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Os enunciados magentas: marcas de uma paixão mais intensa

4.1 Os enunciados/cartas vistos à luz da teoria bakhtiniana

4.3.2 Os enunciados magentas: marcas de uma paixão mais intensa

A partir de agora, passaremos a analisar o segundo bloco de enunciados. Dessa vez os enunciados/cartas estão endereçados a Diego Rivera, o marido de Frida. Antes de adentrarmos na análise, vejamos o que diz Herrera (2011) sobre esse homem que vai marcar profundamente a vida da pintora.

Diego tinha 41 anos quando conheceu Frida, e era o artista mais famoso – e mais mal-afamado – do México. Sem dúvida, já tinha pintado mais paredes do que qualquer outro muralista. Ele pintava com tamanha fluência e velocidade que às vezes parecia tomado por uma força telúrica. [...] Quando pintava, Rivera vivia cercado de amigos e curiosos, a quem regalava com histórias fantasiosas – dizia, por exemplo, ter lutado na Revolução Russa, ou jurava ter experimentado um regime à base de carne humana. [...] Apesar das palhaçadas, e embora a velocidade com que pintava desse a impressão de improviso, Rivera era um profissional completo, ponderado e experiente, que produzia pinturas desde os três anos de idade, quando o pai, depois de ver o filho rabiscando as paredes, deu-lhe um quarto

forrado de lousas, para que ele pudesse desenhar à vontade. [...] O primeiro emprego de Diego na Cidade do México foi pintar o mural intitulado Criação, no anfiteatro da Escola Nacional Preparatória. (HERRERA, 2011, p.107)

E continua:

Em 1928, quando Frida o conheceu, Rivera estava solto no mundo. Tinha viajado à Rússia em Setembro de 1927 como membro da delegação de “operários e camponeses” para participar do décimo aniversário da Revolução de Outubro e pintar um afresco no Clube do Exército Vermelho, projeto que jamais chegou a concluir, pois sempre parecia haver uma ou outra obstrução burocrática; em Maio de 1928, o muralista foi chamado de volta às pressas pelo Partido Comunista do Mexicano, aparentemente para trabalhar na campanha presidencial de Vasconcelos [...] Embora fosse inegavelmente feio, Rivera atraía mulheres com a facilidade natural de um ímã atraindo limalha. [...] Diego era um príncipe sapo, um homem extraordinário, de humor brilhante e charme e vitalidade exuberantes. Sabia ser afetuoso e era profundamente sensual. O mais importante: era famoso, e para algumas mulheres a fama pode ser um chamariz irresistível. Diz-se que as mulheres caçavam Diego mais do que ele ia atrás delas. Ele era perseguido especialmente por certas jovens turistas norte-americanas que julgavam que ter um encontro com Rivera era “obrigatório”, como visitar as pirâmides de Teotihuacán. (HERRERA, 2011, p.112). A fama de Diego precedia sua vida com Frida. Ele havia se casado na Rússia, mas se separou de sua esposa antes de retornar à Cidade do México. Não existem registros a respeito do que Frida pensava da fama de mulherengo que acompanhava Diego quando o conheceu. Talvez a volubilidade de Rivera a tenha atraído; talvez ela tenha se aferrado àquela velha e enganosa esperança: eu serei a mulher que vai cativar e prender o amor dele. Obviamente, os dois se amaram intensamente, mas não sem conflitos.

Pelo fato de Diego ser, também, pintor e ter alcançado uma fama bem antes que Frida, alguns jornalistas ousaram compará-los, ou até mesmo insinuar que Frida bebera unicamente da fonte afamada do Diego Rivera. Contudo, ela fazia questão de pontuar que nunca havia estudado com Diego. Aliás, nunca estudara com ninguém. Apenas começou a pintar, segundo ela.

Em uma de suas entrevistas a uma jornalista do Detroit News, descrita por Herrera (2011, p.200), Frida, jocosamente, ironiza as especulações asseverando: “Obviamente, ele até que não é nada mal para um menino, mas eu é que sou a grande artista.” A jornalista ainda descreve o olhar de Frida após a resposta: “Depois seus dois

olhos negros cintilam e explodem em uma gargalhada formidável.” E assim, Frida debochava da preocupação exacerbada da mídia da época em explicar suas obras.

Como já havíamos falado anteriormente, os enunciados/cartas que analisaremos a partir de agora são destinados a Diego. Eles foram produzidos em períodos distintos: Enunciado 3 em julho de 1935 e o Enunciado 4 em dezembro de 1938

No primeiro, produzido um ano antes do turbilhão de uma das maiores crises, para não dizer a maior, que Frida enfrentaria em seu relacionamento com Diego – a traição com sua irmã Cristina Kahlo – ela, chateada com as inúmeras traições “a céu aberto”, escreve para o seu amado na intenção de questioná-lo e com a esperança de mobilizar alguma resposta que a levasse a crer que ele estava preocupado em esconder suas fugas amorosas, e, consequentemente, cuidando para que Frida não sofresse com isso.

Na segunda carta, temos a construção de uma cena enunciativa mais específica, pois ela é uma resposta à carta que Diego escreveu buscando dissuadir Frida da ideia de desistir de expor na França. Para facilitar a compreensão desta aos nossos leitores, resolvemos anexar (anexo I) a carta que Diego escreveu para Frida e que gerou a resposta que, agora, analisaremos com enunciado/carta, na intenção de traçar um perfil discursivo-estilístico passional diante desse interlocutor amado.

Vejamos os dois enunciados/cartas deste bloco de análise e que, a partir de agora, chamaremos de E3 e E4:

Enunciado 3

23 de julio de 1935

1

...

2

3

Por casualidad vi una carta en un abrigo, un derecho que pertenece al hombre,

4

una mujer que viene de lejos y sangrienta Alemania. Creo que debe ser la señora que

5

Willi Valentiner

13

envió con fines “científicos”, artísticos” y “arqueológicos”… que me

6

hizo enojada y, a decir la verdad, celosa…

7

¿Por qué tengo que ser tan terca y obstinada hasta el punto de no

8

entendimiento que todas esas cartas, aventuras con mujeres, maestras de “inglés”,

9

modelos gitanas, asistentes con “buenas intenciones”, “emisarias plenipotenciarias de

10

sitios lejanos”, sólo constituyen flirteos. En el fondo, tú y yo nos queremos muchísimo?

11

¿Por lo cual soportamos un sinnúmero de aventuras, golpes sobre puertas, referencias

12

nuestras madres, imprecaciones, insultos y reclamaciones internacionales, pero siempre

13

nos amaremos? Creo que lo que está sucediendo es que soy un poco estúpida y una

14

tonta, porque todo eso sucedió y se han repetido todas estas cosas a través de los siete

15

años que llevamos viviendo juntos. Todos los corajes que he hecho sólo han servido para

16

hacerme comprender, por fin, que te quiero más que a mí propio pellejo y que tú sientes

17

algo por mí, aunque no me quieras en la misma forma. ¿No es cierto? Si esto no es

18

cierto, yo siempre tengo la esperanza de que va a ser , y esto es suficiente para mí…

19 20

Ámame un poco

21

Te amo

22

Frieda

23

13 Wilhelm Valentiner nasceu em Karlsruhe (Baden), e estudou em Heidelberg sob Henry Thode, e na

Holanda com Cornelis Hofstede de Groot e com Abraham Bredius, cujo assistente estava na galeria de Haia. Em 1905, ele foi chamado para Berlim por William Bode, com quem trabalhou no Museu Kaiser Friedrich e Kunstgewerbe Museum. Em 1906, publicou sua dissertação sobre Rembrandt iniciada em 1904: Rembrandt auf der Lateinschule. Em 1907, foi nomeado curador do departamento de artes decorativas no Metropolitan Museum, em Nova York, o qual sob a sua supervisão se tornou um dos mais avançados do mundo.

1

Enunciado 4

8 de Diciembre de 1938

1 2

Niño mío…

3 4

Son las seis de la mañana

5

y los guajolotes cantan,

6

calor de humana ternura

7

Soledad acompañada

8

Jamás en toda la vida

9

olvidaré tu presencia

10

Me acogiste destrozada

11

y me devolviste entera

12

Sobre esta pequeña tierra

13

¿dónde pondré la mirada?

14

¡Tan inmensa, tan profunda!

15

Ya no hay tiempo, ya no hay nada.

16

Distancia. Hay ya sólo realidad

17

¡Lo que fue, fue para siempre!

18

Lo que son las raíces

19

que se asoman transparentes

20

transformadas

21

En el árbol frutal eterno

22

Tus frutas dan sus aromas

23

tus flores dan su color creciendo con la alegría

24

de los vientos y la flor

25

No dejes que le dé sed

26

al árbol del que eres sol,

27

que atesoró tu semilla

28

Es “Diego” nombre de amor.

29 30

De la gran ocultadora

31

Frieda

32

O desdobramento do Enunciado 3 está diretamente ligado ao modo como Frida inicia esta carta. Se observarmos bem o início do E3, veremos que existe uma pequena linha pontilhada entre a data e o primeiro parágrafo. Essa linha contínua, na nossa perspectiva, pode indicar algumas supressões feitas ou pela própria Frida, ou pelos compiladores das cartas. Possivelmente, algumas garatujas indecifráveis que se tornaram traços recorrentes da escrita fridiana. Porém, são indagações que não aviltamos responder.

Assim, é possível constatarmos que não há vocativo, nem, tampouco, saudação inicial. Concluímos, então, que o interlocutor de Frida, aqui, é Diego pelas várias remissões que autora faz durante a construção do enunciado ao grande amor de sua vida, mesmo quando estas remetem aos dois – o casal – pois não há remissões tão intensas, numa perspectiva de futuro, de querer estar com o ser amado no futuro, em outros enunciados com um interlocutor que não seja Diego.

Vejamos:

E3

L3 […] un derecho que pertenece al hombre L11 [...]tú y yo nos queremos muchísimo

L12 ¿Por lo cual soportamos un sin número de aventuras, golpes sobre puertas, referencias

L13 nuestras madres, imprecaciones, insultos y reclamaciones internacionales, pero siempre

L14 nos amaremos?

Partindo disso e recorrendo aos traços discursivos que caracterizam esse gênero como carta pessoal, podemos afirmar que Frida rompe com o estilo funcional do gênero e começa transgredindo a ordem no que tange à macroestrutura. O que, de cara, já singulariza a escrita da autora e ensaia um ethos passional transgressor em E3.

Por outro lado, no Enunciado 4 vemos uma situação completamente diferente. E é por acreditarmos na influência do conteúdo temático sobre as escolhas de Frida em E4 que assinalamos a falta de vocativo em E3 e a presença de um vocativo em E4. Sabemos que o motivo que levou a pintora mexicana a produzir o Enunciado 4 tem uma carga emocional distinta do motivo pelo qual ela produz o E3.

L3 Niño mío…

Nessa cenografia, o vocativo dá vez e voz a uma Frida que se vê diante do maior amor de sua vida. A utilização do possessivo mío é uma marca recorrente que a acompanha desde Alejandro. No entanto, temos a introdução de um elemento fulcral na composição desse vocativo, que nada mais é do que o substantivo Niño servindo como adjetivo.

Em outras palavras, há um acabamento dado a Diego que o coloca como criança de Frida. Mais uma vez o ser amado vira objeto de pertencimento. Mas, agora, Frida transforma o Sapo-gordo14 em um menino amado. Com esse vocativo, Frida preenche, com o amor que sentia por Diego, a lacuna existente em seu lado materno, pois não podia ter filhos por causa do acidente que dilacerara sua coluna e se sentia incompleta com isso. Não é à toa que a autora o nomeia assim, especialmente em E4.

Desta feita, não nos é difícil afirmar que a intensidade que há no comportamento passional de Frida com relação a Diego é muito maior do que com relação aos outros interlocutores que compõem o recorte deste corpus.

Consideremos, também, ainda em E4, as escolhas estilísticas no âmbito da organização composicional, como, por exemplo, a disposição em versos diante de um parâmetro predefinido. Tal composição se encontra compactada em uma única estrofe de vinte e cinco versos. Frida compõe esse enunciado/carta escolhendo versos que vão desde hexassílabos até bárbaros. Dessa forma, podemos afirmar que Frida nunca teve a intenção de responder aos modelos canônicos no que diz respeito à tradição lírica.

Essa forma de organizar poeticamente e de colocar o texto em verso em um gênero prototipicamente escrito em prosa, demonstra a plasticidade dos escritos fridianos assim como sua ousadia em transgredir. Essa é uma marca recorrente nas construções das cartas de Frida. Muito possivelmente, assinala uma escrita que brinca com as possibilidades da linguagem, mas esse não é o nosso objetivo de pesquisa.

Voltemo-nos, agora, para E3. Aqui, Frida inicia o enunciado escolhendo um artifício em que buscava justificar o fato dela, supostamente, investigar os bolsos das roupas de seu esposo: L3 Por casualidad. Seria esse marcador discursivo, comumente utilizado para atribuir ao destino, à força do acaso as descobertas, acontecimentos,

14 Esse era um dos apelidos que Diego recebera nas rodas sociais mexicanas. Ele remetia para sua feiura e

acidentes, etc., uma tentativa de Frida mostrar que não ligava para as traições que Diego Rivera cometia? Acreditamos que não! Muito pelo contrário, já no fim do primeiro parágrafo a pintora mexicana esclarece seus sentimentos e toma como força valorativa o adjetivo L7 celosa, que em uma tradução literal significa enciumada.

Porém, antes de discutirmos as metáforas e das adjetivações, enquanto categorias de análise, gostaríamos de falar um pouco sobre as indagações retóricas e sobre o jogo de interlocução que consideramos como marcas do conjunto de escolhas que, aqui, são feitas pela autora-criadora. Para tanto, temos, neste bloco, apenas em E3:

L8 ¿Por qué tengo que ser tan terca y obstinada hasta el punto de no

L9 entendimiento que todas esas cartas, aventuras con mujeres, maestras de “inglés”, L10 modelos gitanas, asistentes con “buenas intenciones”, “emisarias plenipotenciarias de

L11 sitios lejanos”, sólo constituyen flirteos. En el fondo, tú y yo nos queremos muchísimo? […]

L12 […] ¿Por lo cual soportamos un sinnúmero de aventuras, golpes sobre puertas, referencias

L13 nuestras madres, imprecaciones, insultos y reclamaciones internacionales, pero siempre

L14 nos amaremos?[…]

L18 . ¿No es cierto?

Como vimos, na seção anterior, as indagações que Frida vai construindo durante a extensão de seus enunciados/cartas são marcas estilísticas que se repetem e chamam a nossa atenção para a presença maciça dessas escolhas que extrapolam o simples jogo de interlocução inerente ao gênero discursivo em questão.

No bloco magenta de enunciados não poderia ser diferente. Encontramos algumas indagações em E3 sobre as quais nos debruçamos, mais uma vez, por não

acreditarmos na simples convenção genérica. Frida escolhe questionar Diego de uma maneira bem própria. São perguntas que não abrem margem para uma resposta diferente da que a autora gostaria de ouvir, pois em sua grande maioria já perguntam afirmando. Como é o caso do exemplo na L18:

L17

y que tú sientes

L18 algo por mí, aunque no me quieras en la misma forma. ¿No es cierto?. Já em E4 encontramos apenas um questionamento que nos parece retórico. Nele Frida se questiona para onde olhar, ou para onde dirigir o olhar, pois sem a presença de seu amado ela não enxergava sentido ou extensão para o seu olhar. Para ela, a terra se apequenava diante da falta de seu amor e essa pequenez parecia sufocar Frida, a amante hiperbólica:

L14 ¿dónde pondré la mirada?

As indagações parecem-nos desenhar certa instabilidade no que diz respeito à certeza da correspondência vinda de seu amado Diego. Cada indagação se enche de um pedido desesperado por amor. As expressões, destacadas mais adiante, confirmam essa envergadura passional extrema, esse apelo ao amor do outro, essa vontade de ser amada com a mesma intensidade com que se ama. E, ainda que fosse pouco, em migalhas, a interessava receber esse amor. Como, mais uma vez, podemos observar: em E3, L11 En el fondo, tú y yo nos queremos muchísimo?; L13 pero siempre nos

amaremos?; L18 algo por mí, aunque no me quieras en la misma forma. ¿No es cierto?; e em E4, L14.

Em outras palavras, as interrogações a Diego definem a dúvida suplantada em Frida. A dúvida de quem não acredita que é amada, não acredita no amor do outro, a dúvida de quem implora por uma simples faísca de amor correspondido.

Voltemo-nos agora para as construções metafóricas e as adjetivações de si que Frida faz neste bloco de Enunciados tendo Diego como interlocutor.

No início de E3, amparados também pelos recursos gráfico-visuais que a autora utiliza em todo o texto, a utilização de aspas duplas, por exemplo, pensamos ser a escolha da locução adverbial de modo (L3 Por casualidad) um traço linguístico que irá

contribuir com a construção da ironia. Aliás, esse traço inicia um descarrilamento irônico que se desenrola por toda a extensão do primeiro parágrafo do Enunciado 3.

Entendemos, portanto, que para construir a ironia a autora faz uso recorrente de metáforas que, inicialmente, será a figura de estilo eleita por Frida para dar o tom desejado, pelo menos no início, do Enunciado 3.

Percebemos isso, também e, principalmente, na demarcação das aspas nas expressões substantivas e adjetivas a seguir: L6 “científicos”, artísticos” y “arqueológicos”; e L10 “buenas intenciones”, “emisarias plenipotenciarias de sitios lejanos”. É, especialmente, nesses pontos que encontramos uma marca irônica que vislumbra uma crítica velada às verdadeiras intenções das mulheres que se aproximavam de seu amado. Em tom de revolta, Frida, inconformada com tanta indiferença, sinaliza para Diego que sabe de suas latentes traições.

Porém, apesar de todo esse ataque, embora encoberto pela navalha da ironia, o que vai nos interessar é a passionalidade com que Frida conduz todo o resto do embate travado com seu coenunciador mais intenso e mais amado.

Assombrada pelo fantasma da paixão, ela, já no segundo parágrafo de E3, começa a orquestrar uma pergunta retórica que questiona todo seu posicionamento revoltado. Ao olhar para si, no movimento retórico do questionamento valorativo, proclama-se L8 “terca y obstinada”, e ainda afirma que essas “qualidades” a impedem de compreender o que ela representa na vida de Diego.

Ainda sob a égide da autocensura, escolhe como adjetivo para essas traições riverianas, que tanto maceraram seu corpo sentimental, a palavra piadas (sublinhada pela própria autora). E vai sublinhar, mais à frente, os pronomes L11 tú y yo e o intensificador L11 muchísimo . Tal sinalização nos parece continuar sinalizando a presença da ironia, mas a pergunta que se formata parece-nos pedir uma resposta positiva. Em algum momento, Kahlo espera ouvir de Diego que ela está correta. Ou ainda, parece implorar para que ele concorde com ela. Como já havíamos observado anteriormente.

No que diz respeito à escolha dos signos adjetivados em E3, são recorrentes os usos valorativos de autodepreciação que faz Frida assumir um lugar de vítima e, ao mesmo tempo, de apaixonada.

L14 […] soy un poco estúpida y una tonta, […]

Parecem-nos escolhas que estabelecem relações dialógicas com comportamentos típicos de quem está apaixonado. Só que vivendo em plenitude severa uma paixão que a machuca mais que a própria dor da carne.

Essa dor que evoca um comportamento de passionalidade intensa e extrema se plasma e se confirma, no campo da materialidade linguística, quando Frida constrói a metáfora: L17 [...]por fin, que te quiero más que a mí propio pellejo [...]. Essa metáfora elucida para nós a intensidade do amor e das dores provocadas por Diego nesse sujeito encarnado. Uma outra possibilidade de leitura nos leva a crer que a pintora não teria como matar esse amor, pois, metaforicamente, seria preciso arrancar a sua “própria pele”. Essa declaração é seguida de uma triste constatação sob forma de pergunta.

Continuando, em E4, temos uma vasta recorrência de metáforas que vão se compondo a partir do jogo criativo que Frida, agora mulher adulta, faz com as adjetivações.

Nesse enunciado/carta, Frida rompe com a forma composicional, com modalidade escrita em verso e escreve uma carta/poema, ou um enunciado lírico, que dá vazão a um ethos passional mais intenso, mais sensível e, agora, erudito. E4 é plasmado em um registro tido como culto da modalidade escrita da língua e, convencionalmente, poético. Mas uma poesia que se irmana muito mais da poesia marginal brasileira (década de 1970), ou da geração de 1930 – primeira geração genuinamente modernista – que quebrou com uma métrica parnasiana, mais fechada.

Nas construções metafóricas dotadas de adjetivações em suas estruturas sintagmáticas destacamos os seguintes excertos:

E4

L7 calor de humana ternura L8 Soledad acompañada L11 Me acogiste destrozada L12 y me devolviste entera L15 ¡Tan inmensa, tan profunda!

L16 Ya no hay tiempo, ya no hay nada. L17 Distancia. Hay ya sólo realidad L18 ¡Lo que fue, fue para siempre! L19 Lo que son las raíces

L20 que se asoman transparentes L21 transformadas

L22 En el árbol frutal eterno L23 Tus frutas dan sus aromas

L24 tus flores dan su color creciendo con la alegría L25 de los vientos y la flor

L27 al árbol del que eres sol, L28 que atesoró tu semilla

A metáfora que se inicia em L7 faz remissão à presença do próprio Diego na