escola. No Brasil há duas unidades da Escola da Vila, ambas situadas em regiões nobres da cidade de São Paulo – Capital, cujas mensalidades variam de R$ 2.490,00 (para crianças matriculadas na educação infantil) a R$ 3.349,00 (estudantes do ensino médio), ou seja, a clientela da escola é constituída de famílias caracterizadas pelo alto poder aquisitivo. A tabela de valores das mensalidades foi consultada em meados de 2018 no site da escola. (ESCOLA DA VILA, 2018).

europeu para o contexto escolar brasileiro (MOREIRA, 1996). O consultor técnico contratado para acompanhar os trabalhos foi César Coll, adepto do construtivismo e um dos principais responsáveis pela reforma educacional da Espanha (MOREIRA; MACEDO, 2003).

A lógica que permeou a elaboração curricular se pautou na ressignificação de conteúdos, atribuindo ao processo de escolarização o atendimento a novas dimensões da formação escolar, além de incluir como objeto de aprendizagem escolar a formação de normas, atitudes e valores (ALVES, 2012).

Sacristán (2000), um dos autores que, segundo Marsíglia (2011), influenciou teoricamente a produção dos PCN, afirma que o currículo reflete um projeto educativo globalizador, no qual é elencado o conjunto de aptidões e habilidades consideradas necessárias para a vida dos sujeitos em sociedade. No ensino obrigatório, o currículo contempla um projeto educativo complexo, em que se refletem todos os objetivos da escolarização.

Nos PCN, tal concepção de currículo pode ser localizada no documento, logo no início, na mensagem ao professor:

Nosso objetivo é [...] fazer com que as crianças dominem os conhecimentos de que necessitam para crescerem como cidadãos plenamente reconhecidos e conscientes de seu papel em nossa sociedade. Sabemos que isto só será alcançado se oferecermos à criança brasileira pleno acesso aos recursos culturais relevantes para a conquista de sua cidadania. Tais recursos incluem tanto os domínios do saber tradicionalmente presentes no trabalho escolar quanto as preocupações contemporâneas com o meio ambiente, com a saúde, com a sexualidade e com as questões éticas relativas à igualdade de direitos, à dignidade do ser humano e à solidariedade (BRASIL, 1997, p.7).

Os currículos escolares refletem as atribuições sociais da escola, as quais, historicamente, pertenciam a outras instituições como a família e a igreja. Nesse sentido, a escola assume um conjunto cada vez mais complexo de funções de formação, que vão desde a preparação do sujeito para a vida, incluindo noções de higiene pessoal, educação para o trânsito e a difusão de hábitos sociais, como a prevenção ao uso de drogas, entre outros. Os currículos são, portanto, um mapa representativo da cultura dos sujeitos (SACRISTÁN, 2000). Nesta concepção, entende-se que não consiste como tarefa da escola entender e adaptar o contexto e o nível econômico e social das famílias, o que seria determinado pelo sistema de produção capitalista, pautado pela desigualdade social. À escola, cabe incorporar a função de executar o ensino de acordo com as prescrições curriculares que lhe são impostas.

De acordo com Alves (2012), a concepção de currículo, contemplada no âmbito dos PCN, fundamenta-se no relativismo teórico, segundo o qual os professores são convidados a deixar de lado as relações mais amplas para assumir o lugar comum da incorporação passiva do que lhes é narrado sem que seja possível a articulação do conhecimento com a vida política, com o tempo e o espaço históricos relativos à sua emergência.

No que tange de forma mais específica a esta pesquisa, as avaliações externas, conduzidas por parte do Ministério da Educação até 1990 foram elaboradas com base na consulta às redes de ensino. “Uma vez elaborados os PCN, o Saeb passou a utilizá-los como referência para produzir a sua matriz de avaliação, praticamente a mesma até hoje” (BARRETTO, 2013, p.133).

Tal princípio é estabelecido no próprio documento:

Os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem o primeiro nível de concretização curricular. São uma referência nacional para o ensino fundamental; estabelecem uma meta educacional para a qual devem convergir as ações políticas do Ministério da Educação e do Desporto, tais como os projetos ligados à sua competência na formação inicial e continuada de professores, à análise e compra de livros e outros materiais didáticos e à avaliação nacional (BRASIL, 1997, p. 29).

De acordo com Moreira (1996) uma das problemáticas consequências da incorporação destas determinações curriculares ao trabalho docente é a intensificação do trabalho pedagógico, tendo em vista a escassez de tempo necessário ao acompanhamento da implementação da proposta. Sem tempo para desenvolver as suas atribuições pedagógicas com qualidade, o docente passa a fazer somente o que é essencial e o trabalho bem feito acaba sendo substituído simplesmente pelo que se cumpre. Por outro lado, os professores secundarizam os conhecimentos adquiridos ao longo do tempo e cada vez mais, passam a depender de especialistas para lhes dizer o que deve ser feito.

Para Santana e Rhoten (2013), essa concepção objetivista e positivista, que impede os professores de contribuir na definição sobre o que é essencial no currículo, faz com que tais profissionais sejam reduzidos a técnicos, que devem aplicar o que foi elaborado pelos técnicos burocráticos.

Como recurso estratégico para se defender da ineficácia, os professores acabam se preocupando mais em adestrar os alunos e a organizar o currículo realizado na escola, a partir

de conteúdos e habilidades exigidos nos testes (MOREIRA, 1996; BONAMINO; SOUZA, 2012; ASSIS; AMARAL, 2013).

Embora não sejam identificadas iniciativas por parte do governo do estado em oferecer formação continuada para os profissionais das redes municipais, os PCN foram difundidos nos cursos de formação inicial para professores, sobretudo nas instituições particulares de ensino. Dessa forma, a concepção de parte do quadro docente acabou sendo influenciada pelos princípios educacionais inerentes a esses documentos, inclusive no município de Cascavel-PR.

Considere-se também que a matriz curricular das avaliações externas, as quais são respondidas pelos alunos matriculados na rede pública municipal, estavam até então, fundamentadas nos PCN (BARRETTO, 2013; PASSONE, 2014; MARTINS, 2015). A partir de 2017, a Base Nacional Comum Curricular – BNCC passará na próxima Prova Brasil a assumir essa prerrogativa.

A BNCC foi aprovada pela Resolução n. 2 do Conselho Nacional de Educação – Conselho Pleno, oficializado em 22 de dezembro de 2017, que institui e orienta a sua implantação. A elaboração da base atende aos dispositivos contidos nos artigos 205 e 210 da Constituição Federal; os artigos 9°, 22, 23, 26, 27, 29 e 32 da LDB; e a meta 2 do Plano Nacional de Educação e a meta 7 do Plano Nacional de Educação. O documento, de caráter normativo, define o “conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais como direito das crianças, jovens e adultos no âmbito da Educação Básica escolar”, e orienta sua implementação pelos sistemas de ensino das diferentes instâncias federativas bem como pelas instituições ou redes escolares (BRASIL, 2017b, p. 4).

O documento é instituído como referência nacional para os sistemas de ensino, de forma que os currículos escolares tenham a BNCC como referência obrigatória. A Resolução define como prazo para que as adequações curriculares se efetivem “preferencialmente até 2019 e no máximo, até início do ano letivo de 2020” e que as avaliações em larga escala sejam alinhadas à BNCC (BRASIL, 2017b, p. 11).

A primeira problematização relacionada à forma como a Base foi elaborada e aprovada pode ser compreendida a partir do histórico da BNCC, apresentado no texto de pedido de vistas das três conselheiras – Aurina Oliveira Santana, Malvina Tania Tuttman e Márcia Angela da Silva Aguiar - do Conselho Nacional de Educação – CNE, que deram parecer contrário à resolução que aprovou e instituiu a BNCC.

O processo de discussão de uma proposta curricular que pudesse servir de base para o ensino na educação básica foi iniciado em 2014, pelo Ministério da Educação – MEC, no âmbito da Secretaria de Educação Básica – SEB. A elaboração do primeiro documento contou com a contribuição de 120 (cento e vinte) profissionais da educação – oriundos da educação básica e do ensino superior, os quais fizeram representar as diferentes áreas do conhecimento. O documento produzido foi disponibilizado para consulta pública, por meio da internet, entre outubro de 2015 e março de 2016 (AGUIAR, 2018).

A segunda versão da BNCC foi disponibilizada e submetida à discussão em maio de 2016. A União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação – Undime e o Conselho Nacional dos Secretários de Educação – Consed realizaram seminários entre os meses de junho a agosto do mesmo ano, organizados por áreas de estudo/componentes curriculares, dos quais participaram cerca de 9 mil educadores. Ainda no mesmo ano, como desdobramento da posse do Presidente Interino Michel Temer e do novo Ministro da Educação, José Mendonça Filho, o Conselho Nacional de Educação ganha uma nova composição (AGUIAR, 2018).

No ano de 2017 a Consed e a Undime elaboraram um relatório a partir das contribuições produzidas nos seminários realizados em 2016. O Comitê Gestor do MEC assumiu a tarefa de definir as diretrizes e a revisão da segunda versão do documento e produzir a terceira versão, que foi encaminhada ao CNE. Em maio de 2017 o CNE deliberou pela realização de cinco audiências públicas nacionais, uma em cada região geográfica do país, as quais foram realizadas de junho a setembro de 2017. Nessas audiências o texto recebeu as contribuições dos representantes de instituições educacionais e organizações profissionais. De outubro em diante, as discussões no âmbito do CNE foram tomadas pela urgência da aprovação da proposta. As conselheiras Aurina Oliveira Santana, Malvina Tania Tuttman e Márcia Angela da Silva Aguiar alertam para o fato de que o “processo não permitiu uma análise pormenorizada das inclusões (...) como requer a matéria”; a “análise detida dessas contribuições não se efetivou e a tramitação célere da matéria (...) comprometeu o processo de discussão e deliberação” (AGUIAR, 2018, p 12; 16).

No que tange aos impactos da implementação da BNCC nas redes de ensino e nas escolas, causam preocupação a sua desvinculação em relação às demandas contextuais das escolas e às “singularidades das etapas e modalidades educativas” (DOURADO; OLIVEIRA, 2018, p. 41) e a redução da qualidade da educação “a uma vaga noção de qualidade de ensino, de assimilação de conteúdos, ao cumprimento de expectativas de aprendizagem. Consequentemente, a qualidade da educação passa a ser identificada com resultados positivos

nos exames nacionais e internacionais e o currículo torna-se cada vez mais dirigido pelas avaliações” (LOPES, 2018, p. 26).

A exclusividade dos exames e índices como critério de medida da qualidade educacional, por sua vez, desconsidera as condições e circunstâncias distintas enfrentadas por professores e alunos nas escolas brasileiras e a pluralidade social, cultural e econômica do país (OLIVEIRA, 2018, p. 56).

A BNCC, tal qual foi formulada e rapidamente aprovada, atende aos interesses comerciais e ao mercado educacional. Em 2018 a previsão orçamentária, somente do tesouro nacional, é 100 milhões de reais para a implementação da Base. “Ela cria um mercado homogêneo para livros didáticos, ambientes instrucionais informatizados, cursos para capacitação de professores, operado por empresas nacionais, mas também por conglomerados internacionais” (MACEDO, 2018, p. 31).

Diante das expectativas pessimistas que giram em torno da implantação da BNCC, aos profissionais da educação resta a articulação de estratégias de resistência, pautada não só na análise crítica de seus pressupostos, como também na elaboração de contrapropostas que fortaleçam o trabalho docente realizado nas escolas públicas, as quais atendem majoritariamente os filhos da classe trabalhadora. As experiências curriculares elaboradas no estado do Paraná, as quais são abordadas na próxima subseção, consistem em propostas que ensejaram ocupar espaços contra hegemônicos.

3.2 Elementos históricos e pressupostos teóricos do Currículo Básico para a Escola