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Em uma perspectiva construtivo-interacionista

CAPÍTULO II – OPTANDO POR SAÍDAS

2. Em uma perspectiva construtivo-interacionista

Uma proposta pedagógica não se reduz à simples discussão do método, nem a um rol de atividades e novidades, nem mesmo a uma relação de conteúdos. Ela deve ser mais radical no sentido p rimeiro da palavra, ou seja, deve atingir a raiz, o cerne da questão.

Lydia Bechara

Parte-se neste texto do pressuposto de que todos os alunos, independententemente de condições socioeconômicas, raça e sexo, ao participarem efetivamente de um processo de construção de conhecimentos pela leitura, têm possibilidades de sucesso. Entretanto, pelo diagnosticado em 1998, este processo não vinha ocorrendo no início do

ano letivo, nas salas de aula das 5ªs séries A e B. Para que este sucesso ocorresse, era necessário repensar o ensino de literatura, enquanto mediação de leituras.

A partir dessa perspectiva construtivo-interacionista, faz-se necessário explicitar

de forma clara, simples e objetiva qual é a concepção de texto, leitura, leitor, sala de aula, escola, ensino de literatura e papel do professor que norteou o desenvolvimento de

toda a pesquisa e conseqüentemente da ação pedagógica, em sala de aula.

A literatura é concebida neste texto, conforme Ezra Pound (1990, p.32), como linguagem carregada de significado, e conforme Antonio Candido (1985, p.74), como constituída por diálogos vivos entre obras. Estas obras, agindo umas sobre as outras e

sobre os leitores, vivem na medida em que estes as vivem, decifrando-as, aceitando-as, deformando-as. Assim, a obra não é um produto fixo, unívoco ante qualquer público,

nem este é passivo, homogêneo, registrando uniformemente o seu efeito. São estes dois termos que atuam um sobre o outro e aos quais se junta o autor, termo inicial desse

processo de circulação literária, que configuram a realidade da literatura atuando no tempo. As concepções de Ezra Pound e de Candido direcionaram o trabalho pedagógico

desenvolvido no ensino de literatura em sala de aula. Este teve por objetivo ampliar o conhecimento do aluno sobre o texto e a produção literária, num processo constante de

construção e desconstrução do sentido; de desenvolver a observação, o raciocínio, a análise, a crítica, por meio da exposição a diferentes formas de expressão artística; de estabelecer relações entre diferentes textos de autores diversos, entre textos do mesmo autor em diferentes momentos históricos, entre gêneros de diversas épocas, entre a

linguagem utilizada pelo autor e outras linguagens. Enfim, buscou-se incentivar uma leitura plurissignificativa do texto, para que por meio deste houvesse uma reapropriação, em sala de aula, de seu papel produtivo.

Optou-se pelo caminho da dialogia, a partir da hipótese de que uma estratégia para incentivar a leitura plurissignificativa é o diálogo entre textos diversos de um mesmo

autor ou de diferentes autores, que se instaura no interior de cada texto e o define. Entende-se por dialogismo, em consonância com Diana Luz Pessoa de Barros (1999, p.2), a característica essencial da linguagem e princípio constitutivo, muitas vezes mascarado, de todo discurso. Ele é a condição do sentido do discurso. E, durante o

desenvolvimento da pesquisa que embasa esta dissertação, pôde-se observar que ignorar a natureza dos discursos é o mesmo que, segundo Bakhtin (1995, p.96), apagar a ligação que existe entre a linguagem e a vida.

Nesta dissertação, examina-se o dialogismo discursivo, desdobrado em dois

aspectos: externo, no âmbito da interação verbal entre as vozes que falam e polemizam em sala de aula (alunos entre si, alunos e professora), e interno, no âmbito do texto, das

reproduzindo o diálogo com outros textos. Aparentemente distintos, os dois aspectos complementam-se, pois a interação verbal no espaço do texto exige do leitor empírico

(o aluno) identificação com “outra voz” diversa da sua. Nesta identificação, há a valorização do papel do “outro”, pois sem ele não há sentido. Pretendia-se que, ao

compreender esse processo no texto, o aluno conseguisse transferi-lo para o contexto, para a interação em sala de aula. É este sujeito em interação no espaço da sala de aula que se busca compreender no que diz respeito à recepção de obras, nesta dissertação, pois os estudos de Bahktin compreendem, segundo Diana Pessoa de Barros (1999, p.3),

tanto a interação verbal entre sujeitos propriamente dito, quanto as relações de persuasão e de interpretação que se estabelecem no texto. A ênfase na interação professor/aluno justifica-se, segundo Maria Thereza F. Rocco (1992, p.88), pela dificuldade que a sua ausência representa, visto ser condição básica para a existência da interação aluno/texto.

Em busca da interação aluno/texto, foram trabalhados, em sala de aula, todos os tipos de texto presentes em nosso meio, tanto os literários quanto os não-literários, ou seja, partiu-se da vivência do aluno, de textos com os quais tinha grande contato para chegar ao texto literário, objetivo deste trabalho. O texto literário interessa nesta

dissertação, em consonância com Diana Luz Pessoa de Barros (1999, p.1), tanto como objeto de significação organizado e estruturado, quanto com objeto de comunicação, ou seja, objeto de uma cultura, cujo sentido depende do contexto sociohistórico.

Entendendo texto como objeto de criação, interessava, na sala de aula, que os

alunos o percebessem como reflexão sobre a experiência e experiência de reflexão. Acreditava-se que a rejeição por determinadas obras ou determinados autores por parte

explicitado, o diálogo existente entre textos de diferentes autores em diferentes épocas. Verificar se esse diálogo poderia ser uma alternativa para o ensino de literatura, bem

como para tornar o seu ensino mais atraente e mais significativo, desde que o aluno tomasse consciência da existência desse diálogo e soubesse tirar proveito dele, era um

dos objetivos da pesquisa.

O trabalho com textos, em sala de aula, objetivou a atribuição de sentidos numa perspectiva dinâmica e dialética, capaz de interpretar o ponto de vista que o autor manifesta, mas, também, fazer variar esse ponto de vista, construir outros textos e

produzir conhecimento. A exposição a diversos tipos de texto foi, portanto, necessária para que o aluno aprendesse a ler, desenvolvesse uma atividade léxica, praticasse, enfim, atos de leitura.

Quanto à aprendizagem do leitor, acreditava-se, em consonância com Piaget, que ela só poderia ocorrer em sala de aula quando houvesse respostas a um desequilíbrio.

Esse processo levaria o leitor a entender o texto como um elemento que inquieta, instiga e produz a reflexão.

A falta de interação existente entre os alunos no início do ano letivo de 1998 impunha um trabalho que os levassem a descobrir que existem perspectivas diversas da

sua, enfim que existe um “outro”, e saber o que se passa na cabeça desse outro ajuda a compreender melhor o que se passa na sua. A partir desta atitude pretendia-se criar a interação em sala de aula para iniciar-se a humanização, apresentar a preocupação com o próximo como um elemento que explica o outro e a mim. Segundo Jean Piaget (1991,

p.27-8), a interação por meio da comunicação, da linguagem, conduz à socialização das ações. Estas dão lugar, graças à linguagem, a atos de pensamento que não pertencem

multiplica a importância. A linguagem é um veículo de conceitos e noções. Estas noções pertencem a todos e reforçam o pensamento individual como um vasto sistema

de pensamento coletivo.

Para atingir tal objetivo, o processo de ensino-aprendizagem precisou ser

transparente. Procurei a todo momento esclarecer para o aluno como o que ele estava aprendendo se situava dentro do comportamento global de leitura que deveria adquirir, pois, conforme Jean Foucambert (1994, p.36), a maneira de aprender é que dá poder, muito mais do que aquilo que se aprende.

Durante a realização de uma prática construtivo-interacionista, deparei com duas grandes forças em sala de aula, entendendo como força aquele processo imposto pelo próprio ambiente, pelas necessidades do professor e do aluno no desenvolver do processo de construção do conhecimento: a “força da vontade” e a “da necessidade”, ou seja, o querer e o dever. Na ânsia de evitar a negação do prazer e da participação crítica,

produzindo, assim, uma pedagogia do silêncio e do controle, procurei manter entre as “forças” um equilíbrio, sabendo que não se pode ensinar a compreensão ao aluno, pois não se pode ensinar um processo cognitivo.

O meu papel, nesse contexto, foi o de criar oportunidades que permitissem o

desenvolvimento desse processo cognitivo. Procurava construir as bases para uma atividade de metacognição, isto é, de reflexão sobre o próprio saber. Acreditava que os alunos avançariam mesmo propondo leituras que de início provocassem uma desestruturação, ou seja, leituras tidas como “difíceis”, pois a cada desafio e vitória, o

aluno adquiria competência e segurança para seguir em frente com suas descobertas.

Deste modo, minha postura refletia o conceito de “zona de desenvolvimento

entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar por meio da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado por

meio da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. Partia, então, do pressuposto de que a “zona de

desenvolvimento proximal” é um domínio psicológico em constante transformação. Logo, o que o aluno consegue realizar, produzir, ler, interpretar, criar, indagar, enfim, fazer hoje, com a ajuda de alguém, ele conseguirá fazer sozinho amanhã. Para tanto, meu o papel foi o de ser uma leitora em desenvolvimento, que exerce, na sala de aula, o

papel de estimuladora, observadora, mediadora e criadora de situações de ensino- aprendizagem, que repensa a todo momento o ensino da leitura em sala de aula, bem como a amplitude dos seus conteúdos levando em conta, necessariamente, a natureza do curso que quer ministrar, os indivíduos que pretende formar, como fazê-lo e para quê. Essa preocupação aliou-se à da formação do aluno crítico, consciente, capaz de atuar

significativamente, interferindo e contribuindo para o desenvolvimento da sociedade de que faz parte. Procurei, assim, em consonância com Benedito Antunes (1998, p.74), fazer com que em cada momento a experiência de leitura fosse plena, satisfazendo necessidades reconhecidas como autênticas, para que, enfim, pudesse ocorrer a

formação do leitor.

O ensino da leitura pressupunha o aluno como o sujeito que aprende, que tem uma história de vida e de escola para poder promover a aprendizagem subseqüente, no sentido de avançar em relação ao conhecimento. Pressupunha um sujeito consciente de

que o texto não se esgota em si mesmo, uma vez que faz parte de um conjunto de obras que instauram, com o leitor e entre si mesmas, constantes diálogos. E, nesse avanço, em

favorecesse a interação entre mim e os alunos, um espaço de constantes questionamentos, desafios e metas, que apresentasse como propostas de trabalho

situações concretas de vida, com textos que precisam ser lidos e pertencem à realidade dos alunos para chegar a textos mais complexos e elaborados em sua linguagem. Ou

seja, conforme Jean Foucambert (1994, p.31), é impossível tornar-se leitor sem essa contínua interação com um lugar onde as razões para ler são intensamente vividas, mas é possível ser alfabetizado sem isso.

Dentro do conjunto de obras trabalhadas em sala de aula e propostas para leitura

extraclasse, procurei o equilíbrio entre obras contemporâneas, brasileiras ou não, e não contemporâneas. Desta forma, pretendia assegurar aos alunos, como direito, os textos mais próximos da realidade deles e os ditos “clássicos” que essa instituição chamada escola tem, enquanto veiculadora do conhecimento armazenado historicamente pela humanidade, por papel social fornecer.

Entre os clássicos, busquei orientar os alunos para a leitura de textos integrais e não para as adaptações, geralmente compostas por versões resumidas. A preferência pelo texto integral mostra-se mais democrática do que pelo texto que muitas vezes sonega informações. Mesmo assim, quando surgiram nas opções de leitura dos alunos

obras adaptadas, procurei valorizá-las, pois em consonância com Ana Maria Machado (2002, p.12), nem sempre é desejável, dependendo da idade e da maturidade do leitor, que o primeiro contato com o texto clássico seja feito como um mergulho nos textos originais. Além disso, atualmente, há ótimas adaptações que possibilitam a

oportunidade de um encontro sedutor, atraente e tentador. Entre elas, pode-se citar a obra Odisséia, de Ruth Rocha (2000), lida em sala de aula. Esperava que, de acordo

equivalessem a um convite posterior para exploração de um território muito rico na fase das leituras espontâneas.

Há um consenso de que os alunos nas escolas particulares, por deterem um certo poder econômico e poderem adquirir a maioria dos livros desejados, presentes no

mercado editorial, ou indicados pelos professores, possuem acesso democrático às obras. Entretanto, pela observação e questionamentos sobre o que lêem os alunos, pude concluir que muitas vezes a aquisição limita-se às chamadas coleções “inovadoras”, voltadas para o público juvenil, de editoras que procuram e pressionam de certa forma

os professores pela adoção de um material muitas vezes atraente ao olhar, mas sem uma preocupação com o trabalho estético.

Segundo Malu Zoega de Souza (2001, p.14-5), o aumento da produção de livros voltados para o público juvenil indicados pelos professores nas escolas e a conseqüente ampliação da faixa de idade a ser atendida por livros catalogados como juvenis estariam

diretamente ligados ao espaço deixado em aberto pela fragilidade do ensino de leitura e literatura nas escolas. Esse espaço em aberto ocorre porque a leitura de textos literários não vem fazendo parte nem do lazer nem da formação profissional dos professores em geral. Logo, a produção para jovens delineia-se pela introjeção de um duplo leitor-alvo,

o jovem escolar e seu professor, ambos distantes da leitura e de livros. Esse fato, conforme Malu Zoega de Souza (2001), leva autores a apequenarem suas obras, submetendo-se às regras de mercado ao aceitarem o tutelamento das editoras que estão esquematizando padrões de gosto em uma fôrma para o atendimento das necessidades

da leitura escolar ou do mercado que ela estaria representando. O que Malu Z. de Souza não trata, mas eu conheci, são as pressões de representantes de editoras diversas que

professor na escolha dos livros que serão “indicados”, de acordo com gráficos por série, datas comemorativas, lançamentos etc.

Em busca de uma democracia do ensino de literatura, procurei garantir o acesso aos alunos de textos variados e não exclusivamente da “Turma do Tigre” ou de outras

“Turmas”. Deste modo, objetivava, em consonância com Cyana Leahy-Dios (2000, p.280), proporcionar formas de pensar que assegurassem o acesso a nossa riqueza cultural e a de outras culturas como um primeiro plano para a liberdade consciente, em direção à aquisição de auto-estima pessoal e social, e melhores futuros.

A partir dessa visão social e de uma postura de respeito ao aluno, trabalhei, inicialmente, com aquilo que o mesmo gosta e/ou quer ler, mas sempre equilibrando o querer e o dever, este norteando o primeiro. Procurei manter diante da investigação uma atitude de aprendizado constante, tendo por pressuposto que não existem verdades absolutas ou conclusões definitivas. A partir disto, toda busca para inquietações acerca

da formação do leitor foi feita por meio da colaboração, da dialogia com textos teóricos diversos. Assim, concebe-se, nesta dissertação, teoria como um discurso reflexivo que conduz à reflexão, uma categoria de contextos conceituais por meio dos quais torna-se possível integrar percepções e expandi-las. Tem-se, ainda, a consciência de que

nenhuma teoria é panacéia. Desta forma, todas as referências teóricas que embasam este texto são vistas como provocadoras, porque produzem diálogo; não é meu objetivo aplicá-las ou invalidá-las, mas fazer com que sirvam de estímulo à reflexão.

O trabalho centrou-se na hipótese de que o querer também se modifica, pois o

aluno passa a buscar outros tipos de leitura que possuem um plano estético, uma linguagem mais elaborada, plurissignificativa. Ele aprende a gostar de desafios e a não

beleza nos torna exigentes, mais críticos diante do mundo, porque quebra clichês e estereótipos, favorece a re-criação que desbloqueia e fertiliza o imaginário pessoal do

leitor.

O aluno passa a compreender esses múltiplos significados que existem dentro de

um mesmo texto e fora dele quando em relação dialógica com outros. O aluno, quando reflete sobre o conhecimento e controla os seus processos cognitivos, vai-se formando enquanto leitor que percebe relações e que forma relações com um contexto maior, que descobre e infere informações cada vez mais flexíveis e originais. Em outras palavras,

ao ler um texto, qualquer texto, o aluno coloca em ação todo seu sistema de valores, crenças e atitudes que refletem o grupo social em que se deu sua sociabilização primária, isto é, o grupo social em que foi criado. Nessa dimensão, firma-se nesta dissertação a concepção de leitura que norteou o trabalho em sala de aula, como uma prática social que remete a outros textos e outras leituras. Por isso mesmo, só aceita na

medida em que haja interação entre os alunos e conscientização sobre a necessidade de reflexão.

A interação entre os alunos passou a existir quando houve uma compreensão do outro no espaço da sala de aula. Esta compreensão, por sua vez, produziu uma retomada

de atitude. O aumento dessa participação e interação está representado nos “passaportes”, ou seja, na disposição em dar-se a ver e ver-se, enquanto processo reflexivo, e pode ser visualizado e verificado nos índices de passaportes disponibilizados à pesquisa: 81% em 1998, 85,0% em 1999 e 94,55% em 2000. Logo, a

partir de uma postura construtivo-interacionista, pode-se visualizar o aumento, ano a ano, da socialização das ações dos alunos.

Ao representarem no “passaporte” suas leituras e a recepção das mesmas, os alunos construíram o mundo objetivo, elaboraram o raciocínio lógico, porque

abandonaram gradualmente uma postura egocêntrica, em favor de uma socialização progressiva do pensamento. Ainda, com a exposição de suas leituras no “passaporte”,

eles perceberam que os atos de pensamento não pertencem exclusivamente ao “eu”, mas a um plano de comunicação que lhes multiplica a importância, enfim como um vasto sistema de pensamento coletivo do qual tratam Piaget e Vygotsky. Assim, enquanto a leitura é a interiorização do diálogo exterior que leva a linguagem a exercer influência

sobre o fluxo do pensamento, o “passaporte do leitor” é o instrumento portador dessa ação manifesta que se realiza por meio da linguagem interiorizada e do pensamento conceitual.

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