1 O TRABALHO E SUAS TENTATIVAS DE RESSIGNIFICAÇÕES NA
1.3 A (inter)relação da divisão social do trabalho com a polissemia do trabalho
Ser trabalhador produtivo não é
nenhuma felicidade, mas azar (MARX,
2008).
Quando o homem compreende o trabalho como objeto, este corrompe a natureza
libertadora do trabalho, seu processo criativo, e o torna negativo. Ao demonstrar a
positividade do trabalho em sua essência promove-se a tensão que este encontra na
sociedade. Essa tensão de muitas maneiras sempre existiu desde o aparecimento da
humanidade, porque nela também está a primazia do trabalho. Todavia, a tensão
manifesta-se mais quando o projeto societal do capital se apropria das formas sociais e
do modo de produção do trabalho, e assim, da existência humana.
A divisão social do trabalho ocasionada pelo seu sentido histórico tem
provocado essa polissemia do trabalho. De um lado tem-se o trabalho como originário
da própria essência humana, e de outro, dentro do capitalismo, importante categoria
produtor de mais-valia
14, pois a produção capitalista não é apenas produção de
mercadorias, ela é essencialmente produção de mais-valia (MARX, 2008, p.578). A
dialética: riqueza do capital em detrimento da pobreza do humano tem como produto a
instauração das desigualdades sociais nessa relação societal.
Assim com a divisão do trabalho aumenta o poder produtivo do trabalho e a riqueza e o requinte da sociedade, empobrece o trabalhador e transforma-o em máquina. Mesmo que o trabalho provoque acumulação do capital e, de modo, o crescente progresso da sociedade, torna o trabalhador cada vez mais dependente do capitalista, expõe-no a maior concorrência e arrasta-o para a corrida da superprodução seguida pela concorrência da crise econômica. (MARX, 2006, p. 71)
Essa construção de trabalho como objeto na sociedade capitalista interioriza uma
percepção do trabalho voltado para ocupação, emprego, função, tarefa, na perspectiva
de um mercado de trabalho. Desse modo, oculta a compreensão contraditória dentro do
capitalismo acerca do trabalho como construção social dotado da tensão: força, poder e
violência, e também de relação fundamental da existência humana (FRIGOTTO, 2012)
No senso comum o conceito de trabalho consolida-se por uma vertente do
fetichismo da mercadoria. Há um ciclo de trabalho, produto e consumo, e neste ao longo
da história o modo de produção vai se estabelecendo e se aprimorando para consolidar o
trabalho utilitarista. Contudo, vale lembrar que trabalho é sempre: valor de uso e valor
de troca, e sua contradição está na apropriação dada pelo capital como se tem discutido.
Não se intenciona romantizar o real valor do trabalho em sua ontologia, pois
sua concretude não permite tal afirmação. A sociedade capitalista não permite tal ato.
Pelo contrário, mais do que nunca é necessário conhecer essa ontologia para contrapor
ao ideário negativo do trabalho. Isso porque é na exploração da força de trabalho que o
homem perde a sua humanidade.
O trabalho no sentido de valor de uso distanciado do atrelamento à mercadoria
na sociedade capitalista compõe a concepção daquele que agrega plenitude do homem
na sua relação com a natureza. Todavia, de modo contrário:
Se prescindirmos do valor-de-uso da mercadoria, só lhe resta ainda uma propriedade, a de ser produto do trabalho. Mas, então, o produto do trabalho já terá passado por uma transmutação. Pondo de lado seu valor-de-uso, abstraímos, também, das formas e elementos materiais que fazem dele um valor-de-uso. Ele não é mais mesa, casa, fio ou qualquer outra coisa útil.
14 Segundo Marx (2008, p. 231) A mais-valia se origina de um excedente quantitativo de trabalho,
da duração prolongada do mesmo processo de trabalho, tanto no processo de produção de fios quanto no processo de produção de artigos de ourivesaria.
Sumiram todas as qualidades materiais. Também não é mais o produto do trabalho do marceneiro, do pedreiro, do fiandeiro ou de qualquer outra forma de trabalho produtivo. Ao desaparecer o caráter útil dos produtos do trabalho, também desaparece o caráter útil dos trabalhadores neles corporificados; desvanecem-se, portanto, as diferentes formas de trabalho concreto, elas não mais se distinguem umas das outras, mas reduzem-se, todas, a uma única espécie de trabalho, o trabalho humano abstrato (MARX, 2008, p.60).
Marx (2008) torna nessa passagem a clareza do duplo caráter do trabalho:
concreto (valor de uso) e abstrato (valor de troca). Concreto quando sua utilidade está
associada ao seu valor real da necessidade de uso, e abstrato quando considerado do
empreendimento de energias humana: físicas e intelectuais para a manifestação da troca.
Esse duplo caráter do trabalho se inter-relacionam sempre, e tem no trabalho humano a
equação do dispêndio do trabalho simples associado ao trabalho abstrato. De modo, que
o brilhantismo do capitalismo consiste em incorporar nessa inter-relação tornando o
homem e mercadoria.
A relação do homem com o trabalho vai sendo lapidado, de modo a aperfeiçoar a
relação do trabalho simples, aquilo que se sabe fazer ao trabalho abstrato/potenciado
pela força gasta pelo trabalhador na relação da divisão social do trabalho. Entretanto, o
trabalho potenciado na sociedade capitalista, “relação social fundada na propriedade
privada, no capital, no dinheiro” (ANTUNES, 2013, p. 9) gera alienação do trabalho ao
trabalhador.
Nessa perspectiva, o trabalho relacionado ao sistema capitalista é contraditório,
pois deixa de tomá-lo como “atividade vital” (MARX, 2006, p. 116; ANTUNES, 2012,
p.23) e tem sua categoria reduzida à divisão social e técnica do trabalho, que impõe ao
trabalhador a lógica do saber fazer, ou seja, mecaniza o trabalho por ele realizado
comparando-o e transformando-o em máquina (MARX, 2008, p.71).
A questão se torna exponencial quando associado os sentidos do trabalho para
além do valor de uso também o valor de troca, na constituição desse ser social:
[...] Esse problema aparece logo que o trabalho se torna social, no sentido de que depende da cooperação de mais pessoas, independente do fato de que já esteja presente o problema do valor de troca ou que a cooperação tenha apenas como objetivo os valores de uso. Por isso, esta segunda forma de pôr teleológico, no qual o fim posto é imediatamente um pôr do fim o por outros homens, já pode existir em estágios muito iniciais. (LUKÁCS, 2013, p. 83.)
O trabalho quando apropriado pelo capitalismo toma nuances que se afastam
dessa ontologia do ser social e fomenta nas sociedades capitalistas o vínculo do
trabalho à mercadoria:
A mercadoria apareceu-nos, inicialmente, como duas coisas: valor-de-uso e valor-de-troca. Mais tarde, verificou-se que o trabalho também possui duplo caráter: quando se expressa como valor, não possui mais as mesmas características que lhe pertencem como gerador de valores-de-uso. (MARX, 2008, p. 63.)