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Emissão de debêntures por sociedades cooperativas

CAPÍTULO IV PROBLEMAS E QUESTÕES ATUAIS DAS DEBÊNTURES

1. EMISSÃO DE DEBÊNTURES POR SOCIEDADES LIMITADAS E COOPERATIVAS

1.2. Emissão de debêntures por sociedades cooperativas

À vista do que já se discorreu no tópico anterior, reconhece-se também que a sociedade cooperativa - regida pelo Código Civil (arts. 1.093 a 1.096) e pela Lei no 5.764, de 16 de dezembro de 1.971 -, é tipo societário compatível com a emissão de debêntures. Não há como diferençá-la das limitadas. A própria CVM reconhece expressamente a possibilidade de emissão de valores mobiliários pelas cooperativas. Além da Instrução CVM no 422/2005, referida anteriormente, a Instrução CVM no 480/2009, em seu artigo 33, parágrafo único, do mesmo modo que permite a emissão de notas comerciais pelas limitadas, também passou a admitir a emissão de notas comerciais do agronegócio (NCA) pelas sociedades organizadas sob a forma de cooperativa, conforme a seguir transcrito:

“Art. 33. […]

Parágrafo único. Além das formas societárias previstas no caput, emissores que emitam exclusivamente notas comerciais do agronegócio – NCA, para distribuição ou negociação pública, podem se organizar sob a forma de cooperativa agrícola.”

Como já mencionado, quando da análise da emissão por limitadas, a Audiência Pública no 05/2008 (Relatório de Análise SDM), realizada pela CVM, sobre a minuta da IN/CVM 476, também reconheceu a possibilidde de realização de ofertas públicas com esforços restritos pelas sociedades cooperativas, conforme nos recordou André Grünspun Pitta.433

433 Ob. cit., p. 527. Explica o autor: “À época em que a minuta da referida regulamentação foi submetida à

audiência pública, a própria Comissão de Valores Mobiliários reconheceu que não apenas as sociedades por ações, mas também outros tipos societários, como as sociedades limitadas e cooperativas, poderiam realizar as ofertas públicas de distribuição de valores mobiliários com esforços restritos de colocação objeto da mesma.”

É indiscutível, portanto, que a cooperativa comporta a emissão de valores mobiliários e, consequentemente, de debêntures. A questão que se coloca é a ausência de previsão de regência supletiva, tanto no CC como na lei especial, das normas das sociedades anônimas. Todavia, cabe lembrar que a Lei no 5.764/71 é anterior à atual LSA e à época as debêntures estavam disciplinadas em diploma específico. O regime do Decreto-lei no 2.627/1940 não previa a emissão de debêntures pelas companhias, regulando apenas a emissão de partes beneficiárias. As debêntures eram reguladas pelo Decreto-Lei no 781, de 12 de outubro de 1.938, o qual estabelecia em seu artigo 1o a possibilidade de emissão pela sociedade anônima, comandita por ações, ou por sociedade autorizada por lei especial434. A sociedade cooperativa poderia se enquadrar justamente nesta última hipótese, já que seu regime jurídico estava integralmente disciplinado em lei especial.

Ainda, como já afirmado na evolução histórico-normativa do direito brasileiro, é curioso notar que não consta revogação expressa do Decreto-Lei no 781/1938, podendo-se afirmar que parte do Decreto continua em vigor, especialmente no tocante à emissão de obrigações ou debêntures por sociedades autorizadas por lei especial, como é o caso das cooperativas, já que houve a revogação tácita da emissão por sociedades anônimas e comandita por ações, atualmente disciplinada pela LSA.

Por outro lado, a estrutura orgânica das cooperativas se assemelha em muito à adotada pelas anônimas, prevendo como órgãos sociais a assembleia, diretoria e conselho de administração, além do conselho fiscal (art. 56 da no 5.764/71435), que deve estar previsto, obrigatoriamente, no Estatuto. Além disso, o artigo 112 da Lei no 5.764/71436 estabelece que as demonstrações financeiras (balanço geral e relatório do exercício) das cooperativas devem ser submetidas à análise dos órgãos de controle437 e, a juízo destes, também ao crivo de

434

“Art. 1º Os empréstimos por obrigações ao portador (debentures) contraidos pelas sociedades anônimas, ou em comandita por ações, ou pelas autorizadas por leis especiais, criarão, quando tal condição constar do manifesto da sociedade e do contrato devidamente inscrito, uma comunhão de interesses entre os portadores dos títulos da mesma categoria, a saber, emitidos com fundamento no mesmo ato, subordinados às mesmas condições de amortização e juros, e gozando das mesmas garantias.” (grifo nosso)

435 “Art. 56. A administração da sociedade será fiscalizada, assídua e minuciosamente, por um Conselho Fiscal,

constituído de 3 (três) membros efetivos e 3 (três) suplentes, todos associados eleitos anualmente pela Assembléia Geral, sendo permitida apenas a reeleição de 1/3 (um terço) dos seus componentes.”

436 “Art. 112. O Balanço Geral e o Relatório do exercício social que as cooperativas deverão encaminhar

anualmente aos órgãos de controle serão acompanhados, a juízo destes, de parecer emitido por um serviço independente de auditoria credenciado pela Organização das Cooperativas Brasileiras.”

437

O art. 92 da Lei no 5.764/71 estabelece, conforme a atividade, os órgãos de fiscalização e controle das cooperativas: “Art. 92. A fiscalização e o controle das sociedades cooperativas, nos termos desta lei e dispositivos legais específicos, serão exercidos, de acordo com o objeto de funcionamento, da seguinte forma: I -

auditoria independente credenciada junto à Organização das Cooperativas Brasileiras. A referida lei e o Manual de Cooperativas do DNRC (aprovado pela Instrução Normativa no 101/2006), ainda, prevê a publicidade do edital de convocação e das atas das assembleias gerais da cooperativa em jornal de circulação regular e geral438.

Portanto, é de se concluir que as sociedades cooperativas preenchem os requisitos necessários para a oferta privada de debêntures, bem como estão aptas a realizar a oferta pública com esforços restritos, nos termos da IN/CVM 476/2009, desde que atendam os requisitos mencionados no tópico anterior para esse tipo de oferta.

Aliás, a discussão sobre a emissão de obrigações por cooperativas no direito italiano foi superada com a entrada em vigor da Lei 448/1998, que autorizou expressamente as sociedades cooperativas a fazer uso do referido valor mobiliário. Sergio Luoni explica, ainda, que o Testo Unico bancário foi modificado pelo Decreto legislativo n. 342, de 4 de agosto de 1.999, para permitir que a cooperativa se habilitasse à captação de recursos junto ao público investidor.439 Já a definição dos critérios de emissão foram estabelecidos pelo CICR (Comitato Interministeriale per il Credito e il Risparmio), em deliberação de 3 de maio de 1.999, na qual se fixaram o limite de emissão, a obrigação de certificação anual das demonstrações financeiras e as modalidades de informação ao público.

Nesse quadro normativo, inseriu-se a reforma do direito societário italiano440 que, nos termos do artigo 2.526441 do CCI, sujeitou a cooperativa ao regime jurídico e ao

as de crédito e as seções de crédito das agrícolas mistas pelo Banco Central do Brasil; II - as de habitação pelo Banco Nacional de Habitação; III - as demais pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.”

438 O Manual das Cooperativas, aprovado pela Instrução Normativa no 101, de 19 de abril de 2006, do

Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), orienta a publicação das atas das assembleias das cooperativas da seguinte forma: “A publicação do edital de convocação será feita, por uma vez, em jornal de circulação regular e geral, editado ou não no município da sede da cooperativa (não serão aceitas, portanto, publicações em jornais ou informativos de cooperativas de produção, prefeituras municipais, clubes, associações, etc. ou publicado em folha sem identificação do jornal ou sem determinação precisa da data de publicação.)”

439 Ob. cit., pp. 53-54. 440

O novo regime do CCI introduziu, também, a distinção entre soci cooperatori e soci finanziatori. Este último caracterizado pela remuneração não vinculada ao lucro da sociedade e pela inexistência de direitos políticos, tal como o direito de voto, ou de interferência na vida social, como ensina Buonocore (Manuale di Diritto

Commerciale. 10a ed. Turim: G. Giappichelli, 2011, p. 637).

441

“2526. SOCI FINANZIATORI E ALTRI SOTTOSCRITTORI DI TITOLI DI DEBITO. L'atto costitutivo

può prevedere l'emissione di strumenti finanziari, secondo la disciplina prevista per le società per azioni. L'atto costitutivo stabilisce i diritti patrimoniali o anche amministrativi attribuiti ai possessori degli strumenti finanziari e le eventuali condizioni cui è sottoposto il loro trasferimento. I privilegi previsti nella ripartizione degli utili e nel rimborso del capitale non si estendono alle riserve indivisibili a norma dell'articolo 2545 ter. Ai possessori di strumenti finanziari non può, in ogni caso, essere attribuito più di un terzo dei voti spettanti all'insieme dei soci presenti ovvero rappresentati in ciascuna assemblea generale. (2) Il recesso dei possessori

sistema de organização da sociedade anônima no tocante à emissão de instrumentos financeiros - enquanto gênero que comporta suas espécies: titoli di debito, obbligazioni ed altri strumenti finanziari.

Amparando-se no direito pátrio e no direito comparado, conclui-se pela possibilidade de emissão de debêntures por sociedades cooperativas, tanto por meio de ofertas privadas como mediante oferta pública com esforços restritos.

di strumenti finanziari forniti del diritto di voto è disciplinato dagli articoli 2437 e seguenti. La cooperativa cui si applicano le norme sulla società a responsabilità limitata può offrire in sottoscrizione strumenti privi di diritti di amministrazione solo a investitori qualificati.” (Adolfo Majo, ob. cit., p. 675)