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Em busca de um olhar comum: A experiência do sagrado

No documento brunamilheirosilva (páginas 118-129)

Parte II: Perspectivas ético-religiosas em Mohandas Karanchand Gandhi e Martin Luther

Capítulo 3: Espiritualidade e racionalidade: Uma compreensão de humanidade para além

3.3 Em busca de um olhar comum: A experiência do sagrado

Ao adentrar na história de vida dos personagens sugeridos, torna-se inevitável confrontar a relação de ambos com o Sagrado, uma vez que suas trajetórias foram guiadas pela experiência mística, imbricada ao universo soteriológico no qual ambos estavam vinculados cada qual a sua maneira. Por um lado, caberia discernir como cada um deles realizava essa experiência a partir de sua própria origem religiosa e como grande parte desses ideais foi partilhado com êxito nos contextos e realidades díspares que se apresentaram a ambos.

No sentido em que está sendo empregada na presente tese, a palavra experiência designa algo pessoal, intransferível, incontrolável, caracterizado como um momento único na vida do indivíduo. Segundo Volney Berkenbrock, “experiência é o que ocorre no âmbito mais íntimo do sentimento e por isso mesmo só pode ser sentida. O falar sobre, relatar, o racionalizar ou interpretar, de forma alguma irá repetir este momento ou transferi-lo para quem ouve o relato.”169 O acesso a ela é sempre mediado pela interpretação de quem vive e de quem a escuta. Aquele que a experimenta abre para si uma nova dimensão do conhecimento.

A interpretação dessa experiência religiosa ou mística, como a ela se queira referir, é única e singular, e deriva do conhecimento religioso do indivíduo, que a viverá a partir do arcabouço mental que possui. Para Berkenbrock, ela não é uma exceção histórica, podendo acontecer em qualquer sujeito e em qualquer tempo. Não há como medir a veracidade desta experiência, uma vez que ela não pode ser balizada a partir de nenhum critério pré-existente e não pode ser medida em contraposição a outras. Importante também frisar que ela não pressupõe a existência de uma religião institucionalizada e nem gera necessariamente uma consequência teológica, portanto não

169 BERKENBROCK, Volney J. A morfologia da experiência religiosa: Anotações sobre a estrutura da

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vincula necessariamente o sujeito aos ritos religiosos de uma determinada religião pré- estabelecida.

Para esse mesmo autor, a morfologia da experiência religiosa está dividida em três diferentes momentos: O primeiro seria a dimensão de algo que é sentido, dando a tonalidade da experiência que é caracterizada como religiosa e que só pode ser assim reconhecida a partir de si mesma. Desta maneira, a capacidade do sentimento religioso é apriorístico. A segunda dimensão seria a do outro correspondente. Para Berkenbrock, ela inclui a experiência da correspondência, de um outro que é experimentado, e essa outridade é percebida como de nível religioso. A terceira e última seria a interação entre o sujeito da experiência e aquilo que é experimentado, supondo uma correspondência ou envolvimento de sentimento. Existe nessa relação necessariamente um eu que sente religiosamente.

Como experiência mística, ela poderá assumir outros vieses. A palavra mística origina-se de myein, que significa ‘fechar os olhos e os lábios’. Henrique de Lima Vaz considera que “a experiência mística deve ser reconhecida, portanto, como um fato antropológico singular, cuja singularidade só pode ser reconhecida e interpretada nos quadros de uma adequada filosofia do ser humano.”170 Sendo assim, há uma relação direta entre a experiência do homem –o místico, enquanto sujeito- e o objeto dessa experiência, transcendente à realidade.

Para Vaz, a mística deve ser analisada tendo como ponto de partida a experiência do próprio sujeito, que remeteria ao místico enquanto canal de comunicação. Não é possível falar em experiência sem um envolvimento do sujeito:

A teoria da mística, implícita no testemunho dos místicos ou explicitada pela reflexão filosófico-teológica, apoia-se, portanto, num substrato antropológico, que é a natureza do espírito enquanto este é capaz de elevar-se por suas próprias forças – mística natural – ou pela

170 VAZ, Henrique de Lima. Experiência mística e filosofia na tradição ocidental. São Paulo, Edições

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graça divina – mística sobrenatural – à experiência fruitiva do Absoluto em si mesmo ou em alguma de suas manifestações.171

Essa forma superior de experiência, que segundo esse mesmo autor apresenta-se como de natureza religiosa, ou religioso-filosófica, é capaz de mobilizar as mais poderosas energias psíquicas do indivíduo. Executando uma aproximação conceitual, pode-se inferir que, a experiência mística se dá nesse encontro com o absoluto, desenhando-se em situações-limite da existência, momento onde ocorre a experiência do Sagrado.

A existência deste elemento transcendental está condicionada à própria vivência dos seres humanos, uma vez que esse Sagrado é compreendido a partir de categorias tipicamente humanas que lhe são atribuídas. Essas diferentes formas de interpretação são os matizes específicos de cada cultura, mas que nem por isso desqualificam essa forma de experiência.

A imensa cadeia de testemunhos que corre ao longo das mais variadas tradições religiosas não deixa dúvidas quanto à realidade e à autenticidade dessa experiência, que se impõe, por isso mesmo, como um dado antropológico fundamental, tendo resistido vitoriosamente a todas as tentativas de reducionismo...172

Para Maria Clara Bingemer, a existência “do duplo movimento – para –si, para-o- outro – a experiência mística tem propriamente seu lugar antropológico.” Ou seja, ela está intimamente vinculada ao sujeito que a experimenta de forma única e intransferível. “Pode ser considerada como uma tensão fecunda entre ser e manifestação: entre o ser humano na sua finitude e nas condições de sua situação, e o dinamismo profundo ordenado ao Absoluto que move a sua automanifestação.”173

Essa experiência humana com o transcendente é fundamental para que se compreenda as trajetórias de Mahatma Gandhi e Luther King, que tiveram nessa relação com o Sagrado, um ponto de inflexão fundamental em suas respectivas lutas pela liberdade e igualdade. Ambos relatam continuamente, assim como seus biógrafos que, quanto mais conscientes tornavam-se da presença do divino em suas vidas, mais tornavam-se capazes de experimentar uma verdadeira e irrestrita entrega aos desígnios

171 VAZ, Henrique de Lima. Experiência mística e filosofia na tradição ocidental. São Paulo, Edições

Loyola, 2000. p. 25

172 Ibidem, p. 16 e 17

173 BINGEMER, Maria Clara. O mistério e o mundo: Paixão por Deus em tempos de descrença. Rio de

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desse sobrenatural. Essa presença acaba por dominar a ambos, que decidem entregar suas vidas a essa certeza da presença do divino.

A convicção, muito mais do que apenas uma crença na presença desse ente, pode ser observada em vários momentos da vida de Luther King por exemplo. Ele relata que, uma das vezes em que esteve na cadeia por liderar boicotes e passeatas, viveu a experiência da presença de Deus: “Tínhamos uma companhia cósmica, pois cantávamos Venha a mim, Senhor, venha a mim174. Além deste, muito outros relatos podem ser apresentados como sinais dessa presença divina que se apoderava de sua consciência. Ele se colocava como um mero instrumento da vontade de Deus, que estava muito além de sua capacidade humana de compreensão.

Não iniciei esse boicote. Vocês é que me pediram que fosse seu porta- voz. Quero que saibam por toda a extensão desta terra que, se me fizerem parar, este movimento não será interrompido. Porque o que estamos fazendo é o certo. O que estamos fazendo é o justo. E Deus está conosco.175

A realidade do divino em sua vida sempre se apresentou como uma certeza irrestrita. Essa consciência de que Deus estava sempre aliado às suas escolhas e ações se tornou particularmente significativa após ter vivido uma experiência que ele considerou determinante. Ela se deu, segundo relato do próprio King, numa determinada noite no início dos boicotes em Montgomery, quando recebeu uma ameaça contra sua vida:

Levantei-me e comecei a caminhar pela casa. Tinha ouvido coisas assim antes, mas por algum motivo naquela noite aquilo me pegou. Voltei para a cama e tentei dormir, mas não consegui. Estava frustrado, aturdido, e então me levantei. Finalmente fui para a cozinha e esquentei uma xícara de café. Estava prestes a desistir. Com a xícara de café intocada à minha frente, tentei imaginar uma forma de sair do quadro sem parecer um covarde. Fiquei ali sentado e pensei na minha filhinha linda que tinha acabado de nascer. Noite após noite, eu chegava e ia ver aquele sorrisinho dormindo. Comecei a pensar numa esposa leal e dedicada que estava ali do lado dormindo. E eu podia ficar sem ela e ela sem mim. E cheguei a um ponto que não podia mais aguentar mais. Eu era fraco. Algo me disse: Agora você não pode recorrer ao papai e nem à mamãe. Você precisa recorrer àquela característica daquela pessoa que seu pai costumava mencionar, aquele poder capaz de encontrar um caminho onde não existe nenhum. Com as mãos na cabeça, me inclinei sobre a mesa da cozinha e rezei em voz alta. As palavras que dirigi a Deus no meio daquela noite ainda estão nítidas em minha memória:

174 CARSON, Clayborne (org.). A Autobiografia de Martin Luther King. 1ª edição, editora Zahar, Rio de

Janeiro, 2014. p.216.

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-Senhor, estou aqui tentando fazer o que é certo. Acho que estou certo. Estou aqui defendendo aquilo que acredito que seja certo. Mas devo confessar, Senhor, que agora me sinto fraco, vacilante. Estou perdendo a coragem. Agora tenho medo. E não posso deixar que as pessoas me vejam assim porque, se me virem fraco e perdendo a coragem, também começarão a fraquejar. As pessoas olham para mim em busca de liderança, e se eu me colocar diante delas sem força nem coragem, também vacilarão. Minha força está no fim. Não me restou nada. Cheguei a um ponto em que não posso aguentar sozinho.

Foi como se eu ouvisse a silenciosa garantia de uma voz interior dizendo:

-Martin Luther, defenda o que é certo. Defenda a justiça. Defenda a verdade. E saiba, eu estarei com você. Por toda a eternidade.

Digo-lhes que vi a luz de um relâmpago. Ouvi o som do trovão. Senti as ondas do pecado tentando conquistar minha alma. Mas ouvi a voz de Jesus dizendo para eu me acalmar e continuar a luta. Ele prometeu jamais me abandonar. Naquele momento, vivenciei a presença do divino como nunca antes. Quase imediatamente meus temores começaram a se afastar. Minha incerteza se foi. Eu estava pronto para enfrentar qualquer coisa.176

Esse teria sido então o momento crucial da certeza da presença de Deus em sua vida, sendo um momento fundamental em sua trajetória, segundo seu próprio relato. Além desta experiência inicial, em diversos momentos de sua luta pelos direitos civis, a fé foi um elemento determinante em suas escolhas. Essa crença inabalável na influência de Deus em sua vida foi recorrente em outros momentos, conforme relato dele mesmo durante o movimento de dessegregação em Birmingham, um dos maiores redutos de desigualdade social dos Estados do Sul:

Lembro que em Birmingham, Alabama, quando travávamos nossa majestosa luta, saíamos dia após dia da Igreja Batista as Rua 16. Caminhávamos às centenas e Bull Connor mandava soltarem os cachorros, e eles vinham. Mas nós enfrentávamos os cães cantando. “Não vou deixar ninguém me desafiar”, dizia então Bull Connor. “Abram as mangueiras”. Mas, como disse a vocês na outra noite, Bull Connor não conhecia a história [...] E continuamos enfrentando os cães, e os encarando; e continuamos enfrentando as mangueiras, e as encarando. E continuamos cantando: “Sobre minha cabeça, vejo a liberdade no ar.” E então éramos jogados nos camburões e por vezes amontoados como sardinha em lata. E eles nos jogavam lá dentro e o velho Bull dizia: “Levem eles embora”. E eles o faziam e nós seguíamos no camburão cantando: “Nós vamos vencer”. E várias vezes éramos presos e víamos os carcereiros nos olhando pelas janelas, sensibilizados por nossas preces, por nossas palavras e por nossas canções. E havia ali um poder ao qual Bull Connor não conseguia

176 CARSON, Clayborne. A Autobiografia de Martin Luther King (1929-1968). Tradução Carlos Alberto

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adaptar-se, e assim acabamos transformando-o num alvo e ganhamos a luta em Birmingham.177

Nesse relato, Martin Luther demonstra sua crença de que havia em sua determinação e na dos demais companheiros de luta um poder que não emanava deles próprios, mas de algo que estava muito além deles mesmos. E essa força era capaz de mudar os rumos da história, tendo ele e outras pessoas como peças fundamentais e porta-vozes dela. De maneira similar, Gandhi recorreu às suas concepções do Sagrado e essa experiência com o transcendente também representa um elemento fundamental para que se possa compreender sua busca espiritual e sua ação de libertação na África do Sul e na Índia. Ele relata em sua autobiografia, durante sua permanência em Londres que:

Acho que é errado esperar certezas neste mundo, no qual tudo é incerto, com exceção de Deus e da Verdade. Tudo o que se apresenta e acontece é incerto e transitório. Entretanto, existe um Ser Supremo imanente no mundo como Certeza, e abençoado é aquele que vislumbra essa Certeza e aspira a ela. A busca dessa Verdade é o summum bonum da vida.178

Ainda que seus pressupostos de fé fossem de uma origem diferente de Luther King, já que pertencia a uma herança cultural bastante diversa, a crença no papel determinante de uma força superior também esteve sempre presente. Nela, os aspectos sagrados se relacionavam a outros símbolos e outros elementos:

Os santos e profetas nos deixaram suas experiências, mas não nos deram uma receita infalível e universal. Pois a perfeição ou isenção de erros vem somente da graça, e assim os buscadores de Deus nos deixaram mantras, tais como o Ramanama, santificados por suas próprias austeridades e carregados com sua pureza. Sem uma entrega irrestrita à Sua graça, o domínio completo do pensamento é impossível. Esse é o ensinamento de todos os grandes livros de religião, e venho percebendo sua verdade a cada momento em que tento alcançar a perfeição do brahmacharya179.

Os mantras, cânticos sagrados, eram para ele uma maneira de evocar o divino. Para King, cantar também possuía essa função, entretanto cada qual o realizava a partir de seu próprio arcabouço religioso e simbólico. Luther King cantava em nome do Deus cristão e recorria a ele nos momentos mais árduos, enquanto Gandhi buscava seu elo divino a partir dos mantras e práticas ascéticas como é o caso do brahmacharya. Sendo

177 CARSON, Clayborne. A Autobiografia de Martin Luther King (1929-1968). Tradução Carlos Alberto

Medeiros, 1ª edição, Rio de Janeiro, editora Zahar, 2014. p. 100 e 101

178GANDHI, Mohandas K. Autobiografia: Minha vida e minhas experiências com a verdade. São Paulo,

Palas Athena, 1999. p.224

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assim, conclui-se que a vivência ético-religiosa de ambos também passava por essas práticas e crenças específicas oriundas das matrizes religiosas de cada um.

Outro momento interessante de seu relato e que segue essa mesma linha de argumentação é quando Mohandas Gandhi se refere ao que ele considera como a libertação total do mundo terreno e afastamento das necessidades materiais como a forma por excelência de alcançar uma perfeita sintonia com o divino:

O verdadeiro sentido da humildade é o autodesapego. O autodesapego é moksa (liberação). Sendo assim, ele próprio não pode ser uma observância. Deve haver observâncias para atingi-lo. Se as ações de um neófito em busca do moksa não forem humildes e desprendidas, não haverá verdadeira aspiração por ele. Servir sem humildade é apego e egoísmo180.

Apresentados todos esses aspectos, conclui-se que Gandhi e King foram capazes de transformar e provar que independentemente da religião que se pratica, é possível construir saberes comuns que levam a prática do bem e à comunhão com o ente divino. Muitas diferenciações podem ser observadas nas trajetórias dos dois personagens estudados, apesar de existirem também elementos de convergência. Se, por um lado, suas respectivas experiências com o sagrado se diferenciam em muitos aspectos – teóricos e práticos – pode-se dizer que se assemelhavam nos objetivos finais: Garantir a presença do Sagrado capaz de intervir e mover suas escolhas pessoais, apesar das limitações humanas que os afrontavam a cada momento. Mesmo essa tentativa de entrega plena aos desígnios do divino não os eximia dos receios e dúvidas que assolam a vida do ser humano diante de toda a experiência mística, materializando a tensão que existe na fronteira com o desconhecido.

E para além disso, também provaram ser possível viver uma ética comum, buscando nessa experiência transcendental seu ponto de fé e espiritualidade, visando com isso não só a mudança do seu próprio eu interior, mas também uma transformação da sociedade ao seu redor. Essa presença do divino transcendia a própria humanidade de ambos e vinculava-os às demandas reais do mundo que os cercava, uma vez que para eles viver em nome do Sagrado significava disponibilizar-se para os outros e para realizar o que fosse necessário em nome dessa força superior que dominava suas vidas.

Para alguns autores que buscam interpretar o papel da mística na experiência transcendental do indivíduo, é esse o principal ponto de diálogo entre as diversas

180 GANDHI, Mohandas Karanchandi. Autobiografia: Minha vida e minhas experiências com a verdade.

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denominações religiosas, uma vez que em todas elas, essa relação homem-Sagrado se apresenta em alguma medida. Essa forma de experiência seria então o núcleo duro a partir do qual todas as religiões emanam, transcendendo a própria institucionalização de práticas e dogmas que configuram as religiões no seu caráter mais humano. Essa busca da unidade com a realidade última infere a todas as religiões um cerne intelectivo que transpassa os conhecimentos segmentados de cada uma delas. Sendo assim, se manifesta o que há de mais puro nessa experiência do divino, não podendo ser ela caracterizada de forma plena através de conceitos humanos, já que pressupõe o esvaziamento do próprio eu interior e a entrega irrestrita ao transcendente. “Ficou evidenciado que somente o próprio incondicional pode comprometer de forma incondicional, somente o absoluto pode amarrar de forma absoluta.”181

Além disso, é possível inferir alguns elementos a partir do que foi apresentado no presente capítulo. Inicialmente se propôs uma análise da hipótese sobre a existência de uma vivência ético-religiosa com aspectos símiles por parte dos personagens. Essa ideia foi apresentada de maneira comparativa no primeiro tópico e foi possível destacar várias semelhanças entre os personagens, principalmente no que se refere a maneira como encaravam a religião e mais especificamente com aquilo que consideravam o Sagrado. Gandhi formulou sua busca espiritual e sua luta a partir de três ideias centrais: O ahimsa, satyagraha e bramacharya. Parte de sua ideologia e prática foi assimilada por King- marcadamente os dois primeiros conceitos- e ambos, cada qual a seu modo, organizaram e colocaram em prática um mesmo quadro de ações, ainda que em realidades sociais completamente diferentes.

Essa afirmação vai ao encontro da proposta do projeto para uma ética mundial, analisado na leitura da presente tese da existência de um ethos, vinculada à crença em uma espiritualidade primeira, que não partiria de nenhum corpo religioso doutrinal específico. Segundo o próprio Hans Küng, “somente a ligação a algo infinito proporciona liberdade em relação a tudo que é finito.”182 Ou seja, o vínculo com a divindade desprende o ser humano da realidade material e imediata, alçando-o a outra dimensão de conhecimento e sentimento. Essa ligação seria originária da experiência mais íntima do ser humano com o Sagrado, que perpassa todas as religiões.

181 KÜNG, Hans. Projeto de ética mundial: Uma moral ecumênica em vista da sobrevivência humana.

Edições paulinas, São Paulo, 1992. p. 123

182 KÜNG, Hans. Projeto de ética mundial: Uma moral ecumênica em vista da sobrevivência humana.

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Por outro lado, a relação com o transcendente é inevitavelmente interpretada a partir das categorias próprias do sujeito e de características que lhe foram ensinadas e partilhadas ao longo de sua vida religiosa. O ser humano só é capaz de enxergar a presença do divino quando atribui a ele elementos que já são conhecidos em sua própria cultura. Dessa forma, defende-se a ideia de que a experiência religiosa é um elo que pode unir as religiões. Essa união vem da promoção da crença de que há algo que supera a realidade presente e que realmente liga os homens ao que existe além do mundo terreno. Essa certeza da manifestação divina que leva à existência de várias religiões não impossibilita um diálogo entre elas, ainda que cada um viva a partir de seus

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