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EM BUSCA DE UM NOVO PROCESSO COMUNICACIONAL INSTINTIVO

No documento francianetavaresdemoraes (páginas 49-51)

Como Peirce deixa claro no decorrer de seus estudos, sua teoria pragmaticista, que versa sobre o processo de obtenção de conhecimento, não se limita à prática científica, mas permeia – das mais primitivas às mais elaboradas – todas as descobertas da mente, da simples constatação que uma tempestade se aproxima a elaboradas fórmulas físicas. Assim, temos evidências para crer que a retrodução podem ser usados para explicar outras formas obtenção de conhecimento.

Esta versatilidade de sua teoria nos permite não apenas fazer uso de sua metodologia em nossa investigação, mas também compor nossa pesquisa em torno dos conceitos essenciais que constituem seu pragmaticismo. Assim, sua teoria da retrodução nos parece útil para descrever a forma como nos relacionamos com uma nova lógica, como os processos que guiam a primeira utilização de uma ferramenta, uma máquina, ou, ainda uma interface visual, posto que a operação de um maquinário desconhecido envolve o momento de suspensão da crença por um fato novo surpreendente (a própria existência da máquina), e sua experiência sensível gera na mente um bombardeio de sugestões que procuram explicar seu funcionamento; hipóteses estas que serão testadas com a operação de fato do maquinário e posteriormente poderão gerar regularidades, hábitos de uso daquele objeto.

A título de exemplo, propomos que pensemos em nossa primeira experiência com um smartphone – a ausência de botões físicos e a portabilidade de carregar um computador com alto poder de processamento no bolso pode ter causado espanto na maioria das pessoas. Certamente não será fácil lembrar-se da experiência real, mas como deverá ter sido nossa primeira tentativa de realizar uma ligação a partir do aparelho? Se não há botões físicos com os números para discagem, como estávamos habituados, de que forma alcançaremos o objetivo? Possivelmente nossa familiaridade com outras tecnologias (como celulares convencionais) sugeririam hipóteses relacionando, por exemplo, o ícone de telefone ao acionamento de um “modo ligação” no aparelho. Dada a hipótese, prosseguiríamos para a realização do teste, neste caso a própria tentativa de realizar a ligação. Se este teste for bem- sucedido, teremos reconhecido uma regularidade e provavelmente estabeleceremos hábitos que guiarão nossas ações em circunstâncias posteriores.

Agora imagine que este mesmo aparelho passe por uma atualização do sistema e que o ícone que então representava o “modo ligação” desapareça e, em seu lugar surja outra imagem representativa ou, ainda, que se altere a cor ou a posição do ícone na interface do

aparelho. Neste momento certamente irá surgir novamente o “incômodo da dúvida” que guiará nossa mente a procurar lançar hipóteses que justifiquem o fenômeno. É importante frisar que estes processos inferenciais no dia-a-dia ocorrem em instantes e quase sempre passam despercebidos para o sujeito.

Estes mesmos procedimentos mentais podem ser aplicados à compreensão de como o usuário é capaz de interagir com novos maquinários ou então com uma nova interface operacional, de modo que iremos utilizar o conceito para compreender a operação de edição da Wikipedia.

Para caracterizar um processo comunicacional instintivo, iremos partir das características observadas no tópico anterior, de forma que possamos mensurar a presença ou não do caráter instintivo na observação das experiências de uso de novas plataformas:

1. O instinto está ligado ao contexto sígnico: se sua capacidade geradora e assertiva está ligada ao contexto sígnico do indivíduo, o instinto pode ser treinado através da experiência e por isso devemos questionar aos usuários quanto a sua familiaridade com tecnologia e, em específico, seus hábitos estabelecidos em relação à plataforma analisada. Usuários que conhecem a lógica operativa da plataforma específica têm insights mais precisos sobre suas características. Usuários que conhecem contextos operativos semelhantes (outras plataformas ou linguagens relacionadas) sabem intuir sobre essas funcionalidades.

2. O instinto deve ser pensado dentro da teoria sinequista: se está relacionado à teoria sinequista, faz parte do contínuo do universo e só é aplicável quando pertence às lógicas dessa natureza.

3. O instinto não pode ser invocado deliberadamente: se não temos acesso a ele, seu funcionamento não pode ser reduzido a fórmulas ou regras procedimentais, sem que haja a dúvida (ou suspensão da crença) genuína. O instinto só é aplicável quando houver dúvidas genuínas, ou seja, quando o usuário tem uma real dúvida do funcionamento de alguma ferramenta e procura estabelecer um novo hábito.

4. O instinto evolui e passa por mudanças: pertencente à continuidade do universo, seguindo da noção sinequista de que tudo está num processo de evolução em direção à razoabilidade, temos que o instinto também deve estar em constante modificação para atender às demandas do universo mutante, principalmente quando tratamos do ambiente digital que se estabelece sob a máxima do beta eterno.

5. O instinto está relacionado à espécie: é racial, é da espécie: relaciona as ideias de instinto herdado da experiência e “transmitido” pela comunidade com a noção de que a

natureza capacita todo indivíduo com um senso comum compartilhado entre a espécie.

6. O instinto é mais preciso nas questões práticas: com a logica utens temos que o instinto é mais aplicável a questões práticas ou em situações que as conclusões podem ser facilmente aferidas pela experiência a fim de se comprovar ou refutar. Nas questões que envolvem a razão, o instinto tem sua precisão reduzida.

7. O instinto não é infalível: por fim, o instinto pode estar errado: compartilha do Falibilismo peirceano que deriva da noção de que se o universo está em constante transformação, não há verdades últimas, portanto assim como as teorias abduzidas, deduzidas e inferidas podem passar por um processo de reformulação, também pode falhar o processo instintivo. Desta forma, deve-se sempre partir do pressuposto que o instinto pode também falhar, embora ele tenha uma capacidade assertiva muito maior que a razão.

No documento francianetavaresdemoraes (páginas 49-51)