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SERIA JOSUÉ DE CASTRO UM COMUNISTA DISFARÇADO?

2 O PRIMEIRO MANDATO PARLAMENTAR DE JOSUÉ DE CASTRO:

2.2 SERIA JOSUÉ DE CASTRO UM COMUNISTA DISFARÇADO?

No dia 17 de maio de 1955, um dos maiores expoentes do PTB nos anos 1950, o deputado federal pelo Rio grande do Sul Fernando Ferrari, político nacionalista, preocupado com a causa agrária e defensor de um trabalhismo reformista, requereu que os deputados aprovassem um voto de homenagem da Câmara Federal ao deputado Josué de Castro, por ocasião da sua conquista do Prêmio Internacional da Paz oferecido pelo Conselho Mundial da Paz.

Estas boas-vindas já demarcavam os territórios opostos organizados naquela casa e dava o tom da importância de Castro, debutante na Câmara dos Deputados. Diante do requerimento de homenagem, interveio o deputado Luiz Compagnoni (PRP/RS), solicitando que a homenagem proposta fosse submetida à análise da Comissão de Diplomacia e da Comissão de Justiça, além de dever ser consultado também o Itamaraty, para que se conheçam as características e intenções do Conselho Mundial da Paz. Reitera Compagnoni que ele não é contrário a homenagem e reconhece os méritos indiscutíveis do Sr. Deputado Josué de Castro.

Associo-me a tôdas as homenagens que possam ser prestadas ao nobre colega Josué de Castro, em verdade merecedor de estima pela enorme soma de benefícios prestada em favor do povo brasileiro e a humanidade em geral. Tratando-se, porém, de homenagem decorrente de um Prêmio Internacional da Paz, julgo

que a Câmara tem o dever de se informar sobre as minúncias determinantes da sua outorga.

O Conselho Mundial da Paz, órgão que conferiu o prêmio, aparece na imprensa como de inspiração comunista, soviética. Revistas nos falam longamente dêsse Conselho, dessas campanhas pró-paz

lideradas por elementos comunistas. (COMPAGNONI, 18 maio 1955)

Já o deputado Aureo de Melo (PTB /AM) foi contra o encaminhamento às Comissões, visto que se tratava de uma "homenagem a um dos mais exponenciais valôres de nossa ciência e do nosso pensamento". Do mesmo modo, o deputado Campos Vergal (PSP/SP) afirmou que o desejo da Casa era de paz no mundo e que Josué de Castro vinha demonstrando "um eficiente, sereno e construtivo trabalho em favor da paz e da humanidade".

No entanto, o deputado Raimundo Padilha (UDN/RJ) citou o jornal inglês The

Economist, afirmando que o Movimento Mundial da Paz é fruto de uma resolução de

1949 do Comitê de Informações dos Partidos Comunistas e Operários31 (Kominform). Com isso, buscou comprovar sua denúncia, na qual afirmava que:

o movimento Internacional da Paz é tipicamente comunista com objetivos políticos limitados aos fatos da revolução mundial, através de um movimento que eu chamaria de desintegração, de deterioração das resistências nacionais para a preparação _ vamos dizer _ psicológica, movimento ligado a uma conquista do imperialismo soviético...ao contrário de geografia da fome, o imperialismo soviético é uma grande fome de geografia. (PADILHA, 18 maio 1955)

A questão posta pelos deputados de oposição era alertar a casa sobre o perigo comunista que havia por trás daquela homenagem, a qual terminaria por endossar uma entidade internacional de caráter bolchevique. Tal alerta realizado pelo deputado Raimundo Padilha (UDN/RJ) denota uma percepção de Josué de Castro como sendo um político ―inocente‖ e que poderia ser pego indefeso pelas artimanhas dos comunistas, conforme declara:

Trata-se de alertar o próprio homenageado para o significado da homenagem que lhe é prestada por um corpo político internacional com raízes por tôda parte e que, por sem dúvida, buscou inspiração

31 Criado em 1947 para unificar a ação comunista, ao transmitir a orientação soviética aos partidos

na atividade revolucionária do bolchevismo internacional. (PADILHA, 18 maio 1955)

Em um segundo momento, o mesmo deputado fez uma ameaça velada a Josué de Castro, afirmando acreditar que ele não sabia sobre a filiação comunista do Conselho Mundial da Paz e nem tem amizades com comunistas por razões de simpatia ideológica, conforme se observa no trecho abaixo:

Acredito mesmo _ e aqui vai o meu preceito ao homenageado _ que S.Exa. ignora essa filiação. Seria eu o último dos Deputados a vir para a Câmara afirmar S.Exa. tem filiação ao Partido Comunista, a despeito de suas notórias ligações com o escritor Jorge Amado ou outros figurões da crônica mais extrema do País, com todas as suas atitudes públicas conhecidas...Em conseqüência, a melhor homenagem que poderemos prestar a S. Exa. É votar contra este requerimento. (PADILHA, 18 maio 1955)

De forma menos velada e, de fato, provocativa, apresenta-se a intervenção do deputado Carlos Lacerda, da UDN pelo Distrito Federal. Ele se declara favorável à submissão do requerimento de homenagem a Josué de Castro às comissões de Justiça e de Diplomacia, pois acredita que o Movimento Mundial da Paz é uma iniciativa soviética no sentido de desencadear no mundo um movimento paralelo à ONU, de duplicação da autoridade governamental, para com isso conseguir "desmoralizá-la através da pretensa autoridade popular, plebiscitária, fundada em abaixo-assinados monumentais que por tôda parte do mundo desautorizassem e desmoralizassem a autoridade dos govêrnos legítimos representados na ONU". Enfim, conclui que "Não há ato gratuito para o Partido Comunista e seus auxiliares." (LACERDA, 18 MAIO 1956)

O deputado Carlos Lacerda (UDN/DF) se apresentou como um ―antigo leitor‖ das obras de Josué de Castro e declarou que não se entusiasmava tanto com

Geografia da Fome, como os demais membros da Câmara, pois: ―vejo, até hoje, sem réplica as críticas fundadas que jornais e revistas de caráter científico têm formulado a certas ligeirezas substanciais, numa obra que, de outro modo, seria de caráter científico‖(LACERDA, 18 maio 1955)

De todos os opositores ao requerimento, Carlos Lacerda foi o único que atacou a qualidade científica da obra de Josué de Castro, acusando-o também de se esquecer da União Soviética ao analisar as áreas de deficiência alimentar no mundo, referindo-se à obra Geopolítica da Fome. Por fim, resgatou a polêmica entre

Castro e o médico pernambucano Nelson Chaves sobre a toxicidade da mucunã, pois este pesquisador também analisou a planta, recomendada por Josué de Castro para a alimentação dos nordestinos e encontrou nela substâncias tóxicas, publicando seus resultados em jornais pernambucanos.32

Após estas acusações de caráter acadêmico, com a clara intenção de desqualificar o autor homenageado, Lacerda retornou à questão política do prêmio conferido a Castro, apontando, como já comentado, que a estratégia clara dos comunistas com o Conselho Mundial da Paz era enfraquecer os governos nacionais e competir com a ONU como órgão internacional. Logo, ao homenagear Josué de Castro pelo prêmio recebido por esta entidade, o Congresso brasileiro estaria referendando este órgão, devendo o Legislativo se precaver contra as manobras de propaganda russa, como comenta:

Aqui, é um simples requerimento de homenagem a autor festejado de obras de divulgação sôbre alimentação. Lá fora, é a manifestação da Câmara dos Deputados do Brasil em favor de uma iniciativa do Governo Soviético, premiando, estimulando e fomentando nos jovens, sobretudo neles, o desejo de seguir-lhe o exemplo, o desejo de seguir avante para merecer, um dia, as palmas, as láureas do Govêrno Soviético. (LACERDA, 18 maio 1955)

Ainda discursando sobre tal premiação, Carlos Lacerda desferiu o mais mortal de seus golpes: levantou uma suspeita ética sobre Josué de Castro, afirmando que este não deveria aceitar prêmio em dinheiro de um país que o Brasil não mantém relações diplomáticas. Este argumento foi endossado pelo deputado Carlos Albuquerque, do PR baiano, o qual encerrou a fala da bancada de oposição recomendando que o requerimento seja encaminhado para análise técnica. Na seqüência, o deputado Carlos Albuquerque afirmou que era preciso, antes de homenagear, saber: "em primeiro lugar, se um deputado do Brasil poderia receber prêmio de potência estrangeira e, em segundo lugar, se lhe é lícito receber prêmio

32

―A publicação A mucunã vermelha (Dioclea grandiflora Benth) na nutrição (Chaves et al, 1948) apresenta os resultados das pesquisas de determinação botânica, análise química e experimental iniciadas em 1946 pelo grupo de cientistas liderados por Chaves. [...] O texto cita a passagem de Geografia da fome em que Castro ressalta o valor nutritivo da mucunã, bem como faz citação de conclusões apresentadas em artigo publicado nos Arquivos Brasileiros de Nutrição. As pesquisas iniciais levaram o grupo a concluir pela não toxicidade da mucunã; entretanto, os resultados do estudo experimental — com a morte de ratos e pombos — apontaram a sua toxicidade. Ao final, concluem que, apesar do elevado teor protéico, a mucunã apresenta um ‗medíocre‘ valor nutritivo, sendo necessária, entretanto, a continuidade dos estudos‖. (VASCONCELOS, 2009, p. 332)

de potência estrangeira com a qual o Brasil não mantém relações diplomáticas". (ALBUQUERQUE, 18 maio 1955)

Na defesa de Castro, que de homenageado virou acusado, recorreu o proponente da honraria, deputado Fernando Ferrari, declarando que "ninguém mais trabalha pela paz do que aquêles que trabalham contra a fome, no Brasil e no mundo." Contudo, para não parecer que os trabalhistas não querem que a Câmara analise as origens da homenagem internacional, ele concorda "com a audiência da Comissão de Diplomacia, certos de que, dali a personalidade de Josué de Castro sairá, como sempre, consagrada...." (FERRARI, 18 maio 1955)

Por fim, todos concordaram e o encaminhamento é aprovado. Como se pode ver, o fato de ser minoria na Câmara não impediu a UDN de impor sua visão anticomunista e acuar os demais deputados, conseguindo, com muita habilidade, obstruir votações.

Em discurso proferido dois dias após este debate, Castro rebateu os seus críticos, inicialmente se desculpando pelas ausências em Plenário, devido aos compromissos com a Organização de Alimentação e Agricultura, órgão da ONU cuja presidência assumiu em 1952 e foi reeleito em 1953 (por unanimidade dos votos dos 76 países membros) e em seguida provocando: ―como pode uma entidade competir com a ONU e homenagear um de seus diretores?‖ (CASTRO, 18 maio 1955)

Em seguida, Josué de Castro declina da homenagem proposta pelos deputados _ num gesto que tanto pode ser compreendido como de humildade como de orgulho _ e, por fim, proclama todos os ―homens de boa vontade‖, a militarem pela paz no mundo. Nesta sua fala, Josué de Castro responde à questão subjacente no questionamento de alguns deputados: seria ele um comunista disfarçado? Sua proposta indica o alinhamento com a tese da ―Terceira Via‖, amplamente discutida em setores trabalhistas da época, conforme se lê no trecho abaixo:

É necessário que os homens de ciência, que os intelectuais, que os parlamentares, que os homens de boa vontade, que todos aqueles que, honestamente trabalham a favor da humanidade, ergam suas vozes e se reúnam para criar uma terceira força, uma força moral que se alvante e reaja contra a brutalidade da guerra que ameaça de extermínio toda a coletividade‖. (CASTRO, 20 maio 1955)

Por fim, elabora sua crença na emancipação humana por meio do avanço moral da ciência e da política. Segundo ele, por meio da tecnologia pode-se

aumentar a produtividade e libertar a vida humana das vicissitudes da natureza. Se alguma revolução Josué de Castro deseja esta é a revolução científica, uma utopia declarada no trecho: ―a libertação da fome, através da química sintética e a libertação da sede das terras áridas do mundo pela irrigação com as águas dos mares purificadas de seu sal...‖ (CASTRO, 20 maio 1955)

Deste modo, o deputado Josué de Castro de definiu diante do plenário: ―Não sou portanto um inocente útil, sou um homem consciente de sua posição.‖ Ainda, reforçou: ―...não me contaminei por nenhuma ideologia, porque não tenho outra que não seja a de minha terra _ meu nacionalismo e meu patriotismo de brasileiro, e meu universalismo humanista de homem de estudo‖. (CASTRO, 20 maio 1955)

Este trecho expõe o quanto a crença de Josué de Castro em uma revolução pela ciência (humanizada, é claro) se apresentava como clara alternativa às revoluções populares. Fato este bastante relativizado no final de seu segundo mandato.

Portanto, Castro encontrou no humanismo uma sustentação ideológica para fundamentar sua proposta política de ―não alinhamento‖, a qual vem propor um reformismo que tinha por suporte o crescimento da riqueza lastreado nos avanços morais. Sobre os avanços morais, considera ser esta também uma missão dos intelectuais, alertando: ―É preciso desarmar não só os exércitos, mas os espíritos, criar confiança maior entre os homens. Este é, aliás, trabalho dos intelectuais‖. (CASTRO, 20 maio 1955, grifo nosso)

Portanto, o universalismo humanista dos intelectuais, principalmente dos cientistas, surge como um dever profissional, responsáveis em gerar conhecimentos e técnica que promovam mais conforto e confiança para os homens. Esta missão internacional, da qual Castro se sente imbuído, é balanceada pelo sentimento nacionalista, não perfazendo uma contradição, mas sim uma divisão complementar de papéis, na qual o político se detém nos desequilíbrios nacionais e o cientista abarca as questões globais. Esta foi uma postura que apareceu nos pronunciamentos de Castro até a metade do seu primeiro mandato, em seguida ele foi progressivamente aproximando os dois papéis ao se aprofundar no debate da Frente Parlamentar Nacionalista.

Estas problemáticas mundiais e nacionais, apesar de contarem com fóruns distintos (ONU e Congresso Nacional) freqüentemente se cruzavam nos debates parlamentares, pois Castro sempre fez questão de discutir uma temática em toda

sua amplitude, atingindo suas causas mundiais e aproximando ao máximo sua prática política num ato reflexivo, quase científico.

É importante frisar que esta a ideologia humanista, apesar de ter origem na Revolução Francesa, cresceu bastante após a Segunda Guerra Mundial, quando os crimes cometidos em nome do Estado nazista, como também por seus combatentes, despertou nos intelectuais a necessidade de promover um comprometimento acadêmico com a perspectiva dos Direitos Humanos.

Dez anos antes destas declarações de Josué de Castro, em 1945, era assinada a Carta das Nações Unidas, que fundamentou a Organização das Nações Unidas (ONU). Sua estruturação deu origem, em 1948, a Declaração Universal dos

Direitos Humanos, pautada na concepção de direitos universais e indivisíveis. São

universais porque ―todo ser humano deve ser protegido contra todo e qualquer ato atentatório a sua dignidade, inclusive quando perpetrado por seu Estado de origem‖. Além disto, são considerados indivisíveis porque formam um bloco no qual ―os direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais formam um todo interdependente, onde o exercício pleno de um deles somente é possível por meio da garantia e efetividade dos demais‖. (MAGALHÃES; REIS, 2011) Isto embasa o caráter das análises universalistas de Castro, além de constituir o seu olhar econômico-social, muitas vezes confundido por seus pares com o economicismo marxista difundido na época.

Neste momento, os Direitos Humanos se constituíam mais como uma força simbólica que normativa, ou seja, atuava mais como discurso político ou visão de mundo. Até hoje a idéia de direitos humanos universais é moralmente forte, porque estende a toda humanidade suas noções de justiça, dignidade e prosperidade. Em todo caso, desde sua criação até os dias de hoje, percebe-se que:

A idéia de direitos humanos universais parece pressupor a doutrina filosófica do universalismo ético. Essa é uma doutrina familiar no Ocidente. Tem sua origem na filosofia estóica. Constitui a base filosófica da religião cristã. Teve a sua mais completa articulação teórica na filosofia de Kant. (FREEMAN, 2011)

Na concepção das Nações Unidas, as comunidades humanas se articulam nos três níveis: local, nacional e global. No que tange à força da dimensão global, Freedman (2011) indica que o conceito de ‗comunidade internacional‘ deve ser observado como um ideal Kantiano, o qual permite compatibilizar ―a soberania dos

estados, a autodeterminação dos povos e os direitos humanos dos indivíduos‖. Esta influência kantiana surge como princípio fundanteda ONU, visto que ―está baseada na idéia kantiana de que os ideais morais levam à obrigações para lutar por sua realização, por mais difícil que possa ser tal tarefa‖. (FREEMAN, 2011).

Fica claro que existe um paradoxo ou, pelo menos, uma ambigüidade no discurso da Organização das Nações Unidas sobre a questão do nacionalismo. Isto porque, mesmo trabalhando em nome da Humanidade, ela afirma o valor positivo das nações, como proclama no preâmbulo de sua Carta que deseja ser um ―ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações‖, compondo seus princípios itens como: direito à nacionalidade e a defesa de relações amistosas entre as nações.

Para harmonizar esta tensão entre nacionalismo e direitos universais, e ainda considerando que na Segunda Guerra Mundial reinou um discurso nacionalista de base nazifacista que exterminou milhares de vidas, foi que na Organização das Nações Unidas se desenvolveu uma distinção entre nacionalismo bom e ruim, segundo a qual ―o fascismo foi um nacionalismo ruim. Democracias liberais e movimentos anti-coloniais e anti-racistas praticam o bom nacionalismo‖. (FREEMAN, 2011) Esta mesma classificação pode ser percebida na estrutura dos discursos de Josué de Castro, o qual acrescenta que a ciência deve optar por trabalhar ao lado do bom nacionalismo.

Sobre o valor das democracias liberais, a Declaração Universal dos Direitos

Humanos afirma, em seu artigo XXI, que:

1. Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos; 2. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país e 3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto. (ONU, 2011)

Desse modo, confirma-se aqui a conclusão de Freeman (2011), segundo o qual: ―A ideologia legitimadora auto-anunciada da ONU é a de soberania popular ou nacionalismo democrático‖. Ficando clara sua opção ideológica e sua contradição em querer conciliar isto com sua natureza de organização supranacional.

A controvérsia desta concepção de direito universal é bastante ampla, mas tem seus principais pontos de estrangulamento, segundo Freeman (2011) no fato de fixar direitos para os seres humanos abstraídos de seus contextos sociais, de ser seu individualista (pois o direito é atribuído aos indivíduos, como é valorizado pelos liberais ocidentais) e pela sua qualidade igualitária, que não é aceita em diversos cenários culturais.

A ideologia dos direitos humanos constrói-se a partir da noção de uma humanidade como um ente que tem razões próprias de sobrevivência e que busca a existência harmoniosa entre as nações (embora suas concepções sejam claramente européias). Esta humanidade racional e abstrata de muito pouco adianta para a resolução objetiva dos conflitos locais, pois como afirma Marx em sua crítica ao humanismo de Max Stirner (na obra Ideologia Alemã), o conceito de ―homem‖ é uma idealização apresentada como uma espécie de ―revelação‖ a qual oculta ―aquilo que são relações empíricas, produzidas pelos seres humanos reais em seu intercâmbio real‖ (MARX; ENGELS, 2007, p. 228)

Assim, no preâmbulo da Declaração, reconhece-se dignidade aos ―membros da família humana‖, afirmando que ―atos bárbaros ultrajaram a consciência da Humanidade‖. Logo, esta família, que tem uma consciência universal, deve lutar, por meio do Estado de Direito, para que os homens (indivíduos) tenham ―liberdade de palavra, de crença e de viverem a salvo do temor e da necessidade...‖ Tendo por meta maior de ação ―promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações‖. (ONU, 2011)

De forma análoga, Josué de Castro articula o seu nacionalismo de brasileiro e seu universalismo de cientista33. Sua idéia fundante é que os universais só podem se manifestar em sua particularidade local, ou seja, o nobre sentimento que liga todos os povos deve se iniciar pelo resgate da natureza interior de cada cultura. Portanto, Castro, assim como os demais intelectuais modernistas, buscava conectar- se com o mundo, mas recusou-se copiá-lo, buscando constituir o seu próprio caminho.

33 De acordo com Rücker (2005, p. 79) o nacionalismo e o universalismo como fenômenos

simultâneos, como algo aparentemente contraditório, era uma característica marcante do modernismo brasileiro do início do século XX. Eles foram mesmo ―elementos complementares‖, na medida em que ―o nacionalismo era, pois, o caminho para o universalismo, visto que, a partir do sentimento de nacionalidade, os artistas renovariam, em meio a tantas modificações, o quadro da literatura brasileira‖.

Este sonho de harmonia universal é uma ilusão humanista, a qual Marx afirma que, apesar de se dizer materialista, realiza apenas uma inversão na qual o homem incorpora os predicados de Deus como poderes reais, tornando-se algo sagrado, ―transformando esse predicado num sujeito‖. (MARX; ENGELS, 2007, p. 232) Assim,