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A EMERGÊNCIA DAS ATIVIDADES DE PLANEJAMENTO E OS NOVOS CANTOS DE SEREIA

No documento Cidade: história e desafios (páginas 45-48)

A CIDADE DA GEOGRAFIA NO BRASIL:

A EMERGÊNCIA DAS ATIVIDADES DE PLANEJAMENTO E OS NOVOS CANTOS DE SEREIA

Desde sua implantação como curso de nível universitário, na década de 1930, até mea- dos da década de 1960, a geografia brasileira foi essencialmente uma disciplina voltada para a cha- mada “escola francesa”. Foi da França que vieram seus primeiros mestres; foram autores franceses, seguidores da matriz lablachiana, os que mais influenciaram a geração de geógrafos formada nesse período. Na segunda metade da década de 1950, entretanto, essa situação começou a mudar. A realização, no Rio de Janeiro, em agosto de 1956, do XVIII Congresso Internacional de Geografia, representa, nesse sentido, um importante marco divisório na história do pensamento geográfico brasileiro. Símbolo da maturidade a que havia chegado a disciplina no país em tão pouco tempo, esse evento não apenas demonstrou a capacidade da comunidade geográfica brasileira de organizar uma reunião científica de porte, como propiciou-lhe também uma oportunidade ímpar de esta- belecer maior intercâmbio científico e de abrir-se a novas temáticas e a novas matrizes episte- mológicas.

O congresso de 1956 realizou-se num momento em que os geógrafos assumiam um importante papel na reconstrução européia. Se Chabot já dissera antes, em 1948, que não havia cidade sem região nem região sem cidade, nunca essa frase teve tanto appeal na disciplina quanto nessa época. A perspectiva de que, a partir da cidade, poder-se-ia intervir no quadro regional, alte- rando-o, acabou por dar à geografia um sentido de aplicabilidade que nunca tivera antes. Planeja-

mento, geografia ativa, geografia aplicada, geografia voluntária, centralidade, redes urbanas... Eram essas, agora, as novas dimensões de trabalho que a geografia abria a seus profissionais (ver, por exem- plo, Gottmann et alii, 1952; Mayer, 1954; Freeman, 1958; Philipponeau, 1960; Stamp, 1960; Rochefort, 1960; George, 1963; George et alii, 1965; Labasse, 1966).

Num país como o Brasil, que passava por transformações radicais na base econômica e na estrutura da rede de cidades, essa mensagem foi prontamente captada. Numa época em que as forças de acumulação capitalista redesenhavam a estrutura espacial de fixos e de fluxos, seja por ace- leração do processo de formação de áreas metropolitanas, seja por reformulação das relações inte- rurbanas, seja ainda mediante o redesenho de toda a organização interna das cidades, não era mais possível e nem relevante concentrar esforços no estudo monográfico tradicional. Por sua vez, a difu- são das atividades de planejamento territorial também começava a ganhar ímpeto, e isto constituiu força centrípeta de grande intensidade, completando o processo de atração dos geógrafos brasileiros para os estudos urbano-regionais.

De início, as discussões ainda fizeram-se no interior da matriz epistemológica domi- nante (vide, por exemplo, Carvalho e Santos, 1960; Santos, 1965; Bernardes, 1967 e 1969; Gei- ger, 1967). Todavia, a difusão das atividades de planejamento após o golpe militar de 1964, a cria- ção do IPEA, a transformação do IBGE em órgão central de planejamento territorial, e a inten- sificação de contatos oficiais com geógrafos-consultores britânicos e norte-americanos, que defen- diam uma geografia de base neopositivista, alteraram rapidamente os rumos desse movimento. De uma hora para outra, todo um pensamento de base nomotética, que pregava uma geografia voltada para a busca de leis e/ou generalizações empíricas, e que insistia no abandono do excepcionalismo, do estudo das singularidades (Schaefer, 1953), aportou no Brasil. Acoplado a ele vinha também uma nova linguagem, quantitativa, e o uso generalizado de modelos preditivos, ideais para a ati- vidade planejadora.

Introduzida no país a partir de uma preocupação com o planejamento, e não a partir de uma inquietação teórica interna, não é de se estranhar que a produção geográfica que decorreu dessa guinada neopositivista tenha se orientado, na década de 1970 (época áurea desse movimento no país), essencialmente nessa direção. E, ao fazer isso, privilegiou, como era de se esperar, os temá-

rios que estavam sendo demandados pelo sistema de planejamento, dentre os quais despontavam, agora, as temáticas interurbanas. Ao fazer uma avaliação da produção geográfica urbana realizada no Brasil, Corrêa (1989) afirmou, com razão, que foi nessa época que os estudos interurbanos tomaram a dianteira da produção geográfica sobre a cidade. Foi o momento em que predominaram as pes- quisas sobre hinterlândias, redes urbanas, pólos de crescimento, centralidade urbana, fluxos inte- rurbanos e inter-regionais, regionalização etc., em sua maioria apoiadas na fenomenal base de dados que foi o Recenseamento Geral do Brasil de 1970, a mais completa radiografia feita do país até então (cf., por exemplo, IBGE, 1978).

Embora minoritária em termos da produção realizada, a pesquisa intra-urbana também foi afetada. Invocando o novo objetivo de busca de generalizações, de leis, de abandono do excep- cionalismo, muitos geógrafos redirecionaram suas pesquisas, largando de vez a monografia urbana e orientando seus esforços para o estudo de processos. Na ausência de bases teóricas próprias, recor- reram a teorias desenvolvidas por outras ciências, notadamente pela economia neoclássica e pela escola de sociologia urbana de Chicago. Apoiados nessas teorias, passaram a esquadrinhar as mais diversas realidades urbanas do país, buscando verificar padrões reveladores da sua validade. Para tanto, contaram não apenas com a existência de estudos empíricos similares já realizados em outros países (que lhes serviram de modelo), como beneficiaram-se bastante da melhoria significativa das bases de dados produzidas no país.

Tal como ocorreu nos países centrais, a guinada neopositivista da geografia humana bra- sileira durou pouco. As razões disso, entretanto, foram diversas daquelas que a praguejaram em outros países. Aqui, tratou-se, na verdade, de “revolução quantitativa” e não de “revolução neopo- sitivista”. Com efeito, todo o esforço realizado no exterior para desenvolver uma “geometria do espaço”, para descobrir “leis espaciais”, para determinar relações entre variáveis e entre áreas num espaço teórico, topológico, criado a partir da lógica formal (como, por exemplo, a planície isotrópica da teoria de Walter Christaller), não teve no Brasil nenhum seguidor. Ao contrário, o mais comum foi a introdução da linguagem matemática em pacotes estatísticos fechados, que serviam para “testar” o grau de adequação da realidade brasileira a teorias também importadas, visando-se, com isso, mui- tas vezes, a oferecer “subsídios ao planejamento”.

Não é o caso de se criticar, aqui, a importação de teorias e modelos, e nem de ser contrário a que a geografia ofereça contribuições ao planejamento. O que pretendemos demons- trar é que, na busca de um pragmatismo rápido, acabou-se por não fazer aquilo que se dizia estar fazendo e, na ânsia de oferecer subsídios ao planejamento, acabou-se por não perceber que, apesar da nova roupagem, e com as exceções de praxe, a pesquisa geográfica pouco mudara de conteúdo quando comparada com aquela que já vinha sendo realizada na fase “tradicional”. Para subs- tanciar essa afirmação basta notar que o trabalho “quantitativo” típico dedicou-se basicamente à determinação de padrões espaciais, objetivo que já era característico da geografia clássica. A diferença é que, agora, não mais se chegava a eles por intermédio da superposição de mapas; téc- nicas de agrupamento acopladas à análise fatorial poderiam ser utilizadas, tornando possível o que seria inimaginável antes, isto é, trabalhar com um imenso número de variáveis. Os progressos da cibernética também deram a sua contribuição, facilitando ainda mais o manuseio de tantas informações.

No documento Cidade: história e desafios (páginas 45-48)