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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.2 Embriologia do lábio e palato e a associação com FL/PNS

O desenvolvimento normal do lábio ocorre entre a 4a e 8a semana de gestação. Até o final da 4a semana, as células da crista neural, oriundas do tubo neural anterior, migram para formar o primórdio da face, surgindo dela o processo nasal medial e lateral, que se fundem ao processo maxilar, para formar a parte central do lábio superior, o palato primário e o nariz (Marazita e Mooney, 2004). O palato primário aloja os dentes incisivos da maxila, dando origem à parte anterior do forame incisivo e também contribuindo para a formação do lábio e a porção anterior da maxila (Rice, 2005). O palato secundário se desenvolve após o palato primário durante a 6a e a 12a semanas. Os processos palatinos se elevam acima da língua, fundindo medialmente na linha média, anteriormente com o palato primário e superiormente com o septo nasal. O forame incisivo marca a extensão anterior do palato secundário. A formação dos palatos primário e secundário completa a separação das cavidades nasal e oral, permitindo a respiração simultaneamente à mastigação (Dixon et al., 2011).

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Figura 1 - Desenvolvimento do lábio e palato. (A) Desenvolvimento da proeminência

frontonasal, processos maxilares e mandibulares delimitando a cavidade oral primitiva na quarta semana do desenvolvimento embrionário. (B) Na quinta semana, as fossetas nasais foram desenvolvidas com a formação dos processos nasais mediais e laterais. (C) Os processos nasais mediais se fundem com o processo maxilar para formar a parte central do lábio superior e palato primário até o final da sexta semana. O processo lateral forma a asa do nariz. Da mesma forma, os processos mandibulares se fundem para formar o mandíbula. (D) Durante a sexta semana de embriogênese, o palato secundário desenvolve com crescimento bilateral dos processos maxilares, que crescem verticalmente para baixo do lado da língua. (E) Posteriormente, os processos palatinos elevam a uma posição horizontal acima da língua unindo na linha média. (F) Fusão dos processos palatinos, separando o espaço oronasal em cavidade oral e nasal. Modificado a partir de Dixon et al., 2011.

Figura 2 - Fissura de lábio e/ou palato não-sindrômica. (A) Fissura labial. (B) Fissura

palatina. (C) Fissura lábio-palatina unilateral incompleta. (D) Fissura lábio-palatina unilateral completa. (E) Fissura lábio-palatina bilateral completa. Modificado a partir de Mossey et al., 2009. A C D E A B C E D F B

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O acometimento da FL pode ou não estar associado com a FP, assim como a FP pode surgir independentemente da FL, onde é explicado pela diferença na etiologia dentre as duas manifestações (Dixon et al., 2011). A gravidade da extensão da FL/P é associada ao tempo, gravidade e quantidade de interrupção do desenvolvimento (Economou et al., 2012). Um período crítico é imediatamente antes da formação do palato primário e do lábio, visto que ocorre uma explosão de crescimento mitótico. Durante este período, o desenvolvimento é altamente vulnerável a efeitos genéticos e teratogênicos (Seelan et al., 2012).

Neste contexto é relatado o envolvimento de uma série complexa de eventos que exigem uma estreita relação entre proliferação, apoptose, migração e transição epitélio-mesênquima (Stanier e Moore, 2004; Mossey et al., 2009). A proliferação celular é regulada por diversas proteínas, chamadas de fatores de crescimento. Após a ligação ao seu receptor de superfície celular, estas moléculas sinalizadoras iniciam uma cadeia de eventos moleculares que ativam fatores de transcrição. Estes fatores de transcrição ligam-se às regiões reguladoras do genoma e permitem que haja uma ligação entre a enzima RNA-polimerase e o DNA, ocorrendo assim à transcrição e a futura tradução. Estudos sobre o desenvolvimento orofacial têm identificado uma série de moléculas chaves, incluindo os membros das famílias dos fatores de crescimento fibroblástico (FGF), sonic hedgehog (SHH), wingless (WNT) e dos fatores de crescimento transformante beta (TGF-β), o qual incluem as proteínas ósseas morfogenéticas (BMPs) e ativinas (Wurdak et al., 2005; Kouskoura et al., 2011). Defeitos nos fatores de crescimento ou nos seus receptores têm sido associados com o surgimento das fissuras orais (Lidral et al., 1998; Riley et al., 2007a). Durante a palatogênese, por exemplo, é descrito a expressão de SHH no epitélio oral que se liga ao seu receptor PTCH (patched) (Rice et al., 2005) no mesênquima subjacente para ativar o receptor SMO (smoothened) e permitir a proliferação celular, visto que a expressão de SMO regula ciclina D1 e D2 no ciclo celular (Lan e Jiang, 2009). Simultaneamente, FGF10 (fibroblast growth factor 10) é expresso no mesênquima e se liga ao seu receptor FGFR2 no epitélio palatino para também regular a proliferação celular (Rice et al., 2004). A sinalização da proteína BMP via o receptor de BMPR1A (bone morphogenetic protein receptor,

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type IA) no mesênquima regula o crescimento do palato e a expressão de MSX1, SHOX2 (short stature homeobox 2) e de SHH no epitélio do palato (Baek et al., 2011), que serão importantes no processo de proliferação celular e na transição epitélio mesênquima (Finnerty et al., 2009).

Apoptose é um processo que desempenha papel central no desenvolvimento embrionário e na morfogênese tecidual (Wei et al., 2008). A apoptose pode ser desencadeada por duas vias: extrínseca e intrínseca. A via extrínseca é ativada por ligantes que se acoplam em receptores da membrana celular. Esses receptores pertencem à família dos receptores do fator de necrose tumoral (TNFR - tumor necrosis factor receptor) que possuem domínios de morte celular onde ativam proteínas adaptadoras (FADD - Fas-associated protein with death domain e TRADD - Tumor necrosis factor receptor type 1-associated death domain protein), que por sua vez ativam pró-caspases iniciadoras do processo apoptótico. A ativação da cascata das caspases que além de clivar substratos na célula, podem também ativar a via intrínseca mitocondrial por meio da interação com membros da família BCL2 (B-cell CLL/lymphoma 2) (Cory e Adams, 2002). Desta forma a apoptose é um processo complexo e o seu controle se faz essencial para a formação correta do lábio e palato (Dudas et al., 2007). A proteína “treacle”, codificada pelo gene TCOF1, é um precursor da morte celular das células da crista neural durante o desenvolvimento craniofacial devido a ativação e estabilização de p53 (Marszalek et al., 2002), visto que p53 se faz importante no processo de checagem do DNA no ciclo celular e um dando grave na sequência de DNA promove a morte celular (Polyak et al., 1997).

A migração celular é um evento importante no processo morfogênico, deste a gastrulação até o desenvolvimento dos múltiplos órgãos (Hu et al., 2014). O início do processo de migração das células da crista neural ainda não é totalmente conhecido. Sabe-se que uma série de fatores de transcrição são estimulados, como SNAIL2 (snail family zinc finger 2), responsável por promover alterações no citoesqueleto da célula durante o processo migratório (Khudyakov e Bronner- Fraser, 2009). As células alteraram as junções celulares, suas propriedades de adesão e a morfologia para adquirir motilidade, o que permite migrar para seus

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destinos finais (Strobl-Mazzulla e Bronner, 2012; Rogers et al., 2013). Durante a migração, as células da crista neural interagem uma com as outras e com o meio ambiente através de receptores de sinalização, tais como os receptores NRP (neuropilin), Robo (roundabout) e EPH (ephrin), que orientam para destinos específicos de cada célula (Sauka-Spengler e Bronner-Fraser, 2006; Betancur et al., 2010). Defeitos no processo de migração celular têm sido associados ao desenvolvimento das fissuras orais (Nikopensius et al., 2010). Durante o desenvolvimento craniano, é descrito que “knockdown” de SNAIL2 impede o desligamento da transcrição da molécula de adesão CAD6B (cadherin 6b), inibindo assim a migração das células da crista neural (Strobl-Mazzulla e Bronner, 2012). Outro fator importante durante a migração celular é a matriz extracelular. Estudos relacionando capacidade de proliferação celular e metabolismo de matriz extracelular é descrito como fator causal no desenvolvimento de FL/P, assim como de genes relacionados à inibição da degradação da matriz extracelular (Enomoto et al., 2010; Nikopensius et al., 2011; Baranger et al., 2014), visto que, este processo é necessário para o crescimento e posicionamento adequado das proeminências faciais e lâminas palatinas durante a morfogênese orofacial (Kerrigan et al., 2000; Dhulipala et al., 2006; Meng et al., 2009).

O processo de transição epitélio-mesênquima é caracterizado pela mudança no fenótipo epitelial para mesenquimal que leva a perda ou expressão reduzida dos marcadores de células epiteliais, como E-caderina, e o aumento da expressão de marcadores mesenquimais, como N-caderina e vimentina, regulado pelo aumento da expressão dos fatores de transcrição, como TWIST e SNAIL2 (Strobl-Mazzulla e Bronner, 2012). Várias vias de sinalização são descritas na indução da transcrição epitélio-mesênquima, como BMP, FGF (fibroblast growth factors), endotelina e SHH, durante o desenvolvimento craniofacial (Chen et al., 1996; Kettunen e Thesleff, 1998). Na formação do palato, por exemplo, é relatado que a perda de expressão de TGFβ (transforming growth factor beta) nas células epiteliais compromete a ativação da via de sinalização WNT e a expressão dos receptores SMAD2 e SMAD3 (Iwata et al., 2014). Assim, o complexo SMAD combina com os fatores de transcrição em sequência de genes de regulação para ativar ou reprimir

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a transcrição (Massague, 2012). Defeito nesta via pode alterar o desenvolvimento craniofacial (Kang e Svoboda, 2005) e promover a ocorrência das FL/PNS (Iwata et al., 2014).

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