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EM BUSCA DE UMA IDENTIDADE: O CIENTISTA NA POLÍTICA

2 O PRIMEIRO MANDATO PARLAMENTAR DE JOSUÉ DE CASTRO:

2.1 EM BUSCA DE UMA IDENTIDADE: O CIENTISTA NA POLÍTICA

Política e Ciência, para Josué de Castro, eram caminhos distintos que deveriam rumar para o mesmo objetivo: a felicidade humana. Esta era a maior de suas crenças e explica a transição feita em sua carreira de cientista renomado a deputado federal. Esta conexão ciência/política em prol do desenvolvimento humano pode ser bem observada nos três primeiros discursos-homenagens realizados por Castro na Câmara dos Deputados nos dias 20 de março; 12 e 25 de abril de 195525. É interessante ressaltar, antes de tudo, que além da admiração pessoal de Josué de Castro pelos homenageados, o mesmo discursava também em nome do

25 Estes três discursos foram publicados em setembro de 1955, pela UNE, numa obra intitulada: Três

PTB, ―partido sempre empenhado na melhoria das condições de vida do povo‖ (CASTRO, 21 mar. 1955, p. 1350)

Assim, em seu primeiro discurso, intitulado Homenagem póstuma ao cientista

inglês Alexander Fleming, Josué de Castro apresentou sua admiração pelo médico

que, por meio da descoberta dos antibióticos, instituiu uma nova terapêutica e novos rumos à Medicina pública e à Higiene. Entretanto, o maior destaque dado pelo deputado pernambucano foi o fato de que as maiores pesquisas de Fleming tiveram uma repercussão prática na vida da sociedade, conforme destacou, as pesquisas médicas de Fleming não se restringiam a ―ciência do saber pelo saber, mas a ciência do saber para servir e que essas aquisições fossem levadas ao campo social e aplicadas em benefício da Humanidade‖. (CASTRO, 21 mar. 1955, p. 1350)

Josué de Castro revelou que este é o segredo da glória de Fleming, cujo altruísmo de colocar o interesse coletivo, da humanidade, acima dos projetos pessoais era considerado uma característica rara em uma época de grave crise social que reinava a ―deturpação de valores‖, a ―desvalorização moral‖, fazendo-se perder os sentidos, valores e estilos que caracterizavam a civilização Ocidental.

Por fim, o trecho mais significativo desta homenagem é quando o eloqüente deputado expõe de que modo as descobertas de Fleming revolucionam a estrutura social do mundo, utilizando termos que revelam uma herança sanitarista, cuja matriz ideológica se encontra no paradigma saúde/produtividade da Organização Mundial de Saúde26.

Sobre isto, Berlinguer (1983, p. 91) afirma que ―É esta teoria do ‗círculo vicioso‘ entre saúde, trabalho, produção alimentar, instrução e saúde, que constitui a ideologia OMS‖. Consoante a esta ideologia, Castro afirmou que as pesquisas de Fleming tornaram as nações subdesenvolvidas, países coloniais situados em áreas tropicais, lugares mais favoráveis à vida humana possibilitando que estes sejam ―higienizados‖, ―salubrizados‖. A melhoria na saúde da população gera um aumento na produtividade dos trabalhadores, acarretando um enriquecimento da nação.

26 Segundo o trecho de Berlinguer (1983, p. 91), as interpretações da situação sanitária e social do

Terceiro Mundo que prevalecem na Organização Mundial de Saúde são as expostas em 1958 por L. Scheel, presidente da IV Assembléia Mundial da Saúde: ―Há muitas provas para confirmar que o subdesenvolvimento econômico é, em grande medida, conseqüência do predomínio, em muitas partes do mundo, de doenças que podem ser prevenidas. Esta é a razão porque o caminho direto para a melhoria da vida dos homens é o da atividade do campo da proteção da saúde pública‖.

Alterar ―o nível sanitário para garantir uma espiral ascendente‖ (BERLINGUER, 1983, p. 91) é a essência da proposta médico-política de Josué de Castro. Este raciocínio se encontra em consonância com exposto por F. Herrera (presidente do Banco Interamericano de Reconstrução) que na mesma época afirmava: ―A saúde de um povo e de sua economia dependem uma da outra. Quando as doenças são freqüentes, a produtividade diminui, e por isso, os salários, as condições de habitação e o nível de instrução são atingidos‖. (apud BERLINGUER, 1983, p. 91)

Semelhante a formulação de Herrera foi apresentada por Josué de Castro no seu discurso parlamentar:

Saúde é a base da produtividade, estes países sairão em breve do seu marasmo como que despertados para a comunidade econômica do mundo. É que a saúde faz despertar o homem para o trabalho e, trabalhando, os homens produzem; produzindo enriquecem; e enriquecendo, criam e obtêm não só sua independência econômica, mas também sua independência política. E com a liberdade desses povos deixa de existir o desequilíbrio econômico do mundo, causa da crise social que ora se processa. Porque a verdade é que a distância entre os países de miséria, de doença e de fome, países subdesenvolvidos, e os países ricos, industrializados, bem desenvolvidos, é maior do que a distância que separa ideológicamente os Estados Unidos e a União Soviética. (CASTRO, 21 mar. 1955)

Este apelo para a redução das desigualdades no mundo a partir da melhoria das condições de saúde da população dos países subdesenvolvidos reflete o fato de que: ―Os médicos mais conscientes do Terceiro Mundo sentem esta crescente disparidade entre as possibilidades de ciência e o bem-estar real‖ (BERLINGUER, 1983, p. 91)

A partir da análise deste pronunciamento, podem-se detectar quatro características importantes nesta fase a constituição do parlamentar Josué de Castro: 1º) junção eclética de matrizes higienistas e desenvolvimentistas; 2º) crença liberal ingênua de que ―produzindo mais todos os homens enriquecem‖; 3º) Passagem mecânica entre independência econômica e política, numa apropriação mecanicista do marxismo; 4º) Distinção entre o debate ideológico e a realidade material da população, sendo esta segunda bem mais importante para ele.

É importante lembrar que a relação entre saúde e enriquecimento não é nada nova na História do pensamento social brasileiro, pois desde a década de 1910 que

o movimento higienista alertava para isto. O que mudou foi a explicação para o atraso: ela migrou do indivíduo e das raças para o Estado e suas políticas. Um bom exemplo da anterioridade deste raciocínio pode ser observado no texto de Monteiro Lobato (publicado em 1914, no jornal O Estado de S. Paulo, intitulado ―Velha praga‖) sobre o Jeca Tatu, nesta estória um médico que passava pela cidade curou o Jeca de Amarelão _ causa de sua preguiça _ e, no final de sua consulta, após recomendar o uso de remédios e botas conclui: ―Faça o que mandei que ficará forte, rijo e rico como o italiano‖.27

Na sua segunda intervenção, na qual discutia o Projeto nº4.149-A/54 que analisava a abertura de crédito pelo Ministério das Relações Exteriores para atender as despesas com a contribuição do Brasil para as atividades da Universidade Internacional de Estudos Sociais, Josué de Castro se colocou contrário a tal crédito "por razões de princípios", pois diante da grave crise econômica e social por que passava o Brasil, "seria absurdo, seria mesmo um atentado contra a economia popular, se aprovasse a avultada verba".(CASTRO, 24 mar.1955, p. 1441)

Nesta oportunidade, Josué caracterizou o subdesenvolvimento brasileiro como algo além da baixa renda per capita (mera abstração), mas que se encontra "no profundo desequilíbrio econômico entre diferentes regiões e entre diferentes classes sociais". Assim conclui que os congressistas não podem se "dar ao luxo de legislar pelos padrões dos países ricos", frente às dificuldades de suprir as necessidades básicas da vida do povo brasileiro. (CASTRO, 24 mar.1955, p. 1441) Este é um claro pedido de abandono da chamada ―tradição bacharelesca‖ dos políticos nacionais, muito apegados a sistemas e doutrinas, porém distantes das

27 Esta famosa ilustração de J. U. Campos no Almanaque do Biotônico (1935) foi uma adaptação da

soluções práticas dos reais problemas da população. Mais uma vez o olhar médico da urgência, das medidas profiláticas e da ação baseada no diagnóstico-prescrição lastreiam a compreensão de como deveria ser a política para Castro.

Daí em diante, neste mesmo pronunciamento, através do Deputado Tenório Cavalcanti (UDN-RJ), o assunto rumou para uma crítica ao hábito dos congressistas brasileiros de "imitar países estrangeiros" e "aplicar seus métodos entre nós", observação esta corroborada por Castro, o qual afirmou ser um contra-senso:

legislar-se estratosfericamente, por mais doutrinariamente que seja baseado um projeto, se não tem as suas raízes firmadas no solo da realidade social brasileira: se não consulta os interesses da coletividade, se não lhe vem prestar serviços reais, antes um desserviço ao País e aos seus habitantes...mesmo quando as intenções são as melhores do mundo. (CASTRO, 24 mar.1955, p. 1441)

Por fim, reforça Josué de Castro a sua identidade acadêmica, voltando o debate para a questão da saúde pública, numa crítica a hospitalização da saúde e indireta defesa da chamada ―medicina social ou comunitária‖. Assim afirmou que ―toda vez que se aprova por exemplo a criação de hospitais de luxo, cuja manutenção exige verbas avultadas, acima das disponibilidades de uma coletividade pobre como a nossa...‖ ocorre a reafirmação desses padrões alheios à realidade nacional. Tais medidas hospitalares, longe de atender à saúde da população, piora seus índices, pois piora ―as condições de base, de vida, de alimentação..." (CASTRO, 24 mar.1955)

Com isto Castro apresenta, na sua segunda fala na Câmara dos deputados, a sua plataforma de ação, considerando como prioridades nacionais saúde e educação. Com isso, afirmava os ideais da doutrina da OMS das décadas de 1950 e 1960, o denominado 'otimismo sanitário', que no Brasil identificou-se com a perspectiva do sanitarismo desenvolvimentista.

Dentre os pensadores da área de saúde pública brasileira vicejou uma corrente de pensamento, por volta dos anos 1950 e 1960, conhecida como ―sanitarismo desenvolvimentista‖28. Esta marcou o pensamento médico que

28

Em geral, Hochman (2009, p. 316) apresenta que ―a ideia-força do sanitarismo desenvolvimentista era a de que a saúde da população dependeria fundamentalmente do grau de desenvolvimento do país e, conseqüentemente, só teriam impacto as ações sanitárias que fossem integradas a um projeto nacional de desenvolvimento. Nessa concepção, o desenvolvimento econômico supostamente geraria a melhoria das condições de saúde da população‖.

predominou durante a III Conferência Nacional de Saúde, na qual foi declarado que: "o nível de saúde de uma população depende em primeiro lugar do grau de desenvolvimento econômico de um país" (LABRA, 1988 apud LIMA, 2002, p. 84).

Assim, após alguns apartes da oposição, a qual criticava as viagens de Juscelino Kubitschek, Josué retomou e finalizou seu discurso expondo suas intenções de evitar os personalismos e os combates a pessoas ou grupos. Além disso, propôs que os colegas deputados atuassem pautando suas ações:

exclusivamente na defesa de certos princípios que me parecem essenciais para o comportamento desta Casa... legislando e aprovando apenas medidas que atendam às necessidades mínimas do povo em detrimento de uma burocracia incompatível com a nação. (CASTRO, 24 mar.1955)

Seu discurso estava em plena sintonia com o realizado pelo governo federal, o qual buscava intervir no sentido de racionalizar a ação do setor público, ―superando os entraves clássicos da burocracia retrógrada e de dar cobertura aos investimentos que se coadunem com a programação do desenvolvimento‖. (CARDOSO, 1977, p. 166)

Outro ponto a ser destacado no pronunciamento de Castro é a forma como ele diminui as distâncias ideológicas entre os Estados Unidos e a União Soviética no auge da Guerra Fria, mas reforça a dicotomia entre ricos e pobres no mundo, lembrando sempre o abismo econômico existente entre eles. Isto é uma indicação de que Castro não se preocupava com filiações ideológicas, demonstrando ser um político pragmático que vislumbrava ser esta a verdadeira revolução, sendo a fome um problema mais sério que meras distinções de paradigmas.

Em seu terceiro pronunciamento, denominado Considerações em torno da

passagem do 10º aniversário da morte de Franklin Delano Roosevelt, Josué de

Castro foi incumbido pela presidência da Câmara de apresentar a homenagem ao estadista norte-americano. Nesta oportunidade, Castro declarou-se fascinado pela figura de Roosevelt, o qual representava ―não só um estadista norte-americano, mas um estadista mundial‖ que entendeu a importância de uma política universal. Este ―estadista do mundo‖ tentou compreender ―o homem de todas as latitudes‖, tornando-se um ―símbolo da luta democrática‖.

Adotando a diferenciação realizada por Bertrand Russel29 entre homens

providenciais (aqueles herméticos, que pensam trazerem em si a salvação) e os circunstanciais (que procuram resolver os problemas com a coletividade), Josué de Castro afirmou que Roosevelt era um exemplo de homem circunstancial, pois buscava sempre auscultar o sentimento coletivo, nunca agindo unicamente com base em suas verdades pessoais.

Nesta oportunidade, Castro apresentou sua solução para a tensão entre a ação política local e global: a valorização da cultura e da economia locais não pode impedir que os estadistas tenham uma visão planetária. Neste sentido, pode-se constatar que todo o esforço de Josué de Castro como deputado federal, voltou-se para tentar articular as demandas em dimensão regional, nacional e internacional. Assim, prossegue Castro em seu discurso, deve-se, harmonizar os interesses da humanidade com os da nação de origem, sendo este o erro cometido por um reconhecido líder mundial: Winston Churchill. Este último, denominado ―estadista regional‖, defendeu os interesses de apenas uma parte do mundo (do Império Britânico), em detrimento dos interesses da humanidade inteira.

Josué de Castro afirmou que este tipo de ―erro moral‖ dos políticos imperialistas não foi cometido por Roosevelt, cujo perfil político aliava um grande sentimento norte-americano com uma responsabilidade para com os destinos da humanidade, conforme se lê no trecho a seguir: ―sempre tentou harmonizar humanamente os interêsses de seu país aos interesses do mundo e não contrapor desumanamente êsses interesses aos interêsses da humanidade‖. (CASTRO, 12 abr. 1955)

Chamou os Estados Unidos ―Meca do capitalismo‖ e, ao criticar esta nação, permitiu que se elucidasse o seu conceito de desenvolvimento ao afirmar que este país ―confunde cultura com técnica, chamando sub-desenvolvidos os países que não

29 Filósofo inglês, com destaque na área da lógica, cuja atuação como pacifista na I Guerra Mundial

rendeu-lhe uma prisão de cinco meses, onde escreveu "Introdução à Filosofia Matemática". Concorreu a duas eleições como candidato pelo Chelsea - Trabalhista Independente - em 1922 e 1923 (Foi derrotado das duas vezes), defendendo, entre outras coisas, o reconhecimento da União Soviética. Em 1945 escreveu "História da Filosofia Ocidental" e em 1950, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. Nos anos 50 e 60, intensificou sua participação política e, em 1958, iniciou uma campanha pelo desarmamento nuclear, atuando como mediador na crise dos mísseis de Cuba (1962). Neste ínterim, organizou, junto com Albert Einstein e outros cientistas o movimento "Pugwash", contra a proliferação de armas nucleares. Em uma correspondência de 05 de Agosto de 1964, Russel afirmou: ―Se a guerra nuclear for evitada, considero mais importante o trabalho que mostra a minha oposição a ela. Se o não for, Principia Mathematica não conseguirá esclarecer ninguém‖.

têm técnica, mas que, muitas vezes, culturalmente, são muito mais bem desenvolvidos que os países ricos de técnica.‖ (CASTRO, 12 abr. 1955)

A partir deste trecho, vê-se que mesmo sendo um cientista, admirador dos avanços técnicos da humanidade, Josué de Castro valorizava a identidade cultural de cada localidade como sendo um fator de desenvolvimento tão importante quanto o econômico e o tecnológico. Esta percepção, herdada dos modernistas, ressalta o caráter nacionalista do Josué de Castro.

Enfim, no terceiro discurso-homenagem, chamado Homenagem à memória do

sábio Albert Einstein, Castro apresentou os feitos do grande físico e depois ressaltou

que ―o homem e sua personalidade se alongava nas mesmas dimensões gigantescas do sábio‖. E o homem Einstein se preocupou com o ―fatal divórcio existente no campo social, entre o progresso material da ciência e o progresso moral da humanidade‖. (CASTRO, 25 abr. 1955) Sendo esta a mais urgente missão dos cientistas de sua época: socializar os avanços de uma ciência que era de alcance de poucos. Deste modo, a ação política não se opunha a prática do cientista, mas, ao contrário, completá-la-ia, engendrando sua aplicação, seus usos sociais.

Com efeito, a busca da aplicação racional de suas descobertas faz do cientista um político por excelência, embora Castro reclame que o mundo ainda separe tais atividades, numa clara estrutura política ―pré-científica‖. Com isso, ele chama a ciência ao debate ético de suas responsabilidades30, principalmente após o

advento da Segunda Guerra, com sua bomba atômica:

E é esta mesma estrutura política pré-científica do mundo que faz com que as descobertas da ciência sejam olhadas e usadas pela maioria como se fossem processos mágicos desde que o mundo ignora sua essência e às vezes mesmo, os processos adequados de sua manipulação. (CASTRO, 25 abr. 1955)

Por fim, em meios aos elogios para o cientista Albert Einstein, uma pergunta é feita pelo deputado Tenório Cavalcanti (UDN) a Josué de Castro: ―V. Ex.ª entende que a ciência, a cultura, a sabedoria humana poderá modificar o modo de existência

30 Passado um pouco mais de duas décadas, em 1979 o filósofo alemão Hans Jonas escreve O princípio da responsabilidade, livro no qual defende que a ética moderna, frente ao extraordinário

poder adquirido pela ciência para modificar o ambiente planetário, deve se pautar em princípios garantidores da sobrevivência digna da espécie humana.

dos povos na vida material?‖ Tal questão está na base de seus discursos parlamentares e traz todo o cientificismo de Castro, o qual responde:

Não creio que possa modificar o comportamento íntimo dos povos, mas pode controlar seus instintos, principalmente os maus. De forma que é possível, através da ciência, obter-se uma estrutura social em que se valorizem as qualidades positivas e se neutralizem as qualidades negativas da condição humana. Deve-se, portanto, atribuir à ciência, não um progresso decisivo, não um progresso indubitável, mas um progresso possível, desde que haja progresso

moral ao lado do progresso material. (CASTRO, 25 abr. 1955)

O equilíbrio entre desenvolvimento moral e econômico é a proposta defendida por Castro, o qual ressalta que o primeiro deriva do segundo. Ao afirmar este primado do fator econômico perante os culturais e morais ele é advertido pelo mesmo interlocutor, o deputado Tenório Cavalcanti: ―Essa tese é um pouco perigosa‖. ―É a tese real‖, responde Castro.

Obviamente o deputado Tenório Cavalcanti advertia Castro quanto aos perigos de uma análise marxista, difundida na época de modo mecanicista como o primado da economia sobre as demais atividades da sociedade. Contudo, Josué não se intimidou, demonstrando que a realidade supera as querelas teóricas.

Ainda em 1955, Castro aproveita a palavra concedida em meio ao debate para a instalação de uma Comissão de Inquérito, para reclamar que só era solicitado para fazer discursos-homenagens e que este não é o papel que desejava para seu mandato, tendo ele muitas propostas para expor na Casa. Como comentou:

(...) não é fácil subir a esta tribuna, a não ser para, como a mim tem sido cometido, fazer o necrológio de grandes vultos internacionais. Não desejando, porém, matar mais alguns homens notáveis do mundo para ter possibilidade de falar nesta Casa, valho-me deste ensejo... (CASTRO, 29 abr. 1955)

Apesar disto, a série de homenagens de Castro tem continuidade no ano seguinte, quando recebeu o encargo de saudar, em nome da Câmara dos Deputados, os visitantes do Parlamento Britânico Lady e Lord Davidson, membros do Partido Conservador. Sem entender porque tinha sido escolhido para proferir a saudação, Castro mostrou sua insatisfação de sempre ser escalado para homenagens e ironizou: "É que, possivelmente o Presidente desta Casa quis que os membros do Partido Conservador (...) fossem saudados por um representante do

partido proletário, do partido das massas, do Partido Trabalhista Brasileiro". (CASTRO, 03 maio 1956)

Por não ter muito a declarar sobre o casal, Josué de Castro, após algumas vagas considerações sobre a política inglesa, encerrou diplomaticamente sua fala, exprimindo sua fé no destino da humanidade por meio de uma política internacional baseada na reciprocidade e na amizade entre os povos.

Como se pode notar, a identidade de cientista não conferiu a Josué de Castro o prestígio político esperado no início de seu mandato, fazendo com que o mesmo apresentasse uma imagem politicamente indefinida para seus pares da Câmara dos Deputados.