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Emergências valorativas: o que dizem os enunciados a respeito das imagens de Frida

4.1 Os enunciados/cartas vistos à luz da teoria bakhtiniana

4.1.1 Emergências valorativas: o que dizem os enunciados a respeito das imagens de Frida

Iniciamos esta seção retomando alguns pontos que problematizamos no capítulo teórico sobre as relações dialógicas dentro dos enunciados e sobre a construção de imagens valoradas ideologicamente ou, como nomeia a análise do discurso de base francesa, o ethos para alcançar um projeto discursivo. Como observamos, a construção de um enunciado se dá no embate de vozes e de posicionamentos. Em outras palavras, ela é a construção de um diálogo entre vozes do discurso. Muitas dessas vozes e/ou imagens só podem ser apreendidas se observarmos o enunciado de modo mais cuidadoso, pois nem sempre elas podem ser percebidas explicitamente dentro dos enunciados.

No instante em que entramos em contato com as cartas selecionadas para esta pesquisa, percebemos a presença de rastros de estilo ou escolhas lexicais que darão o tom, a forma e o modo com os quais, na arquitetônica dos enunciados/cartas, Frida irá construir uma imagem de si. Mesmo que essa imagem axiológica não corresponda àquilo que realmente ela pretendia. Não é esse o caso que move esta pesquisa. Trata-se, portanto, do ethos que ela, ao fazer determinadas escolhas, constrói. Verdadeiro ou não, correspondente à realidade ou não.

Sendo assim, subdividimos as categorias que obtivemos diante da observação do corpus e, após submeter às cartas/enunciados ao crivo de nosso olhar exotópico, obtivemos as categorias que elencamos no quadro e que agora colocamos para deixar bem claro: Vocativos: o enquadramento que Frida dá ao outro; perguntas retóricas: apenas do jogo interlocutivo? Uma Frida que pede para ser amada; as adjetivações de si; as metáforas; assinaturas e/ou despedidas: o enquadramento que Frida dá a si.

Diante desse panorama, é importante ressaltar que outras recorrências também surgiram durante a investigação que fizemos. As pistas estilísticas apontam para várias imagens fridianas ao longo dos enunciados/cartas. Porém, optamos pelas

recorrências que nos ajudaram a compor essas imagens com graus de passionalidades distintas por uma questão metodológica e espaço-temporal. Não teríamos condições de dar conta de todos esses acabamentos axiológicos que são dados à Frida Kahlo. Nosso foco aqui será somente nos recortes categóricos que apontamos nos parágrafos anteriores e na seção metodológica.

Passemos agora ao quadro de recorrências que decidimos montar a partir do que emergiu do corpus em análise. Abaixo, veremos, mais claramente, como a divisão feita por nós se apresentará durante a análise e que categorias nos fala da composição imagética de Frida neste recorte epistolar:

Cartas apaixonadas de Frida Kahlo

 Vocativos: o enquadramento que Frida dá ao outro  Perguntas retóricas: apenas

do jogo interlocutivo? Uma Frida que pede para ser amada

 As adjetivações de si  As metáforas

 Assinaturas e/ou despedidas: o enquadramento que Frida dá a si

 Vocativos: o enquadramento que Frida dá ao outro  Perguntas retóricas: apenas

do jogo interlocutivo? Uma Frida que pede para ser amada

 As adjetivações de si  As metáforas

 Assinaturas e/ou despedidas: o enquadramento que Frida dá a si

 Vocativos: o enquadramento que Frida dá ao outro  Perguntas retóricas: apenas

do jogo interlocutivo? Uma Frida que pede para ser amada

 As adjetivações de si  As metáforas

 Assinaturas e/ou despedidas: o enquadramento que Frida dá a si

Cartas a Alejandro Cartas a Diego Cartas a Muray

Ethé de passionalidades distintas

Quadro de categorias

4.3 Análises dos enunciados/cartas: as cores passionais na paleta diversificada de Frida

Procederemos à análise do primeiro bloco de enunciados e, inicialmente, teceremos alguns comentários e considerações que abarcam a forma composicional, a forma do conteúdo e a forma do material.

4.3.1 Os enunciados rosas-chás: os indícios juvenis de um ser amante11

Nesse primeiro bloco trabalharemos com as duas cartas, destinadas a Alejandro Gómez Arias (primeiro namorado de Frida), que selecionamos. Para traçarmos melhor um perfil desse interlocutor inicial de Frida recorremos à voz de Herrera (2011), que escreveu a biografia de Frida Kahlo. A respeito de Alejandro, o biografista afirma:

[...] Conhecido como orador brilhante e carismático, divertido contador de histórias, estudante erudito e bom atleta, Alejandro era também bonito: testa alta, olhos pretos e de expressão suave, nariz aristocrático e lábios de formas delicadas. Suas maneiras eram sofisticadas e um pouco dégagé. Quando falava, fosse sobre política, Proust, pintura ou sobre as fofocas da escola, suas ideias fluíam com a mesma facilidade da água corrente; contudo, para Alejandro a conversação era uma arte, e ele orquestrava cuidadosamente seus silêncios, sempre mantendo a plateia extasiada e absorta. [...] ele sabia brincar com as palavras como um malabarista, mas o afiado tridente de sua sátira era devastador. A voz melíflua do jovem orador, seus braços graciosos desenhando arcos no espaço e cruzados sobre o peito, os olhos cheios de paixão, olhando para o alto em busca de inspiração, eram cativantes. (HERRERA, 2011, p. 53).

Durante esse período, como já havíamos falado antes, Frida estudava na Escola preparatória nacional do México. Secretamente, ela mantinha um relacionamento com Alejandro (seu interlocutor nos dois primeiros enunciados), pois o namoro não fora

11 Nesse caso queremos esclarecer que afastamos o sentido “negativo” do termo (pessoa que tem relações

sexuais extraconjugais). A opção pelo adjetivo “amante” se deu para dar destaque ao ser que ama. Na definição 1 do Dicionário Houaiss: que(m) ama; apaixonado.

aprovado pelos pais de Frida. O jovem casal se encontrava clandestinamente. Muitas vezes Frida chegou a mentir para sua mãe, pois voltara tarde da escola.

Na ocasião em que Frida produziu os dois primeiros enunciados que passaremos a analisar (doravante Enunciado 1 ou E1 e Enunciado 2 ou E2), ela trabalhava com o pai em seu estúdio fotográfico. Esses escritos têm um tom mais sexual, pois, a essa altura da vida, Frida já havia tido experiências sexuais. E o próprio Alejandro, em entrevista a Hayden Herrera, relembra: “Frida era sexualmente precoce. Para ela, o sexo era uma forma de desfrutar a vida. Um tipo de impulso vital” (HERRERA, 2011, p.59).

Ainda sobre os planos de Frida no momento que escrevia E1 e E2, observamos que havia um sonho de fugir com o namorado para os Estados Unidos; contudo eles não possuíam recursos financeiros para tal aventura e, talvez por isso, ela dizia juntar os trocados que ganhava com pai. Falaremos um pouco mais sobre esse sonho quando formos analisar o Enunciado 2.

Passemos agora aos Enunciados 1e 2:

Enunciado 1

Jueves, 25 de diciembre de 1924

1

Mi Alex:

2

Desde que te vi te amé. ¿Qué dice usted? (?) Como probablemente van a

3

ser varios los días que no nos vamos a ver, te voy a suplicar que no te vayas a

4

olvidar de tu mujercita linda, ¿eh?... a veces en las noches tengo mucho miedo y

5

yo quisiera que tú estuvieras conmigo para que no me dejaras ser tan miedosa y

6

para que me dijeras que me quieres igual que antes, igual que el otro diciembre,

7

aunque sea yo una “cosa fácil” ¿verdad Alex? Te tienen que ir gustando las cosas

8

fáciles… Yo quisiera ser todavía más fácil, una cosita chiquita que nada más

9

trajeras en la bolsa siempre, siempre… Alex, escríbeme seguido y aunque no sea

10

cierto dime que me quieres mucho y que no puedes vivir sin mí…

11

Tu chamaca, escuincla o lo que tú quieras.

12

13

FRIEDA

14

15

El sábado te llevaré tu suéter y tus libros y muchas violetas, porque hay

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cantidades en la

17

Enunciado 2

1 de enero de 1925

1

Contésta-me contésta-me contésta-me contésta-me contésta-me

2

3

4

5

6

¿Sabe usted la noticia?

7

Mi Alex: A las once recogí tu carta, pero no te contesté ahora mismo porque

8

como tú comprenderás no se puede no se puede escribir ni hacer nada cuando está uno

9

rodeado de manada, pero ahorita que son las 10 de la noche, que me encuentro sola y mi

10

alma es el momento más apropiado para contarte lo que pienso… Acerca de lo que me

11

dices de Anita Reyna, naturalmente ni de chiste me enojaría, en primer lugar, porque

12

no dices más que la verdad, que es y será siempre muy guapa y muy chula y, en segundo

13

lugar, que yo quiero a todas las gentes que tu quieres o has querido (?) por la

14

sencillísima razón de que tú las quieres. Sin embargo, eso de las caricias no me gustó

15

mucho, porque a pesar de que comprendo que es muy cierto que es chulísima, siento algo

16

así… vaya, cómo te diré, como envidia ¿sabes?, pero eso sólo es natural. El día que

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quieras acariciarla, aunque sea como recuerdo, acaricias a mí y te haces las ilusiones de

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que es ella ¿eh? ¿Mi Alex?... Oye, hermanito, ahora en 1925 nos vamos a querer mucho,

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¿eh? *(Dispensa que repita mucho la palabra “querer”, cinco veces de a tiro, pero es que

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soy un poco maje.) No te parece que vayamos en diciembre de este año, hay mucho

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tiempo para arreglar todos los asuntos, ¿no crees? Dime todo lo que le encuentres de

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malo y de bueno y si de veras te puedes ir, es bueno que hagamos algo en la vida ¿no te

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parece? Cómo nos vamos a estar nada más de majes toda la vida en México; como para

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no hay cosa más linda que viajar, es un verdadero sufrimiento el pensar que no tengo la

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suficiente fuerza de voluntad para hacer lo que te digo, tú dirás que nada más se

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necesita fuerza de voluntad, sino antes que nada la fuerza de la moneda o (moscota),

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pero se junta eso trabajando un año y ya los demás pues es más fácil ¿verdad? Pero

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como yo la mera verdad no sé muy bien de estas cosas, es bueno que tú me digas qué

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tiene de ventajas y qué desventajas y si de veras son muy desgraciados los gringos.

30

Porque tienes que ver que de todo esto que te escribo desde la crucecita hasta this

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renglón, mucho hay de castillos al aire y es bueno que me desengañe de una vez…

32

A las 12 de la noche pensé en ti mi Alex ¿y tú? Yo creo que también porque me

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sonó el oído izquierdo. Bueno, como ya sabes que “Año Nuevo vida nueva”, tu

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mujercita va a ser este año no peladilla de a 7 pe, kilo, sino lo más dulce y bueno que

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hasta ahora se haya conocido para que te la comas enterita a puros besos.

36 37

Te adora tu chamaca

38

FRIDUCHITA

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(Un Año Nuevo muy feliz para tu mamá y hermana)

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Inicialmente, consideremos as escolhas que fazem parte da forma composicional de cada enunciado. Em E1 Frida não rompe, tão bruscamente, com a forma canônica do gênero em questão (carta pessoal). A autora-criadora responde aos moldes, que são exigidos pelo contexto histórico e cultural, para a construção de sua cara/enunciado: dia da semana e a data (linha 1 de E1 – optamos por, a partir de agora, usar a forma abreviada para identificar as linhas em cada enunciado. Ex.: L1); vocativo na L2; despedida na L12; assinatura na L14; e uma espécie de Post-scriptum nas L16 e 17. Da forma canônica, sentimos falta apenas do local que, comumente, apresenta-se ao lado da datação. Essa é uma ruptura que se apresentará em todas as cartas que Frida escreveu.

No que diz respeito ao corpo do texto, observemos que há uma diferença muito grande entre E1 e E2. Em E1, Frida apresenta um texto mais curto, com pouca extensão, enquanto que no E2 identificamos um prolongamento no tamanho do texto. Apesar de os dois enunciados serem construídos em apenas dois parágrafos – o que gera certa desconfiança de nossa parte, pois ambos são cheios de supressões feitas, muito provavelmente, pela pessoa que trabalhou com os textos no original12 – há uma diferença marcante na forma de construção dos primeiros parágrafos de cada enunciado (E1 e E2). Ou seja, o primeiro parágrafo do Enunciado 1 é bem maior que o primeiro parágrafo do Enunciado 2. Observemos também a diferença de extensão textual entre os segundos parágrafos de ambos.

12 Não foi possível trabalharmos com os documentos originais, pois tratava-se de uma questão legal. Esse

fator, aliado ao fato de que desconfiávamos das supressões feitas nas cartas de Frida, talvez tenha nos levado a uma análise de recortes restritos. Porém, não temos dúvida de que, diante do corpus em análise, pudemos levantar características de Frida Kahlo através das pistas estilísticas com as quais dialogamos.

No entanto, essas diferenças parecem-nos responder a um padrão paralelístico que Frida seguia no início de seus escritos a Alejandro. Basta olharmos, estruturalmente, para cada Enunciado e veremos que há uma semelhança na forma como ela constrói essas duas cartas. Em um movimento de “solavanco”, como quem fala tudo de em uma única tacada, sem gerar expectativas – como se temesse não ter tempo para falar tudo o que queria, ou, até mesmo, como se não soubesse esperar para falar.

Outro movimento da forma que pode se unir às informações do parágrafo anterior para fortalecer nossa opinião é a presença de frases curtas e com poucas intercaladas e explicativas.

Essas escolhas no conteúdo da forma vão revelando uma pressa e uma imaturidade em lidar com a linguagem epistolar. Não gerar expectativas, ir direto ao assunto de maneira abrupta e incisiva nos revela, diante das recorrentes escolhas, uma menina adolescente “afobada”, imatura, deslumbrada com a possibilidade de amar pela primeira vez. Por exemplo, na L3 de E1 [...] Desde que te vi te amé[...] Frida não espera para falar que ama Alejandro desde a primeira vez que o viu, não há “floreios”, rodeios, muito menos longas frases carregadas de adjetivos ou metáforas para expressar o sentimento que a envolve naquele momento.

Ao observarmos uma primeira ação enunciativa da autora-criadora, ou seja, os vocativos – categoria que resolvemos chamar de: o enquadramento que Frida dá ao outro – podemos constatar que, no que tange ao acabamento estético dado por Frida a Alejandro, o primeiro interlocutor do conjunto de cartas deste corpus, há um sentimento de posse que se revelará nos pronomes possesivos recorrentes nas duas cartas/enunciados que se dirigem a Alejandro Gómez Arias. Consideremos como exemplo os excertos abaixo:

E1, L2: Mi Alex E2, L10: Mi Alex

Em ambos, o uso, não aleatório, dessa palavra e na posição em que se encontra (precedendo o nome e não ao contrário) nos revela um acabamento estético dado por um ser que via o jogo amoroso como uma questão de conquista, de batalha. E, como ela “ganhara o direito” de tê-lo como amante (um ser que é amado), sentia-se muito à vontade para tratá-lo como algo que lhe pertencia. Não um pertencimento do

amor insano, mas um pertencimento de quem acreditava que não havia prazo de validade para o amor, de quem acreditava que o amaria para sempre e gostaria muito de ser correspondida.

Por outro lado, o uso dessa palavra de maneira tão enfática, pois será recorrentemente utilizada, principalmente, nos vocativos, nesse bloco de enunciados, revela que Frida enxergava em Alex (essa era a forma como Frida o chamava) um bem preciosíssimo e fazia questão de lembrá-lo disso, assim como lembrar que ele pertencia a ela, pelo menos como objeto de desejo, ao qual ela oferecia todo seu amor juvenil.

Em se tratando das formas que a autora escolhe para tratar com seus pares, nesse caso Alejandro, e da construção dessa imagem passional inocente, encaixamos no bloco dos vocativos apenas essa recorrência, que se apresentará, também, em outros blocos de enunciados, em que Frida escolhe, para evocar a presença do interlocutor na cena enunciativa, um diminutivo do substantivo hermano (irmão). Ex.: E2 L19 Oye, hermanito[…]. Para nós, essa escolha revela um tom fraternal, que revela ainda mais a imaturidade fridiana para tratar, nessa fase de sua vida, seus amores.

No âmbito da construção da imagem de Frida, por meio da observação de suas escolhas lexicais, nos indagamos: haveria pensamento mais ingênuo e inocente, típico de fases imaturas da vida humana, do que a conclusão desse sentimento de pertencimento do outro, simplesmente por ele nos mover para o amor, ou nos fazer amar pela primeira vez? Como fora a primeira vez que nos apaixonamos? Teria Frida sido enganada por sua falta de experiência com relacionamentos amorosos?

Consideramos tais questionamentos muito ousados e caminhos que podem nos desviar do foco principal de nossa pesquisa. Eles, para nós, apontam na direção de uma menina, essa figura pueril que Frida veste para com Alex e que, desde muito cedo, já lida de maneira muito intensa com o amor, ou por que não dizer de maneira muito passional.

Falando ainda das quebras vocativas que Frida faz ao optar por maneiras pouco convencionais ao tecer seus enunciados/cartas, voltaremos nosso par de óculos, agora, para o E2 e a abertura poética que inicia na L2 e se estende até a L6. Vejamos o excerto do qual falamos:

Nesse rompimento com a forma canônica da abertura de cartas, Frida foge totalmente às estruturas do parágrafo – para o caso do texto em prosa – e constrói uma estrofe de cinco versos e nesta, imperativamente, pede que Alex responda à sua carta. Essa ruptura revela uma imagem de um sujeito que brinca com a linguagem e que não se restringe ao que é colocado como norma, não há medo de más interpretações ou contestações advindas de seu público-alvo.

Podemos, diante dessa recorrência, afirmar que este é um caso claro onde dois gêneros se misturam. Há aqui a presença de duas linguagens, pois, sob forma de poema, inserido no lugar da saudação inicial (lugar específico no gênero discursivo carta pessoal), Frida suplica em uma espécie de mantra amoroso que seu interlocutor lhe responda. Suplica e ao mesmo tempo ordena.

Sobre esse fenômeno plástico dos gêneros discursivos, Bakhtin (2003, p. 262) chama a nossa atenção para a extrema heterogeneidade desse arcabouço cultural: “A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana [...]”. Quanto ao fenômeno da intergenericidade – termo que amadureceu nos estudos da ADD – no enunciado, enquanto elemento que compõe o jogo dialógico, Bakhtin (2003, p. 284) assevera:

A maioria desses gêneros se presta a uma reformulação livre e criadora (à semelhança dos gêneros artísticos, e alguns talvez até em maior grau), no entanto o uso criativamente livre não é uma nova criação de gênero – é preciso dominar bem os gêneros para empregá- los livremente.

E costura:

Os gêneros do discurso, comparados às formas da língua, são bem mais mutáveis, flexíveis e plásticos [...] Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva. (BAKHTIN, 2003, p. 285-297). con tésta -me c on tésta -me con tésta -me con tésta -me L2 con tésta - me L3 L4 L5 L6

Dessa forma, atravessados pela compreensão do filósofo russo, a ADD nomeia a mescla de gêneros (situação em que um gênero assume a função de outro) como diálogo entre gêneros. Em outras palavras, um fenômeno segundo o qual um gênero pode assumir a forma de outro gênero tendo em vista o propósito comunicativo.

Destarte, acreditamos que o interlocutor também colabora para essa liberdade expressiva e lírica presente no excerto acima. Não é por acaso que fizemos tal recorte empírico. Frida brinca nessa abertura porque seu projeto de dizer e a cena enunciativa na qual se insere permite a construção dessa imagem lúdica e jovem.

Numa outra vertente, a escolha verbal e a disposição rítmica nos versos nos leva a crer que existe nesse trecho do E2 uma tentativa desesperada por obter correspondência afetiva. As reiteradas ordens ou pedidos (contésta-me contésta-me contésta-me...) hiperbolizam a vontade e a sede que a autora tinha por um regalo enunciativo. Uma resposta positiva ao amor tão intenso que esta sentia, ainda que fosse algo sem grandes exageros como a abertura de sua carta (E2). Teremos aqui, portanto, mais uma prova dessa falta de paciência, dessa inaptidão em esperar, que é tipicamente juvenil e que demonstra uma Frida com atitudes muito passionais com relação ao ser amado.

Dessa maneira podemos avaliar: o que Frida estabelece, nesse momento de sua vida, com a construção de vocativos singulares e estilizados, são critérios de uma enunciação individual, uma forma peculiar que ornava seus enunciados de acordo com seu estilo.

No âmbito das recorrências perscrutadas por nós, passemos agora às indagações que aparecem à exaustão em todos os seis enunciados que analisaremos neste capítulo. A este ponto resolvemos nomear de Perguntas retóricas: apenas o jogo interlocutivo? Uma Frida que pede para ser amada.