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CAPÍTULO 3 | DESIGN DE PRODUTOS

3.6 A forma segue a ideação : funcionalidade, racionalidade e emotividade no

3.6.3 Emotividade

No mundo, rodeado por produtos dos mais diversos tipos, os objetos enviam mensagens aos seus usuários provocando diferentes sensações e emoções, indo

71 Tradução livre: [...] unido a la racionalidade, ha de buscarse el rigor en el diseño. El paisage urbano permanece mientras que los gustos son transitorios. Solo los escaparates de los comercios tienen la capacidade de cabiar año tras año o temporada tras temporada. No puede ocurrir lo mismo con los elementos urbanos ya que su diseño ha de estar al margen de las modas que acaban ofreciendo objetos efímeros. Debe existir un rigor y una racionalidad frente a personalismos e iconografias y, por tanto, una renuncia a protagonismos por parte del diseñador. Serra. Op. Cit., 2000.

desde um sorriso até uma reação mais violenta, como um ato de vandalismo. Conforme estabelece Löbach (2001, p. 161),

[...] os elementos configurativos podem ser descritos como portadores da informação estética de um produto. Sua seleção e a combinação, pelo designer industrial, definirão a reação que o futuro usuário apresentará frente ao produto.

As sensações provocadas pelos produtos são expressas a partir dos atributos estéticos que configuram e definem a identidade do artefato industrializado, tais como as relações cromáticas do mobiliário urbano com o ambiente (adequação, destaque, normatização); a concepção formal – visibilidade e percepção do produto no meio urbano (mimetismo, contraste, ordem) e os tratamentos superficiais associados às sensações táteis, visuais e olfativas (frio, calor, frescor, limpeza, perfeição). Para Serra (2000, p.13)72 a,

Emotividade é necessária já que o objeto provoca reações psicológicas e comunica sensações ao indivíduo [...] Em particular, o projeto de elementos urbanos deve conseguir a integração entre o valor artístico e o valor de uso de todos os objetos que participam da vida cotidiana em nosso entorno imediato, que é a cidade.

O primeiro contato estabelecido entre o usuário e o elemento urbano se dá através da visão; para tanto, é preciso que o artefato possua atributos perceptivos comuns ao repertório visual e cognitivo dos indivíduos e às características socioculturais do entorno onde está implantado, como forma de atrair sua atenção, despertar o interesse e curiosidade por aquele produto. Como colocado por Okamoto (2002, p. 58), “todas as pessoas enxergam e reconhecem tão-somente as coisas do seu interesse, conforme o universo de seus pensamentos [...]”. Assim, é

72 Tradução livre: Emotividad es necesaria en cuanto que el objeto provoca reacciones psicológicas y comunica sensaciones al individuo (...) En particular, el diseño de elementos urbanos debe conseguir la integración entre el valor artístico y el valor de uso de todos los objetos que participan de la vida cotidiana en nuestro entorno inmediato que es la ciudad. Serra. Op. Cit., 2000.

preciso investigar os aspectos socioculturais e ambientais do contexto urbano para o qual o mobiliário se destina e a partir desta informação determinar quais atributos e repertórios estético-simbólicos poderiam influenciar a conduta do usuário em relação ao artefato projetado, considerando que a mente é seletiva e se enxerga a realidade de acordo com o universo de referências.

Como os objetos são intencionalmente concebidos para atender necessidades humanas e ambientais, os produtos devem apresentar qualidades funcionais, estruturais e estéticas que os aproximem dos usuários, justificando sua existência e validando os investimentos empreendidos em sua concepção. Neste aspecto, o mobiliário urbano deve corresponder às expectativas dos cidadãos, empregando um design informacional e simplificado no qual as funções do produto sejam evidentes e legíveis tornando-o, desta maneira, mais qualificado ao uso e mais emblemático para o usuário. Para Tinoco (2003, p. 153),

O habitante da cidade se relaciona com o objeto de maneira diversa quando é proprietário da coisa, mero espectador, usuário habitual, um fabricador ou seu criador – seja ele usuário individual, um grupo restrito (comunitário) ou no coletivo. Se os objetos forem congruentes com o comportamento social e o projeto não descuidar das necessidades físicas e estéticas dos usuários, os produtos serão de fácil compreensão, confortáveis e integrados ao contexto urbano.

Como as relações de uso do mobiliário urbano diferem bastante daqueles voltados ao consumo, às tendências da moda e ao uso individualizado, seu design deve buscar o equilíbrio e a interação entre a função prática (valor de uso) e a função estética (valor “artístico”) assegurando a qualidade e a utilidade do produto no espaço público. O projeto do mobiliário deve ajustar-se às condições estruturais dos espaços públicos da cidade, vincular-se à história e à estética do lugar, sendo coerente e flexível com as demandas dos cidadãos, segundo uma dinâmica urbana.

A criação de mobiliário urbano dotado de forte carga simbólica explorando aspectos psíquico-sensoriais do uso dos produtos, tais como cor, formato, textura e aparência73, pode atribuir significados únicos aos espaços públicos empregando

repertórios diferenciados, próprios para cada lugar e contexto específicos, definindo uma forma de comunicação entre os indivíduos, os produtos e o entorno pelas relações práticas no uso desses mesmos objetos. A este respeito De Moraes (2010, p. 19) argumenta que,

O objeto do projeto não é somente o produto físico como o entendemos mas as reações, interações e respostas interpretativas que este produto é capaz de provocar e produzir [...] O objeto do projeto são todos os valores que um produto seja capaz de dispor e oferecer; por exemplo, os valores relativos à beleza, à sua visibilidade social, à sua utilidade e usabilidade, à segurança e ao conforto e ainda muitas outras coisas mais.

Norman (2008) argumenta que o design dos produtos industrializados, se baseia, de modo geral, em três dimensões distintas, porém inter-relacionadas e interligadas entre si conferindo certas peculiaridades aos objetos. Para este autor o design é visceral, comportamental e reflexivo. “O design visceral diz respeito às aparências [...] o design comportamental se refere ao prazer e à efetividade no uso [...] o design reflexivo considera a racionalização e a intelectualização de um produto” (NORMAN, 2008, p. 25). Pode-se afirmar, então, que a funcionalidade se refere diretamente ao design comportamental através dos aspectos do uso e da função prática do produto enquanto a racionalidade estaria vinculada ao design reflexivo e aos parâmetros técnicos e normativos e a emotividade ao design visceral, considerando os atributos cromáticos, formais, táteis etc.

Norman (2008, p. 24) ainda defende que “o lado emocional do design pode ser mais decisivo para o sucesso de um produto que seus elementos práticos”, porém seria frustrante para os usuários se os objetos apresentassem alto nível de emotividade, mas não desempenhassem satisfatoriamente as funções práticas para as quais foram criados, ou seja, na medida em que o produto desperta reações emotivas no sujeito a satisfação das suas necessidades deve ser preenchida no processo de uso, seja ela qual for.

pelos elementos simples que, juntos, compõem o estímulo total. Relações temporais, espaciais, de intensidade e outras, entre as partes de um padrão de estímulo, são consideradas determinantes básicas do modo pelo qual as coisas são vistas. Day, R. H. (1970: 12) in Okamoto. Op. Cit. p. 119.

O mobiliário urbano possui a virtude de dotar o espaço público e a cidade de uma identidade própria e o design visceral do mobiliário seria a chave emotiva que aguçaria a memória do indivíduo, fazendo-o recordar um local ou ambiente urbano em particular. Os aspectos psíquico-sensoriais do uso influem não apenas no design desses elementos, mas também no modo como estão ordenados e arranjados física e visualmente no espaço urbano cuja finalidade é a representação de valores coletivos, culturais, hábitos e costumes da sociedade à qual pertence, como forma de diferenciar cada local específico, cada cidade.

Entretanto, o processo de globalização também afetou o design dos artefatos urbanos já que empresas produtoras deste tipo de produto que atuam mundialmente oferecem catálogos em que gestores municipais escolhem, dentre as várias tipologias formais existentes; todavia, muitas vezes esta seleção se baseia em critérios estilísticos e de baixo custo de aquisição, em detrimento da qualidade estrutural e do desenho mais coerente e compatível com as condições ambientais do contexto sociocultural do espaço público ao qual se destina.

Apesar de oferecerem soluções esteticamente interessantes, esses elementos “globalizados” nem sempre apresentam repertório visual e funcional que assegurem uma comunicação afetiva com os habitantes ou uma interação com a imagem da cidade onde serão instalados. Deste modo, o conceito de “design internacional” cria uma homogeneidade de elementos urbanos que são utilizados indiscriminadamente em qualquer cidade do Brasil ou da Europa por vezes negligenciando características e requisitos urbanos locais.

Ressalta-se que a seleção de artefatos pré-fabricados dentre as diversas opções disponíveis no mercado, não é incorreta nem inadequada, desde que feita de modo criterioso, considerando os requisitos funcionais, racionais e emotivos aos quais se devem subordinar. Todavia, normalmente restrições nos custos de projeto implantação e manutenção, constantemente levam os gestores públicos a optarem (erroneamente) por elementos urbanos ultrapassados em termos de inovação tecnológica e estética, tendo como resultado espaços públicos aparelhados com objetos de baixa qualidade visual e física, que dificultam a acessibilidade e mobilidade urbanas, além de criar ruídos no ambiente. Conforme alerta Rebollos (2004, p. 15), no processo do projeto dos artefatos urbanos deve-se nos questionar se,

[...] cada cidade deve ter um mobiliário diferente fabricado com diferentes materiais: de ferro, alumínio..., com brasão, sem brasão, com anagramas, papeleiras redondas ou quadradas... ou, pelo contrário, uma mesma peça bem escolhida com um desenho correto, bem localizada, bem utilizada, fabricada em série, porém planejada e pensada para um lugar visível, pode proporcionar sensações diferentes..?74

O mobiliário urbano adequadamente desenhado, distribuído e ordenado torna os espaços públicos em locais agradáveis, possibilitando melhor convivência entre seus frequentadores ao mesmo tempo em que se harmoniza com a estética urbana do sítio onde estão instalados como pode ser observado na Figura 18.

Figura 18 - Equilíbrio e hierarquia funcional geram sistemas coerentes de mobiliário

Foto: do autor, março 2013.

Configurações diversas não impedem que o conjunto de mobiliário urbano se torne harmônico, coerente, unitário e emotivamente atrativo quando respeitados princípos de funcionalidade, acessibilidade e ordem que proporcionem o efetivo uso e a mobilidade nos espaços públicos.Contrariamente, artefatos com baixa qualidade funcional, estética e simbólica comprometem a percepção ambiental, empobrecem visualmente o espaço público, tornando-o um lugar sem identidade e significado urbano para os indivíduos, resultando em sensação de homogeneidade e

74Tradução livre: [...] que cada ciudad debe tener un mobiliario diferente, fabricado con distintos materiales: de hierro, aluminio..., con escudos, sin escudos, con anagramas, papeleras redondas o cuadradas... o, por el contrario, una misma pieza bien escogida, con un diseño correcto, bien ubicada, bien utilizada, fabricada en serie, pero planificada y pensada para un lugar en concreto, puede proporcionar sensaciones diferentes..? Rebollos. Op. Cit., 2004.

monotonia, comprometendo o desenvolvimento de atividades diversas.

Considerando o espaço urbano como uma estrutura de linguagem e expressão, sua representação não se dá apenas pela visão, mas também é expressa por outros sentidos como o olfato, audição e o tato. Portanto, a proximidade entre os elementos urbanos e os usuários se torna um campo fértil para explorar os aspectos táteis, sonoros e, possivelmente, olfativos, na concepção de produtos “amigáveis”, interativos e emotivos. Sobre esta questão Morris (2012, p. 66) argumenta que,

[...] muitas vezes o design é (equivocadamente) considerado uma prática puramente visual mas o toque e as texturas são igualmente importantes.[...] essa resposta sensorial ao toque é estimulante e memorável; portanto, é uma prática valiosa incorporá-la aos produtos. [...] a forma, espessura e condutividade térmica podem ter funções igualmente importantes na experiência tátil.

A tatilidade não se resume apenas ao tratamento estético da superfície do produto, porém atua como atributo de conforto e identificação criando, igualmente, superfícies mais agradáveis ao contato humano, transmitindo uma mensagem ao usuário. Da mesma forma, a sonoridade ajuda os usuários a compreender funções e usos dos produtos associando-os a sons específicos emitidos pelos objetos durante seu processo de uso. A primeira forma de relacionamento estético entre o objeto e o usuário se dá pela visão, ou seja, o impacto que as propriedades visuais do produto como forma, cor e dimensão causam ao usuário.

A esse respeito Bürdek (2010, p. 232) esclarece que “a aceitação de um produto depende praticamente até que ponto se consegue conectar com as normas e escala de valores (sobretudo com as normas estéticas e simbólicas) do grupo de destino interpelado”. A partir desse apelo visual, sentimentos de afabilidade ou desagrado se desenvolverão por meio da utilização do objeto pelo usuário que vivenciará suas funções práticas atribuindo-lhe, ou não, um valor de uso. Segundo Cardoso (2012, p. 153), “a mudança de entorno afeta necessariamente a percepção do artefato, agregando-lhe qualidades associadas ao ambiente em que estiver presente”, já que, inevitavelmente, os usuários lhe atribuirão valores, usos e funções diversas em virtude das suas expectativas e necessidades.

O design afetivo75 aponta para um caminho criativo que possibilita a concepção de um mobiliário mais humanizado dentro de um contexto ambiental específico, definindo usos apropriados à qualificação do espaço público, respeitando as expectativas dos cidadãos. A abordagem do design afetivo não se baseia em aspectos meramente intuitivos do desenhador, sendo necessário recorrer aos métodos científicos e conhecimentos específicos sobre materiais, tecnologia, fabricação e tendências de mercado que auxiliem o designer no desenvolvimento de produtos reconhecidamente inovadores.

Os aspectos da emotividade possibilitam a criação de soluções de design de mobiliário urbano que o integre ao contexto socioambiental; mesmo assim, nas áreas centrais das nossas cidades, salvo raras exceções, os artefatos ali instalados não dialogam entre si nem com seu entorno afetando as relações emotivas que poderiam ser criadas por um conjunto coerente de artefatos urbanos para os espaços públicos. Sem dúvida, tais incongruências formais, materiais, funcionais e estéticas, dificultam a interação produto - usuário - ambiente, devido principalmente à falta de uma visão sistêmica voltada à coerência funcional e unidade visual, que conduz a situações inadequadas nos usos e apropriações do espaço público, consequentemente, comprometendo a sustentabilidade, a vitalidade e a atratividade das nossas cidades.

Se antes era possível criar um mobiliário específico voltado a atender às demandas sociais através de projetos diretamente relacionados às características locais, hoje a seleção é feita por meio de catálogos, onde, na maior parte das vezes, modismos e restrições financeiras das gestões públicas são determinantes na seleção do mobiliário. Não obstante o desenvolvimento técnico proporcionado pela pesquisa e inovação tecnológica atualmente, é necessário o refinamento estético, a valorização ética de referências culturais e ambientais que proporcionem o apelo emocional necessário ao mobiliário urbano associado às características do entorno, como forma de se estabelecer um diálogo coerente entre o produto, o usuário e o ambiente urbano expresso na qualidade do design desses artefatos.

75 “O design afetivo é uma ramificação do pensamento ergonômico que se preocupa com o

efeito emocional que um produto tem sobre o usuário, com base em sua interação com o produto. A forma como o produto “afeta” uma pessoa, produzindo uma resposta emocional ou comportamental, pode dar muito mais profundidade a um design. O objetivo é entregar produtos que, por exemplo, provocam deleite”. Morris. Op. Cit., 2012. p. 89.

capítulo 4 | legibilidade do

espaço público