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CAPÍTULO 3 | DESIGN DE PRODUTOS

3.6 A forma segue a ideação : funcionalidade, racionalidade e emotividade no

3.6.2 Racionalidade

A racionalização pressupõe a padronização de sistemas de montagem e desmontagem, fixações e uniões de peças e componentes que facilitem não apenas a configuração do produto, mas também seu transporte, instalação, manutenção, conservação e reposição do todo ou de suas partes. Também diz respeito à resistência dos produtos, às condições climáticas e aos atos de vandalismo, seja através da seleção criteriosa dos materiais a serem empregados na fabricação do artefato, seja no acabamento e tratamentos superficiais aplicados.

Serra (2000, p. 10) afirma que a racionalidade deve estar acima dos aspectos afetivos e experiências emocionais relativas ao design dos elementos urbanos já que é a compreensão da realidade do contexto físico ambiental onde o mobiliário urbano está inserido que determinará o emprego racional de técnicas e as possibilidades para fabricação dos artefatos destinados aos espaços públicos, a fim de obter-se produtos industrializados de melhor qualidade técnica e design inovador. Para o autor,

[...] a resistência à agressividade do meio urbano, ao envelhecimento durante todo o tempo em que permanecerá em uso e a facilidade de montagem e manutenção, são pontos a considerar desde o projeto dos elementos urbanos65.

65 Tradução livre: La resistencia a la agresividad del medio urbano, el envejecimiento durante el tiempo que ha de permanecer en uso y la facilidad de montaje y mantenimiento, son puntos a

Um design simplificado, funcional, inovador e atemporal é um aspecto importante para garantir a viabilidade do conjunto de mobiliário urbano, uma vez que produtos dotados de sistemas e funções complexas elevam os custos de manutenção, comprometem o uso e o desempenho satisfatório das funções do artefato, pelos usuários. De acordo com as possibilidades projetuais, é importante que os objetos apresentem um conceito que possa definir uma linha coerente para todos os produtos, caracterizando-os como projeto sistêmico. Esta coerência possibilita a criação de soluções estruturais e formais inovadoras, baseadas nos princípios de modularidade66, multifuncionalidade e simplificação facilitando a implantação, a manutenção e a substituição dos elementos urbanos.

Sistemas modulares facilitam processos de fabricação, montagem, transporte, organização e armazenamento permitindo criar e construir produtos a partir de subsistemas menores, mas que atuam como um conjunto integrado para formar um todo coerente. O conceito de desenho modular não se refere apenas ao formato do produto, mas também inclui os componentes, partes e mecanismos que, combinados entre si, possibilitam a execução das diversas funções, e a concepção de diferentes variantes para um mesmo artefato. A modularidade contribui na criação de soluções inovadoras de elementos urbanos, tanto na sua estrutura quanto no seu design, permitindo alternativas de arranjos diferenciados respeitando as características funcionais e paisagísticas do entorno, como resposta aos problemas detectados no espaço público.

O aspecto multifuncional67 propõe uma abordagem projetual voltada à adaptabilidade e à polivalência de uso dos produtos. Significa dizer que o design do artefato industrializado deve dotá-lo de variadas utilidades como, por exemplo, uma estrutura de sustentação que também possa, eventualmente, ser utilizada como assento. De outro modo, também se refere a questões de adaptação de produtos a novos usos e novas demandas apresentadas pelos usuários ou oriundas de

acometer desde el diseño de los elementos urbanos. Serra, Josep Ma. Op. Cit. p. 10. 66

De acordo com Morris (2010), “o princípio por trás do design modular é encarar um produto ou uma linha de produtos como um sistema que pode ser dividido em partes menores. Essas partes menores são, então, projetos em um formato padronizado”. Morris, Richard. Fundamentos de design de produto. Porto Alegre, 2010. p. 147.

67 “O objeto multifuncional é aquele projetado para atender a uma série de utilizações

alterações funcionais e infraestruturais no próprio espaço público, que exijam a adequação dos elementos urbanos. Para Águas (2010, p. 97-98),

A qualidade do mobiliário urbano é importante, assim como a consistência do estilo e as questões de manutenção e durabilidade. No entanto, a estabilidade da forma não deverá ser imposta tão rigidamente que limite a funcionalidade e a polivalência de uso. A abordagem deverá privilegiar o design de elementos simples e multifuncionais, sem estarem demasiadamente presos a determinado uso de forma a permitir adaptações à maior variedade de uso presentes e futuros.

Neste sentido, o mobiliário pode proporcionar maior variedade de usos e, assim, atender a um número maior de cidadãos e atividades. Simplificar significa reduzir a quantidade de partes, componentes, sistemas, peças e processos que encarecem ou dificultam a produção, montagem, armazenamento, transporte, organização e também os custos. Para Munari (2008, p. 136),

Simplificar significa procurar resolver o problema eliminando tudo o que não serve à realização dos objetivos. Simplificar que dizer reduzir os custos, diminuir os tempos de trabalho, de montagem, de acabamento. Quer dizer, resolver dois problemas ao mesmo tempo através da mesma solução. Simplificar é um trabalho difícil e exige muita criatividade.

A simplificação do design voltado ao mobiliário urbano relaciona-se diretamente ao princípio da modularidade, contribuindo para a criação de conjuntos de artefatos mais coerentes e adaptáveis a contextos ambientais diversos, donde venham a ser implantados. Padronizar significa criar produtos uniformes, facilmente fabricados, de modo a atender mais rapidamente às demandas por artefatos específicos mantendo uma regularidade e organização da produção, que proporcionam maior controle na qualidade do produto final, agilizando a implantação desses elementos no ambiente urbano.

É importante ressaltar que a padronização dos sistemas construtivos do produto, geralmente associada à simplificação, não deve estar orientada a uma homogeneização excessiva do design do mobiliário, mas, pelo contrário, proporciona a criação e a inovação de elementos detentores de atributos configuradores

adaptáveis às necessidades de citadinos e às características do contexto ambiental do qual fazem parte, primando pela diferenciação e identidade urbana. A distribuição e a instalação desses produtos, seja unitariamente ou em conjunto, devem levar em conta as demandas qualitativas e quantitativas de cada local específico visto que nem sempre todos os espaços públicos existentes na cidade precisam dos mesmos tipos funcionais e igual quantidade desses produtos.

A importância estratégica da gestão municipal deve pautar-se no levantamento e na identificação das necessidades dos seus cidadãos por serviços públicos, atendendo-os através da instalação, substituição ou mesmo da remoção de elementos urbanos em determinado contexto ambiental, caso sua inadequação seja constatada. Algumas vezes é conveniente uma intervenção no espaço público para “esvaziá-lo” de objetos redundantes, desnecessários e também inúteis que interferem não apenas na circulação dos pedestres, mas também na paisagem e na infraestrutura.

A combinação de materiais com propriedades físicas e plásticas diferentes, deve justificar-se no aumento da resistência do artefato às condições climático- ambientais e de uso e não apenas nas possibilidades plásticas ou escultóricas que oferecem, fato de que nem sempre se dispõe de um plano de manutenção periódica e satisfatória que preserve a integridade física do produto. Assim, materiais atóxicos, anticorrosivos e não combustíveis que garantam estabilidade, resistência, durabilidade, facilidade de conservação e plasticidade, são mais indicados para o projeto e fabricação do mobiliário urbano.

Devem ser considerados, também, aspectos relativos à sustentabilidade para este tipo de produto, pois quanto maior for sua vida útil maior será seu valor de uso para os indivíduos, menor sua obsolescência e impacto ambiental na estrutura urbana da cidade. Componentes e acessórios pré-fabricados devem ser empregados para facilitar a produção de tais produtos reduzindo, posteriormente, custos, com substituição e reposição de peças, criando uma padronização que possibilita o emprego desses mesmos sistemas funcionais em praticamente quase todos os tipos de elementos do mobiliário urbano.

É importante que as soluções adotadas para fixação dos elementos ao piso assegurem sua permanência no local evitando a remoção por vândalos, porém, permitindo, ao mesmo tempo, a fácil substituição ou mudança por técnicos especializados sem, entretanto, danificar outros elementos e estruturas no entorno

imediato, tais como tampa de caixas coletoras, gola de árvores e a própria calçada. A distribuição racional e a simplificação do repertório funcional, estético e simbólico do mobiliário, aliadas a uma lógica de utilização desses artefatos no espaço público, asseguram unidade e coerência no ambiente urbano, pois “o desenho dos elementos urbanos deve explicar o máximo com o mínimo”68 (SERRA, 2000, p. 11), como pode ser observado na Figura 17.

Figura 17 - Racionalidade, unidade e apropriação do espaço público.

Foto: do autor, março 2013.

Racionalizar os espaços, seus elementos e mobiliário não significa segregá- lo, pelo contrário, a organização, simplificação dos usos e coerência propiciam ambientes centrípetos para a realização de atividades compartilhadas por todos os usuários. Preencher os espaços públicos com grande número e variedade de elementos tipológicos sob a justificativa de atender às demandas dos cidadãos, nem sempre é justificável. Este desejo em preencher os vazios é denominado, pelos desenhadores, como “horror ao vácuo”69, ou seja, o receio em não permitir que existam espaços em branco, com o pretexto de que espaços vazios são espaços inúteis. Na realidade, muitas vezes é preciso que determinadas áreas urbanas sejam livres, evitando impacto visual na sua paisagem, como centros históricos, por exemplo, em que a “lógica da utilização do mínimo de recursos necessários e

68 Tradução livre: [...] el diseño de los elementos urbanos ha de explicar el máximo com el mínimo. Serra. Op. Cit., 2000.

69 Horror ao vácuo: “tendência a preferir preencher espaços em branco com objetos e

simplicidade de repertório” (CPD, 2005, p. 42), são suficientes para garantir a coerência e unidade ao local.

Em algumas cidades brasileiras é comum observar, especialmente no centro principal, grande variedade de elementos funcionais criando sobreposição de formatos, cores e informações, confundindo e sobrecarregando a percepção dos cidadãos, comprometendo a qualidade visual e física do ambiente. Refletindo sobre este tema, Gehl (2008, p. 171)70 exemplifica a situação, comentando a respeito da instalação de bancos no espaço público,

A colocação dos assentos requer um projeto cuidadoso. Em todas as partes existem exemplos de como os assentos estão colocados ao azar e sem muita elaboração. Não é raro ver engenhosas disposições de bancos ‘flutuando’ livremente nos espaços públicos. Seja resultado de princípios arquitetônicos conscientes que não levam em conta considerações psicológicas elementares, ou fruto do ‘medo do vazio’ nos desenhos dos projetos, o resultado é que, frequentemente, esses espaços, repletos de ‘mobiliário’ isolado, parecem oferecer muitas possibilidades para sentar-se, mas, na realidade, só oferecem assentos muito deficientes.

Este tipo de ocorrência é resultado do mau planejamento decorrente de uma investigação ineficiente e pouco fundamentada sobre as necessidades locais para implantação de mobiliário, passando pela duvidosa seleção do tipo de elemento mais adequado ao espaço público, de acordo com as funções práticas, estéticas e simbólicas dos artefatos, culminando com a irracionalidade na quantificação, distribuição, localização e posicionamento desses elementos.

Nem sempre elementos urbanos pré-existentes em um local específico precisam ser totalmente eliminados em função dos novos projetos de intervenção urbana, já que podem representar valores significativos para aquele espaço, seus cidadãos e a própria cidade (memória urbana). Neste caso, uma readequação do

70 Tradução livre: La colocación de los asientos requiere un proyecto cuidadoso. En todas partes hay ejemplos de cómo los asientos están colocados al azar y sin pensarlo demasiado. No es raro ver ingeniosas disposiciones de bancos ‘flotando’ libremente en los espacios públicos. Ya sea producto de unos principios arquitectónicos conscientes que no tienen en cuenta elementales consideraciones psicológicas, o bien fruto del ‘miedo del espacio vacío’ en los dibujos del proyecto, el resultado es con frecuencia que estos espacios, repletos de ‘mobiliario’ aislado, parecen tener muchas possibilidades para sentarse pero en realidad sólo ofrecen asientos muy deficientes. Gehl,

mobiliário existente ao que propõe o novo projeto, tal como reposicionamento dos elementos naquela área, redução ou ampliação no número de unidades, adequação às novas tecnologias, unificação de desenhos e funções, pode ser a maneira mais eficaz para assegurar a qualidade funcional, a segurança e a harmonia do espaço urbano, em conjunto com outros aspectos do desenho urbano.

A disponibilidade e as condições adequadas das instalações hidrossanitárias, elétricas e do pavimento, são aspectos importantes a considerar no design do mobiliário urbano, pois ambientes degradados dificilmente permitirão a instalação apropriada dos produtos, comprometendo sua organização, vida útil, funções e usabilidade. Serra (2000, p. 11)71 argumenta que,

[...] juntamente com a racionalidade, deve-se buscar o rigor no desenho. A paisagem urbana permanece enquanto os gostos são transitórios. Apenas as vitrines das lojas têm a capacidade de mudar ano após ano ou temporada após temporada. O mesmo não pode ocorrer com os elementos urbanos já que seu desenho deve estar à margem do modismo que acaba oferecendo objetos efêmeros. Deve haver rigor e uma racionalidade frente aos personalismos e iconografias e, portanto, uma renúncia a protagonismos por parte do desenhador.

O mobiliário deve ser concebido como algo duradouro porém adaptável a novas demandas, tecnologias e comportamentos urbanos, sem perder seu valor de uso e caráter funcional, sendo úteis ao cidadão. Deve, ainda, contribuir para a qualificação do espaço público como local destinado à realização de diversas atividades cotidianas apoiadas por um produto de qualidade estética e estrutural voltado para a concepção de espaços centrípetos.