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O embate “a favor” e “contra” a utilização da história e filosofia da ciência no ensino de ciências

CAPÍTULO 01 – CIRCULANDO IDEIAS: UMA DIMENSÃO EPISTEMOLÓGICA

2.2 HISTÓRIA, FILOSOFIA DA CIÊNCIA E ENSINO DE CIÊNCIAS: POR ONDE ANDAMOS?

2.2.1 O embate “a favor” e “contra” a utilização da história e filosofia da ciência no ensino de ciências

São de longa data as discussões que se debruçam sobre a importância da presença da HFC nos currículos de ciências. Assim, podemos exemplificar, de acordo com Matthews (1995) que - já no período pós 2ª Guerra Mundial, nos Estados Unidos, a “abordagem de caso” desenvolvida pelo então pró-reitor de graduação da Universidade de Harvard, James B. Conant; ou na década de 1960, nesta mesma universidade norte-americana com o denominado “Projeto de Física de Harvard”, onde era manifestada uma preocupação com as “dimensões cultural e filosófica da ciência”; e, ainda, mais recentemente, os preceitos defendidos pelos programas com ênfase nos estudos CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade)18 - todos estes movimentos, dentre outros objetivos, apregoavam a inserção de aspectos histórico-filosóficos no ensino de ciências.

No Brasil, diversos pesquisadores da área apontam uma série de vantagens para o uso da HFC no ensino de ciências. Destarte, o trabalho nesta perspectiva: facilitaria a compreensão das inter-relações entre ciência, tecnologia e sociedade; permitiria perceber o

18 Movimento surgido no contexto de crítica ao modelo desenvolvimentista, com forte impacto ambiental e de

processo social (coletivo) e gradativo que é a construção do conhecimento científico; ajudaria a desmistificar a ciência como sendo o resultado da aplicação de um método científico a partir do qual se chegaria à verdade (MARTINS, 2006); proporcionaria sentido aos conteúdos, pois há um melhor entendimento dos conceitos quando se conhece a forma do pensamento no seu tempo de emergência (LOGUÉRCIO e DEL PINO, 2007); promoveria a visão crítico- transformadora do licenciando através de sua aproximação com a historicidade do conhecimento, incentivando uma postura ativa deste em relação à ciência (MOURA e SILVA, 2014); contribuiria para evitar visões distorcidas sobre o fazer científico; permitiria uma compreensão mais refinada dos diversos aspectos envolvendo o processo de ensino- aprendizagem da ciência (MARTINS, 2007); contribuiria para o desenvolvimento de competências necessárias ao cidadão do século XXI a partir da inserção de conteúdos sobre as ciências (FORATO, PIETROCOLA e MARTINS, 2011), dentre outras.

Na contracorrente daqueles que defendem o usufruto de abordagens históricas no contexto do ensino de ciências, há aqueles que o condenam. As razões são as mais variadas.

Em seu artigo, já anteriormente por nós aludido, e, diga-se de passagem, referência recorrente em muitos textos da área, Matthews (1995) comenta duas das principais investidas contra esta perspectiva.

A primeira delas, de acordo com o autor supracitado, refere-se à alegação de que a única história possível nos cursos de ciências seria uma pseudo-história ou quase-história. De forma extremamente simplista e objetiva, em essência, os argumentos daqueles que assim a concebem concentram-se no fato de que as construções (também as históricas) se dão a partir da formação do pesquisador/professor, o que afeta diretamente a interpretação dos fatos por ele realizada, a seleção dos eventos e materiais estudados, a extensão e os objetivos das análises, as linguagens utilizadas, etc., questões pressupostamente distintas para um historiador e para um cientista (aqueles das ciências naturais, neste caso). Desta forma, a história trazida em um livro de química ou de física, por exemplo, poderia ser tão simplista e fantasiosa que, talvez, fosse melhor nem ser ali mencionada. Em última instância, ainda de acordo com aquele autor, o problema também seria hermenêutico. Nós diríamos que, por tudo o que vimos discutindo nesta tese, talvez, esse fosse o ponto de partida para tais assimetrias (que no nosso entendimento, obviamente, não constituem óbice ao trabalho na perspectiva da HC).

A segunda investida daqueles que são contrários à utilização da HC no ensino de ciências estava baseada na ideia de que “ela poderia solapar o espírito científico neófito” (MATTHEWS, 1995, p. 176). Segundo o autor, dentre os que defendiam esta posição estava

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Thomas Kuhn, para o qual a HC deveria ser distorcida para que os cientistas do passado fossem retratados como se trabalhassem o mesmo conjunto de problemas trabalhados pelos cientistas modernos (KUHN, 2013). Tal distorção, ainda, configurar-se-ia necessária para que os aprendentes sentissem-se partícipes de uma tradição bem sucedida, neste caso, a ciência. Outro defensor desta posição, Stephen Brush, “sugere seriamente que apenas um público científico maduro deveria ter acesso à história” (MATTHEWS, 1995, p. 177).

Sendo assim, após sublinharmos que o trabalho nesta perspectiva está longe de configurar-se em ponto pacífico, trazemos à discussão algumas percepções acerca da

utilização da HFC na prática pedagógica do ensino de ciências. Para tal citamos o estudo de

Martins (2007), realizado com grupos de professores da rede básica de ensino e licenciandos do último ano de um curso de Física, do qual emergiram, dentre outros resultados, os seguintes: a admissão por parte dos entrevistados de que aspectos da HFC sejam incorporados como um “extra” aos currículos, como algo a mais; também há a percepção de serem estes “conteúdos introdutórios” ou mesmo “ilustrativos” a determinados assuntos; a questão motivacional (sua utilização como mera estratégia motivacional) também aparece no estudo. Questões relativas à formação docente e à carência de material didático de qualidade apresentam-se como entraves ao trabalho nesta perspectiva.

Há, além das distorções já apontadas, uma série de equívocos que, de maneira geral, permeiam a utilização da HFC na prática do ensino de ciências. Para ilustrarmos esta condição aludimos a algumas ponderações de Martins (2006, p. XXV-XXVII) que apontam para: “a redução da história da ciência a nomes, datas e anedotas” (onde, muitas vezes, a história é apresentada aos alunos a partir de heróis ou gênios isolados, que como num passe de mágica e alheios às questões sociais que os constituem, descobrem “verdades” escondidas); a assunção de “concepções errôneas sobre o método científico” (onde, a partir da HC, tenta-se

provar uma teoria a partir da prática, o que do ponto de vista filosófico é impossível19); o “uso

de argumentos de autoridade”, a partir dos quais a mera invocação de “nomes famosos” ou a alusão a uma “pretensa certeza científica” seria uma forma de “impor crenças e de deixar de lado os aspectos fundamentais da própria natureza da ciência” (Ibid., p. XXVI).

A utilização (de que forma?) ou a não utilização de conteúdos de HFC, como estratégia para discussão/ensino dos conteúdos ditos científicos, tem relação direta com a percepção que os alunos vão ter a respeito da ciência, de sua natureza e dos porquês de seu estudo. Abordaremos algumas destas questões na próxima subseção.

19 A justificação de uma teoria, a partir de considerações que extrapolam os requisitos meramente práticos, seria