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2 POLÍTICAS PÚBLICAS DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA

2.1 Os precursores do Sistema de Avaliação da Educação Básica

A busca pelas origens das avaliações em larga escala no Brasil conduziu a pesquisa às origens do planejamento educacional, processo com o qual as avaliações educacionais estão intimamente ligadas.

A ideia de planejar a educação remonta à década de 1930, no contexto da industrialização e modernização (conservadora) da sociedade brasileira (AZEVEDO, 2014), marcado pela preparação para a Assembleia Nacional Constituinte de 1933 (BORDIGNON, 2011). Publicado à época, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova consistiu na primeira proposta educativa objetivando defender o acesso de todos à educação laica, obrigatória e gratuita, fundamentada em princípios republicanos, com visão sistêmica e de totalidade (TEIXEIRA, LOURENÇO FILHO e AZEVEDO, 1932/2006; BORDIGNON, 2011).

As propostas dos Pioneiros encontraram respaldo nos projetos governamentais da época. O texto incorporado à Constituição de 1934 estabelece no artigo 150 como competência da União “fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em todo o território do País” (BRASIL, 1934, p. 36). O estabelecido em lei acabou não se concretizando, tendo em vista que esta Constituição teve vigência de três anos, quando foi substituída pela Constituição de 193710, que sustentou, do ponto de vista legal a implantação da ditadura do Estado Novo11.

10 A nova Constituição promoveu um retrocesso aos princípios educacionais, definida como dever primeiro e natural dos pais e conferindo ao Estado a atribuição de colaborar “de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular” (BRASIL, 1937, p. 53). 11 O governo Getúlio Vargas foi marcado por grandes contradições. Um dos maiores legados foi o combate ao comunismo, assumido como tarefa constitucional “ATENDENDO ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente” (BRASIL, 1937); por outro lado, foi na gestão deste presidente que importantes leis trabalhistas foram aprovadas, tais como o salário mínimo, férias remuneradas, descanso semanal, direito à previdência social e licença maternidade, garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (Decreto-lei 5.452 de 1º de maio de 1943). A CLT foi recentemente alvo de nova reforma caracterizada pelo retrocesso no que diz respeito às conquistas da classe trabalhadora. A Lei n. 13.467, de 13 de Julho de 2017 foi publicada no diário oficial da União em 14/07/2017, e passou a valer após 120 de sua publicação. Dentre as mudanças mais significativas, a lei prevê a prevalência do negociado sobre o legislado no que diz respeito a direitos, a saber, férias, décimo terceiro, licença maternidade e outros.

O planejamento voltaria à pauta dos assuntos governamentais quando a ditadura varguista chegou ao fim. Entretanto, a previsibilidade legal do planejamento educacional só veio a se fazer presente na primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei n. 4.024), aprovada em 1961 (AZEVEDO, 2014).

A avaliação escolar foi contemplada na primeira LDB, embora não se mencione a ideia de avaliação nacional da educação. O texto da lei ressalta a autonomia das instituições de ensino e dos professores na definição dos critérios de aproveitamento do rendimento escolar dos alunos:

Art. 39. A apuração do rendimento escolar ficará a cargo dos estabelecimentos de ensino [...]

§ 1º Na avaliação do aproveitamento do aluno preponderarão os resultados alcançados, durante o ano letivo, nas atividades escolares, asseguradas ao professor, nos exames e provas, liberdade de formulação de questões e autoridade de julgamento (BRASIL, 1961, p. 08).

A LDB de 1962, no artigo 92, também dispôs sobre a vinculação orçamentária para a educação, prevendo investimentos de 12% dos recursos da União e 20% dos recursos do Distrito Federal, dos estados e dos municípios. Está presente no texto da lei a ideia de fundos nacionais para investimento nos ensinos primário, médio e superior, estabelecendo a criação de um Plano de Educação para planejar os investimentos de cada fundo (BRASIL, 1961, p. 16).

Como desdobramento da Lei 4.024/61, no ano de 1962 foi aprovado o primeiro Plano Nacional de Educação, que definiu um conjunto de metas quantitativas e qualitativas, a serem alcançadas em um prazo de oito anos. Entretanto, “tornou-se praticamente „letra morta‟, na medida em que o golpe militar de 1964 logo cedo imprimiu outras orientações para a política educacional brasileira” (AZEVEDO, 2014, p. 268).

A avaliação da educação surge, inicialmente, na pós-graduação, na década de 1960, durante o regime militar, e mais tarde estende-se à graduação, tendo por objetivo impor à educação um modelo produtivista de eficiência, fundado na lógica de que as instituições educacionais devem apresentar resultados e atingir metas, do mesmo modo como ocorre nas empresas privadas (ZAINKO, 2008), para atender aos “anúncios de modernização e de produção de ciência e tecnologia, em prol do desenvolvimento nacional” (ZANOTTO, 2017, p. 22).

A Lei de Diretrizes e Bases de 197112 prevê, no artigo 57, a avaliação dos planos e projetos educacionais, o que representa o primeiro indicativo da implantação de um sistema nacional de avaliação:

Art. 57 A assistência técnica da União aos sistemas estaduais de ensino e do Distrito Federal será prestada pelos órgãos da administração do Ministério da Educação e Cultura e pelo Conselho Federal de Educação. Parágrafo único. A assistência técnica incluirá colaboração e suprimento de recursos financeiros para preparação, acompanhamento e avaliação dos planos e projetos educacionais que objetivam o atendimento das prescrições do plano setorial de educação da União (BRASIL, 1971, p. 15).

Segundo Azevedo (2014), no período ditatorial a ideia de planejamento da educação foi definida pelos planos setoriais de educação vinculados aos respectivos planos de desenvolvimento econômico. Entre os anos de 1971 e 1985 vigoraram três planos nacionais de desenvolvimento: o Plano Nacional de Desenvolvimento I13 (de 1971 a 1974), o Plano Nacional de Desenvolvimento II (de 1975 a 1979)14 e o Plano Nacional de Desenvolvimento III (de 1980 a 1985)15, aprovado na forma de resolução, quando o regime militar já se encontrava em crise.

O I Plano Setorial de Educação e Cultura (I PSEC), atendendo ao correspondente educacional do I PND, marcou uma nova forma de inserção institucional da área em termos do planejamento governamental. Este Plano manteve a visão educacional sob uma perspectiva econômica, a qual permaneceu no II PSEC (que corresponde aos desdobramentos em termos de planejamento educacional do PND II). Entretanto, estes planos significaram um passo adiante no sentido de garantir maior integração entre os sistemas de ensino, no intuito de buscar uma articulação entre os níveis. Por outro lado, significaram também atrelar os investimentos em educação aos princípios administrativos de eficiência e produtividade (AZEVEDO, 2014).

Embora a ideia de avaliação já se fizesse presente em documentos anteriores, é no II PSEC que este conceito aparece de forma mais claramente vinculada ao “planejamento educacional, ao controle e à ideia de modernização do Estado” (SANTANA; ROTHEN, 2013, p.13). Entre as inovações para modernizar a educação propostas no documento, as avaliações

12 Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971.

13 Aprovado pela Lei n. 5.727, de 4 de novembro de 1971. 14 Aprovado pela Lei n. 6.151, de 4 de dezembro de 1974.

15 Aprovado pela Resolução n. 1, de 5 de dezembro de 1979. Publicado no Diário Oficial da União em 14 de dezembro de 1979.

são concebidas como medidas corretivas para ajustar as distorções de implantação e implementação do II PSEC:

[...] os mecanismos de avaliação permitem corrigir as distorções que se apresentam durante a execução do Plano Setorial, facilitando o processo decisório (BRASIL, 1976, p. 51).

[...] Administração e planejamento: [...] A concretização destes objetivos se fará através das seguintes ações: 1. implantação de um sistema de informações abrangendo estatística, documentação e bibliografia e informações gerenciais; [...] 4. implantação de um subsistema para acompanhamento, avaliação e controle do Plano (BRASIL, 1976, p. 61. Grifos no original).

A respeito da caracterização da educação brasileira neste período, Saviani (2012) afirma que a educação esteve subordinada aos interesses burgueses e ao desenvolvimento econômico capitalista, tornando-a funcional ao sistema capitalista. Na análise de Freitas, L. (2011) as avaliações da educação tal como têm sido realizadas atualmente caracterizam-se por elementos que são muito próprios do tecnicismo vigente neste período da história educacional brasileira.

Ainda na vigência do regime autoritário instituído em 1964, foi aprovada a terceira edição do Plano, nomeado de III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto, no contexto do processo da abertura política. Este documento, de acordo com Fávero, Horta e Frigotto (1992) assumiu postura e linguagem diferente dos outros planos: apostou na contribuição da educação para diminuir as desigualdades sociais; assumiu enfaticamente o planejamento participativo, definiu a educação sob a ótica da política social e abandonou o discurso do capital humano.

Os objetivos das avaliações são registrados a partir de conceitos condizentes com o período marcado pela abertura democrática, quando se evidenciava o esgotamento das condições políticas que conduziram os militares ao poder e ao crescimento da expectativa da sociedade em torno da gestão democrática:

Estes objetivos precisam ser alcançados dentro de uma programação flexível e participativa, articulada com as estratégias globais de desenvolvimento e com os diferentes níveis administrativos, e sustentada [sic] por um processo de avaliação e controle capaz de representar os interesses das bases e realimentar a programação (BRASIL, 1980, p.19).

Embora as concepções, presentes no III SPECD, tivessem representado avanços em relação aos planos educacionais anteriores, o novo estilo de planejamento não teve força suficiente para romper com a sistemática de programas; não foi capaz de implementar uma sistemática de trabalho dentro do Ministério da Educação, enfrentando severas críticas da própria máquina estatal, de forma que se perderam em ações fragmentadas (FÁVERO; HORTA; FRIGOTTO, 1992).

A constatação, anunciada por Fávero, Horta e Frigotto (1992), e Freitas L. (2011) vai ao encontro da análise feita também por Saviani (2007), que elenca, como um dos principais desafios da educação brasileira a superação da fragmentação das ações pedagógicas:

Parece que as nossas iniciativas em educação pecam por uma extrema descontinuidade e isso, a meu ver, entra em contradição com uma das características próprias da atividade educacional, com uma das características que se insere na natureza e especificidade da educação, que é a exigência de um trabalho que tenha continuidade, que dure um tempo suficiente para provocar um resultado irreversível. Sem se atingir o ponto de irreversibilidade, os objetivos da educação não são alcançados (SAVIANI, 2007, p. 23).

No contexto histórico, mencionado por Fávero, Horta e Frigotto (1992) sobre a fragmentação das ações educacionais movidas pelo Estado brasileiro, encontram-se as primeiras experiências com avaliações externas ocorridas no Brasil, as quais foram instituídas com o propósito de identificar os resultados atingidos pelo Programa de Expansão e Melhoria da Educação Rural do Nordeste I (EDURURAL)16. As avaliações aconteceram nos anos de 1981, 1983 e 1985, nos estados do Ceará, Piauí e Pernambuco, com o objetivo de conhecer o desempenho de alunos das 2ª e 3ª séries do ensino fundamental, nas disciplinas de língua portuguesa e matemática (FIGUEIREDO, 2009; SANTANA; RHOTEN, 2013). Observa-se que já se fazia presente no EDURURAL a noção de que as avaliações servem para medir o grau de eficácia dos recursos que são investidos em educação, considerando-se que este projeto foi desenvolvido a partir de empréstimos concedidos pelo Banco Mundial que não descuidou de acompanhar o desenvolvimento das atividades financiadas, zelando inclusive pelo material didático pedagógico utilizado, o qual foi adotado após a aprovação do Banco Mundial (SOUZA, 2001).

16 O EDURURAL foi um programa desenvolvido dentro do PND III, visando atender aos segmentos prioritários (como populações carentes). O desenvolvimento desta política foi concebido a partir de um discurso que acenava no sentido da eliminação da pobreza, e, consequentemente, na superação das desigualdades sociais (SOUZA, 2001).

O planejamento educacional como política de Estado configura-se com contornos melhor definidos na década de 1990 e consiste em uma das muitas ações governamentais desenvolvidas sob os princípios do neoliberalismo, assumindo a conotação de controle, eficiência e eficácia da aplicação de recursos públicos em educação.

As ações movidas pelo estado neoliberal estão fundamentadas de forma sucinta em cinco princípios básicos: “estabilização (de preços e das contas nacionais); privatização (dos meios de produção e das empresas estatais); liberalização (do comércio e dos fluxos de capital); desregulamentação (da atividade privada) e austeridade fiscal (restrição aos gastos públicos)” (PETRAS, 1997, p. 18).

Na mesma direção da análise de Petras (1997), Fiori (1997) afirma que o neoliberalismo aparece como uma vitória ideológica, que abre portas e legitima uma espécie de selvagem vingança do capital contra a política e contra os trabalhadores, considerando que a ascensão neoliberal ocorre logo após um período histórico em que as políticas sociais foram mais abrangentes e avançadas, forjadas pela luta dos trabalhadores na vigência do estado de bem-estar social.

Petras (1997) esclarece que o Estado continua intervindo nos assuntos econômicos e sociais, o que mudou foi a direção dessa intervenção: ao invés de intervir para nacionalizar, o Estado privatiza; quando os bancos sofrem prejuízos financeiros, o Estado socializa as perdas, convertendo-as em dívidas públicas; intervém nas relações capital-trabalho para quebrar sindicatos; reduz salários e aumenta o preço do custo de vida do trabalhador.

A isenção do Estado em oferecer as condições necessárias à educação de qualidade não pode ser compreendida como mera má vontade do poder público, mas como uma forma de mediação específica que o Estado assume na sociedade no atual estágio de desenvolvimento do capitalismo: “o neoliberalismo não é uma retirada do Estado da economia, mas um específico modo de presença do Estado na economia” (MASCARO, 2013, p. 118) que assume como tarefa principal a criação de condições favoráveis à valorização do valor. Pela dinâmica da luta de classes, o Estado capitalista pode até conceder melhores condições de vida e de trabalho à classe trabalhadora, mas o fará tendo sempre como limite, que tais concessões não comprometam a valorização do valor (MASCARO, 2013).

Para as políticas públicas educacionais e, de forma mais específica, as avaliativas, a mudança do estado do bem-estar social para o neoliberal significou o surgimento de uma nova face: o estado avaliador (AFONSO, 1997; SANTANA; RHOTEN, 2013). Na próxima

subseção são contextualizados os fatos que originaram o SAEB e as mudanças que o sistema foi incorporando no recorte temporal de 1990 a 2015.