1 O TRABALHO E SUAS TENTATIVAS DE RESSIGNIFICAÇÕES NA
1.4 O embate teórico do trabalho como atividade social central versus fim da
Há um duplo entendimento da categoria trabalho que foi se desvelando pelo
processo histórico-social, e na atualidade, em particular na sociedade brasileira, o debate
sobre a centralidade ou o fim do trabalho continua tão em voga como nos anos de 1990.
O fim do trabalho carrega os mais variados argumentos: desde a sua ligação
direta como o trabalho assalariado como a questão da sobreposição da linguagem como
mais importante elemento social. As linhas teóricas não negam a existência do trabalho
nas relações sociais do homem, contudo ele perde a sua primazia e outros fatores tomam
a base conceitual para explicar a humanidade e suas relações sociais (CARVALHO,
2006; ANTUNES, 2015)
Para o Brasil, os anos finais da década de 1980 aos primórdios de 1990
representam, em especial, o início da presença latente do neoliberalismo no construto de
uma sociedade sob um capitalismo dependente, que em síntese faz parte do conjunto de
economias dependentes transformadas em mercadorias, negociáveis a distância, sob
condições seguras e ultralucrativas (FLORESTAN, 1973, p.17). E assim, esse
capitalismo dependente gera, ao mesmo tempo, o subdesenvolvimento econômico e o
subdesenvolvimento social, cultural e político. (Idem, p. 61). Todavia, na literatura
internacional já estava instaurado a discussão do trabalho como central às relações
sociais e também teóricos como Gorz, Kurz e Offe que compunham a tese do fim da
centralidade do trabalho (CARVALHO, 2006).
Decerto, que a área trabalho e educação mantém seus esforços mediante as
produções que refletem sobre como o caráter duplo do trabalho: alienante e
humanizador são centrais para o entendimento da instituição das relações sociais e como
esta continua a dar sentido a essência humana, em especial, como princípio educativo.
Reitera-se que a categoria princípio educativo, conceitua-se como o primado do
trabalho em relação à educação, ou seja, o pressuposto segundo o qual a educação se
estrutura e se organiza a partir do eixo do trabalho (TUMOLO, 1996, p.39).
Dessa maneira, tanto as categorias trabalho e princípio educativo são
fundamentais para tratarmos do percurso histórico que se tem interpretado na sociedade
contemporânea. E na perspectiva educativa contemporânea, recorremos à Frigotto
(2001) a fim de demonstrar a dimensão central do trabalho, visto que:
[...]por ser elemento criador da vida humana, num dever e num direito. Um dever a ser aprendido, socializado desde a infância. Trata-se de apreender que o ser humano enquanto ser da natureza necessita elaborar a natureza, transformá-la, pelo trabalho, em bens úteis para satisfazer as suas necessidades vitais, biológicas, sociais, culturais, etc. Mas é também um direito, pois é por ele que pode recriar, reproduzir permanentemente sua existência humana. Impedir o direito ao trabalho, mesmo em sua forma de trabalho alienado sob o capitalismo, é uma violência contra a possibilidade de produzir minimamente a vida própria e, quando é o caso, dos filhos (FRIGOTTO, 2001, p.74).
Sendo o trabalho primeiro elemento constituinte do homem, mesmo na
sociedade capitalista, como apresentar ou mesmo manter a tese do fim da centralidade
do trabalho?
Dentre os autores que precariza o debate do fim da centralidade do trabalho a
presença de Offe merece destaque nessa produção. Pois uma das desqualificações do
trabalho é reduzi-lo a emprego, e desse modo a precarização da divisão social do
trabalho tem trazido a concretude da diminuição do emprego assalariado em detrimento
dos avanços da ciência e da tecnologia, configurando na substituição do homem pela
maquinaria e em novas formas de prestação de serviço. Assim, diante disso Offe (1989)
se apega a tese do fim do trabalho. Se não tem emprego, não tem trabalho. A tentativa
de construção, a partir da esfera trabalho, de todo o ambiente de vida como uma
unidade subjetiva coerente, é cada vez mais inútil por causa da estrutura temporal e da
biografia de trabalho. (OFFE, 1989, p.28)
Offe (1989) alegara possível tal proeza. Esse autor inicialmente de forma crítica
ao perceber a alienação do trabalho pelo trabalhador apresenta uma produção
explicativa e repleta de elementos basilares dos efeitos colaterais que o sistema
capitalista produz, mediante repercussões da reestrutura produtiva.
[...] Os critérios de racionalidade desenvolvidos para o aproveitamento e o controle da força de trabalho na produção capitalista de mercadorias só podem ser transpostos para a “produção” da ordem e da normalidade, gerada pelo trabalho em serviços, sobretudo no bojo do “serviço público”, com limitações rigorosas, e mesmo assim só com descontos característicos na sua racionalidade “formal”. Por isso, o trabalho – público ou privado – em serviços se entende como um “corpo estranho” que, mesmo não sendo “emancipado” do regime da racionalidade econômica formal do trabalho, é delimitado apenas externamente, sem ser estruturado internamente,
permanecendo, entretanto, funcionalmente imprescindível. É essa
diferenciação dentro do conceito de trabalho que me parece fornecer o principal fundamento (tanto no sentido do peso quantitativo dos serviços nas sociedades “pós industriais”, como em vista dos critérios de racionalidade que os regem) de que hoje, mesmo abstraindo-se da multiplicidade empírica das situações de trabalho, não mais se pode falar de uma unidade fundamental, de um tipo de racionalidade organizando e regendo todo o trabalho (OFFE, 1989, p. 24).
Todavia, retira do trabalho sua centralidade por conta da crise da sociedade do
trabalho gerada pela instabilidade das relações de emprego,
o trabalho foi deslocado do seu status de fato vital central e óbvio não apenas em termos objetivos, mas também perdeu tal status na motivação dos trabalhadores – em consonância com tal desenvolvimento objetivo, mas em discrepância com os valores oficiais e os padrões de legitimação da sociedade (OFFE, 1999, p. 33)
Offe tem clareza que para as tradições clássicas da sociologia marxista ou
burguesa, o trabalho seria o dado social central (OFFE, 1989, p. 13). Entretanto, no
entendimento dele, as diferentes nuancem tomadas pelo processo histórico-social da
divisão do trabalho, em especial na relação vínculo assalariado fabril do trabalhador
configuram como basilar para justificar que a partir da não remuneração formal e da
ampliação do setor de serviços essa centralidade estaria posta em xeque.
Segundo Antunes (2015, p. 67) tal tese deve ser refutada. Não há sociedades
pós-industriais, pois há a permanência da dependente acumulação industrial
propriamente dita e, com isso, da capacidade das indústrias correspondentes de
realizar mais-valia nos mercados mundiais.
O que Offe (1989) defende como fim da centralidade do trabalho, na verdade é a
nova morfologia do trabalho, seu caráter multifacetado, polissêmico e polimorfo
(Antunes, 2015) e repercute na conceituação da classe-que-vive-do-trabalho. O trabalho
e o trabalhador nunca foram objeto-sujeito com análises lineares em seu processo
histórico. O mundo do trabalho e a própria história do capitalismo sempre indicaram as
transformações que as relações do trabalho foram representadas nas diferentes
sociedades. O trabalho é o próprio metabolismo do homem. As mudanças do trabalham
mudam o homem. Então, como defender que por ter uma nova configuração de relações
de trabalho, este deixaria de ser central? Como poderia ser seu fim? O trabalho em todas
as suas mutações continua central, e esta centralidade em disputa. De um lado, o
capitalismo que necessita de sua vitalidade para continuar a acumular riqueza; de outro
à superação da alienação pelo trabalhador para retomar sua humanidade, e assim sua
liberdade.
O desemprego não deve ser elemento conceitual que implica no argumento do
fim do trabalho. Marx n‟O Capital já o identificava como inerente ao metabolismo do
capitalismo, o chamado Exército Industrial de Reserva, que é necessário como
controlador da dinâmica de procura-oferta de emprego e respectivamente balizador do
salário pela troca do trabalho seja ele físico e/ou intelectual.
O processo de precarização do trabalho no capitalismo global atinge a “objetividade” e a “subjetividade” da classe dos trabalhadores assalariados. O eixo central dos dispositivos organizacionais (e institucionais) das inovações organizacionais do novo complexo de reestruturação produtiva é a “captura” da subjetividade do trabalho pela lógica do capital. É a constituição de um novo nexo psicofísico capaz de moldar e direcionar ação e pensamento de
operários e empregados em conformidade com a racionalização da produção. (ALVES, 2011, p. 110)
No capitalismo o trabalho perde a sua conceituação ontológica, e é transformado
em emprego (vínculo salarial e formal), função, profissão etc., e ainda tem trazido
preocupações subjetivas do trabalhador para a manutenção do vínculo empregatício,
conforme ilustra a charge:
Figura 2 – Saúde!
Fonte: http://www.willtirando.com.br/page/16/, de 21 de fevereiro de 2019.
O medo tem sido inerente às relações contratuais no mercado do trabalho.
A sociedade do desemprego e da “precarização do trabalho (informalização e degradação do estatuto salarial) constitui o que podemos denominar de “afetos do socio metabolismo da barbárie” (novas formas de estranhamento e de fetichismo social e a constituição da subjetivação pelo medo). Nessas
condições sócio-históricas específicas, tendem a exacerbar-se a
individualidade de classe e o império da contingência salarial. (ALVES, 2011, p.121)
E cada vez mais o homem vai se afastando de sua humanidade por se submeter
ao controle empregatício que a sociedade capitalista o apresenta como forma vital de
sua subsistência:
[...] Por “medo do desemprego” o trabalhador assalariado “consente” maior nível de exploração da sua força de trabalho e renuncia a direitos sociais e trabalhistas, por exemplo. [...] Por ele, hoje mais do que nunca, o capital busca construir os novos (e espúrios) consentimentos à nova barbárie social. O medo tende a dissolver o sujeito e a subjetividade humana. É o esforço do fetichismo agudo que permeia as relações estranhadas da civilização do capital nesta etapa do desenvolvimento histórico (ALVES, 2011, p. 125).