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OBSERVAÇÕES FINAIS

No documento Cidade: história e desafios (páginas 186-190)

SOBRE A FORMAÇÃO DO DISTRITO FEDERAL

OBSERVAÇÕES FINAIS

Para finalizar, tratemos de explorar um pouco mais alguns dos temas aqui levantados. Continuemos a tomar como ponto de partida a modelar experiência norte-americana. Como já assi- nalamos, a invenção do Distrito Federal se deu no contexto da implantação do sistema federal norte- americano. Paralelamente à criação da figura do Estado-membro autônomo, com o seu conjunto de deveres e prerrogativas, ficou também estabelecido o Distrito da União como uma contraface do pacto federativo.

Foi esse o entendimento de alguns dos mais importantes “pais fundadores” da América, que não viam como desvincular os dois processos: a criação dos poderes nacionais e o seu estabe- lecimento em um território próprio. Foi também esse o entendimento do constituinte, ao aprovar um dispositivo que assegurou ampla liberdade ao Congresso para legislar sobre a nova sede do governo federal. Nesse contexto político e intelectual, havia bases sólidas o suficiente para uma ação afirmativa da União, com vistas à adoção de um conjunto de regras próprias que fosse de encontro aos direitos de representação das localidades existentes no território de Colúmbia.

No caso da República brasileira, os legisladores apostaram alto: aprovaram o estabele- cimento de um Distrito da União ao mesmo tempo em que se manteve, por prazo indeterminado, a sede do governo no Rio de Janeiro, a maior e mais importante cidade do país. Como já tivemos oportunidade de acompanhar os altos custos políticos dessa decisão, talvez valha a pena, a título de hipótese, levantar algumas possíveis razões que teriam levado o poder central a adiar ad infinitum a medida que previa a mudança da sede do governo.

Descartemos, de imediato, a tese da inércia política; ambas (a tese e a própria) não nos levam a lugar nenhum. Afinal, haja vista a quantidade de vezes que este tema entrou em pauta durante as diferentes fases da República, não nos parece que tudo se tenha resumido a uma atávica inação ou mesmo a pouco apetite político para levar adiante a medida em tela. A meu ver, a Repú- blica brasileira, nesse caso em particular, terminou por acompanhar não a conhecida direção norte- americana, e sim a da República Argentina, nossa histórica rival nas Américas.

Em meados do século XIX, no contexto das lutas pela formação do Estado Nacional argen- tino, as principais lideranças políticas daquele país, também inspiradas na experiência norte-americana, discutiram várias vezes a necessidade de se estabelecer a sede do governo fora da província e da cidade de Buenos Aires. Vencida pelas armas a resistência regionalista dos portenhos, as forças nacionalistas que empalmaram o poder na década de 1880 trataram rapidamente de colocar de lado qualquer iniciativa nesse sentido. Para os novos detentores do poder, um governo estabelecido fora de Buenos Aires estaria sempre ameaçado pela força militar, econômica e política da província e da cidade (Botana, 1994). Quando verificamos o desequilíbrio do federalismo argentino, levando em conta a força da cidade de Buenos Aires, bem sabemos que se trata de um caso-limite. No começo da República, o Rio de Janeiro não era obviamente Buenos Aires (para desgosto de muitos intelectuais e políticos). De qualquer forma, tratava-se de operação arriscada para o poder que ora se estabelecia deixar intei- ramente livre o centro econômico, político e cultural do país — também antiga Corte imperial e sede de importantes guarnições militares. Quando o primeiro presidente civil, Prudente de Morais, fran- queou a existência de um governo autônomo na sede do governo, a crise política só fez prosperar. Bem mais tarde, Vargas repetiria a dose ao avalizar o autonomismo do prefeito Pedro Ernesto. As enormes pressões políticas, advindas de diferentes setores, fizeram com que o presidente tratasse de abater o antigo aliado em pleno vôo (Sarmento, 2001:204-214). Também não foi por acaso que Jus- celino Kubitschek, após decidir pela transferência da capital para Brasília, relutou o quanto pôde em definir o estatuto da cidade do Rio de Janeiro. Chegou mesmo a instar o seu ministro da Justiça, Cirilo Júnior, a apresentar um projeto que transformasse a cidade do Rio de Janeiro em território federal (Motta, 2001:73-74). Nada disso foi adiante, e a nova cidade-estado da Guanabara cairia célere em mãos oposicionistas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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No documento Cidade: história e desafios (páginas 186-190)