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2 A pesquisa e sua trajetória

2.3 O referencial teórico-metodológico

2.3.3 Encaminhamentos teórico-metodológicos

Em seu manual que trata de projetos de pesquisa em História, Barros (2005) procura evidenciar as diferenças entre ‘quadro teórico’ e ‘metodologia’, termos que nas Ciências Humanas são facilmente confundidos, por terem fronteiras muito difusas. Para o autor, o ‘quadro teórico’, também chamado de ‘referencial teórico’, ou simplesmente de ‘teoria’, diz respeito a uma maneira de compreender os fenômenos que o pesquisador está pretendendo abordar.

Portanto, a teoria remete a uma dada leitura da realidade, a uma série de generalizações aplicáveis ao objeto específico delimitado pelo pesquisador. Já a metodologia remete a uma determinada maneira de abordar o fenômeno com o qual o pesquisador está trabalhando. Ou seja, a metodologia vincula-se a ações concretas dirigidas à resolução de um problema.

Em relação ao referencial teórico, este autor (BARROS, 2005) aborda os seus elementos, que seriam: o ‘campo histórico’, ou seja, o campo de estudos no qual se insere a pesquisa proposta pelo historiador; o ‘diálogo interdisciplinar’, as disciplinas ou campos com os quais o trabalho do pesquisador dialoga; os ‘posicionamentos teóricos’, ou seja, a adesão do pesquisador a uma certa linha ou corrente teórica e suas respectivas perspectivas e horizontes teóricos; as ‘categorias’ estabelecidas pelo historiador para abordar o seu objeto de estudo e, por fim, a ‘revisão bibliográfica’ ou ‘estado da arte’, necessário para a melhor compreensão do objeto de estudo.

Tratando especificamente da inscrição da pesquisa em um dado campo de estudo ou linha de pesquisa, Barros (2005) escreve sobre as possibilidades conceituais que surgirão para o pesquisador, quando este definir como abordar o fenômeno que pretende estudar. Assim sendo, de acordo com a linha adotada pelo historiador, ele terá de pensar os conceitos e categorias de análise com as quais terá de trabalhar.

Com base nesse raciocínio, Barros (2005) demonstra a necessidade de que se deixe claro, no ‘quadro teórico’, as definições dos conceitos com os quais se pretende operar. Ele chama a atenção para a existência de conceitos polissêmicos, ou seja, que poderão ter mais de um sentido, de acordo com a sua utilização, sendo

necessário precisá-los, com base no referencial adotado, para a realização da investigação proposta.

Conforme já deixei claro ao longo deste trabalho, a pesquisa aqui descrita é de natureza sócio-histórica e se insere no campo da História da Educação, muito embora eu não tenha trabalhado com o que se convencionou chamar de ‘instituições educacionais’ no sentido clássico do termo, ou mesmo com ‘práticas escolares’ que têm lugar em instituições educacionais formais, como são as escolas. Isso porque entendo o centro espírita, no âmbito desta pesquisa, como um ambiente educacional e não meramente religioso. Igualmente sustento, principalmente com base em Dominique Julia (2001), Faria Filho et al. (2004), Magalhães (1996; 1998; 2000; 2004) e Nóvoa (1999), que as práticas escolares podem ser transpostas para outros espaços, não se limitando às escolas regulares.

Quando falo em ‘instituições educacionais convencionais’ e ‘práticas escolares’, estou me referindo a escolas e instituições de ensino regulares, bem como às práticas que têm lugar nessas instituições, conforme descritas pelos autores acima mencionados. Assim, as ‘práticas ‘escolares’ são compreendidas como elemento central da ‘cultura escolar’, definida por Dominique Julia (2001, p. 10) como:

Conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização).

É claro que o centro espírita não é o único ambiente em que práticas escolares são assimiladas com o objetivo de transmitir conhecimentos e incorporar comportamentos. Contudo, é sobre ele, o centro espírita, que dirigi o meu olhar, buscando compreender as singularidades desse processo, através do qual muitas sociedades espíritas brasileiras foram transformadas em verdadeiras escolas para o ensino do espiritismo, através de um projeto concebido e implantado na rede federativa com esse objetivo formal, mas que, de acordo com o estudo aqui descrito, também tem outros objetivos, subliminares, que precisam ser melhor compreendidos.

Em minha pesquisa procuro compreender o surgimento do ESDE e o processo de institucionalização desse programa de ensino, concebido inicialmente como um modelo de estudo sistematizado da doutrina espírita e que tomou, na minha visão, uma dimensão muito mais profunda e ampla, quando foi encampado pela Federação Espírita Brasileira, na medida em que passou a ser um projeto institucional com objetivos formativos, unificadores e disciplinizadores de âmbito nacional do movimento espírita.

Desta forma, busquei realizar uma pesquisa histórica fundamentada em um diálogo com a Antropologia e a Sociologia, na medida em que entendo que a interdisciplinaridade é fundamental para se aprofundar qualquer análise no campo das Ciências Humanas e Sociais. Assim, lancei mão de técnicas e instrumentos de pesquisa bastante amplos, incluindo levantamento e análise documental e bibliográfica, entrevistas e observações, fazendo uso de diário de campo para registrar essas últimas.

Autores como Chartier (1990; 2002; 2009), Hunt (2001) e Burke (2008) demonstram os avanços que os estudos históricos obtiveram quando os historiadores penetram em outros campos do conhecimento humano, aproximando- se de outras disciplinas, como a Antropologia, a Geografia, a Linguística e a Sociologia. Assim, busquei fundamentação não apenas em historiadores conceituados, mas também em trabalhos desenvolvidos por antropólogos e sociólogos, como Geertz (2011) e Bourdieu (1998; 2000).

Quanto à filiação teórica, de que nos fala Barros (2005), a pesquisa aqui descrita inspira-se na Nova História Cultural, sendo fundamentada principalmente em autores como Hunt (2001), Pesavento (2004), Chartier (1990; 2002; 2009), Burke (2008; 2011) e Novais e Silva (2011). Isso significa dizer que realizei a minha análise partindo de um horizonte cultural, isto é, que privilegia o papel das representações na criação, manutenção e recriação do universo social.

Contudo, por não concordar com a construção de explicações globalizantes, que negligenciam as múltiplas dimensões do passado, em especial as experiências humanas coletivas, que por si mesmas possuem múltiplos significados para quem as vivenciou, não me fixei em nenhuma espécie de ortodoxia teórica.

Ao inspirar-me na Nova História Cultural, procurei justamente construir uma metodologia que ampliasse o uso de fontes e a sua análise, na perspectiva de melhor compreender o objeto de estudo. Penso que, ao buscar respaldo nessa ‘escola’, se é que podemos nos referir à Nova História Cultural dessa forma, é possível avançar nesse sentido, já que ela permite que o historiador possa desvincular-se de uma ortodoxia ideológica, que só tende a bitolar suas análises.

Assim como Le Goff (2003, p. 15), vejo a História como a ciência da “mutação e da explicação da mudança”. Portanto, o historiador não pode perder de vista que “as estruturas por ele estudadas são dinâmicas”.

Outro autor que contribui para o meu entendimento sobre a História e a própria função do historiador é Veyne (1995, p. 133). De acordo com ele:

A história é um palácio do qual não descobriremos toda a extensão (não sabemos quanto nos resta de não-factual a historicizar) e do qual não podemos ver todas as alas ao mesmo tempo; assim não nos aborrecemos nunca nesse palácio em que estamos encerrados. Um espírito absoluto, que conhecesse seu geometral e que não tivesse nada mais para descobrir ou para descrever, se aborreceria nesse lugar. Esse palácio é, para nós, um verdadeiro labirinto; a ciência dá-nos fórmulas bem construídas que nos permitem encontrar saídas, mas que não fornecem a planta do prédio.

Sendo assim, faz-se necessário que o pesquisador se aproprie das fontes por meio de abordagens, métodos e técnicas variados, construídos por ele com esse propósito, diante da investigação que pretende realizar e através de critérios cientificamente válidos. Isso requer que o pesquisador, muitas vezes, não se fixe em apenas uma linha teórica, combinando abordagens distintas, desde que, obviamente, evite combinar esquemas interpretativos que estejam em franca oposição.

De acordo com Burke (2008), desde que a História se constituiu como disciplina acadêmica, na segunda metade do século XIX, forjou-se um modelo teórico de produção do conhecimento histórico respaldado no positivismo, que privilegiava temas políticos, análises históricas de curta duração, calcadas na descrição de eventos através da justaposição de fatos, sem que fosse visto como necessário a presença de um problema central, condutor da investigação.

No âmbito desse paradigma, a ‘fonte histórica’ era vista como sinônimo de ‘documento’. Este, por sua vez, era entendido como expressão de uma verdade pronta e acabada. Assim:

A Escola Metódica francesa encarregou-se de estabelecer os parâmetros metodológicos orientadores da crítica interna e externa das fontes com o objetivo de assegurar a autenticidade documental para reconstituir objetivamente o passado ‘numa correlação explicativa de causas e consequências’. Foi nessas circunstâncias que as fontes escritas, preferencialmente oficiais, ganharam o status de documentos verdadeiros para uma historiografia preocupada, sobretudo, com o encadeamento cronológico dos acontecimentos políticos nacionais. Nessa perspectiva, os textos literários, assim como outras fontes artísticas, não eram consideradas documentos fidedignos para atestar a verdade histórica (FERREIRA, 2009, p. 63).

Esse modelo começou a ser contestado em 1929, com a fundação da revista

Annales d’Historie Économique et Sociale, por Lucien Febvre e March Bloch.

Através dessa revista esses historiadores deram início à construção de um novo paradigma historiográfico que se contrapunha à historiografia político-factual da Escola Metódica.

Segundo Burke (2008), esse novo paradigma orientou-se no sentido de estabelecer uma História-problema, com a finalidade de compreender as experiências humanas em sua complexidade e totalidade. Assim, os pesquisadores ligados à Escola dos Annales, como ficou conhecido o movimento que se formou em torno da revista fundada por Febvre e Bloch, passaram a considerar em suas investigações os processos sociais e econômicos e, logo a seguir, os aspectos mentais das civilizações.

A emergência desse novo paradigma exigiu uma postura interdisciplinar, que os levou a uma aproximação com a Antropologia, a Sociologia, a Geografia, a Economia, a Psicologia e a Linguística. Além disso,

houve necessariamente a eleição de novas fontes de pesquisa, necessárias ao conhecimento do clima, do solo, das espécies naturais, da agricultura, do artesanato, das formas de trabalho, das tecnologias, do comércio, das crenças e ideologias etc. -, portanto, não mais circunscritas aos documentos políticos oficiais (FERREIRA, 2009, p. 63).

A proposta trazida pela Escola dos Annales representou não apenas uma ruptura, mas uma transição paradigmática em que se relativizou a importância antes creditada a estudos totalizantes, realizados tendo por base esquemas explicativos

até então estabelecidos de forma predominante. Vouvelle (1998, p. 86) descreve esse quadro da seguinte forma:

É todo um projeto histórico que desmorona, com os aspectos positivos que isto pode comportar, quer dizer, uma diversificação, um enriquecimento, mas também, com um obscurecimento da percepção e a constatação da pluralidade dos mundos históricos, que se torna uma espécie de confissão de impotência diante de uma história que não tem mais lógica própria. Nesta evolução, reflete-se incontestavelmente, senão o desmoronamento, ao menos o questionamento dos esquemas explicativos dos quais o marxismo tinha sido expressão mais formalizada.

De maneira geral, é possível dividirmos a Escola dos Annales em três gerações44: a primeira é composta por seus fundadores, Lucien Febvre e Marc Bloch; a segunda tem por principal nome Fernand Braudel e a terceira, que inaugura a chamada Nova História, conta com diversos historiadores, tais como Jacques Le Goff, Georges Duby, Philippe Ariès e Michèle Perrot, a primeira mulher a efetivamente se destacar dentro desse movimento.

Ao longo desses mais de oitenta anos, os historiadores ligados à Escola dos Annales diversificaram os objetos de estudo e as abordagens aplicadas nas pesquisas por eles realizadas. Burke (2008) salienta que a partir da década de 1970 fica cada vez mais evidente a emergência de uma terceira geração dentro desse movimento historiográfico, onde predomina o policentrismo, ao contrário dos períodos anteriores, em que a escola era liderada por figuras como Lucien Febvre, Marc Bloch e Ferdinand Braudel.

Ao mesmo tempo, vários membros do grupo optaram por diferentes caminhos. Alguns escolheram levar o projeto de Febvre mais adiante, centrando suas análises nos aspectos mentais da sociedade, constituindo a chamada História das Mentalidades, em que se buscou a incorporação de outros temas à História, como a morte, o medo e o sonho. Alguns optaram em retornar à História Política e às análises quantitativas, enquanto outros reagiram a isso, dedicando-se aos estudos em torno do imaginário, da cultura e das ideias.

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Conforme veremos adiante, alguns pesquisadores admitem uma quarta geração nessa escola. Para melhores informações ver: HUNT, Lynn. A Nova História Cultural. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Contudo, é como consequência das abordagens e investigações dos membros da terceira geração da Escola dos Annales que nasce a chamada Nova História Cultural. Burke (2008) discorre sobre o quanto esse processo é dinâmico, complexo, sendo difícil precisar exatamente a sua cronologia.

De acordo com este autor (BURKE, 2008), ao longo do século XIX e primeiras décadas do século XX, vários pesquisadores já haviam se dedicado aos estudos em torno da cultura, que já eram praticados na Alemanha, por exemplo, com a denominação de Kulturgeschichte. Ainda antes disso, no século XVIII, já se tinha fragmentos de uma história da cultura, com trabalhos versando sobre literatura, pintura, filosofia, etc. Esses estudos baseavam-se na crença iluminista de que se deve observar e registrar a continua e permanente evolução da humanidade.

Ao longo do século XIX o termo culture, ou kultur passou a ser empregado com uma frequência cada vez maior na Alemanha e na Inglaterra, enquanto na França preferia-se o termo civilisation. Burke (2008) divide a história da História Cultural em quatro fases.

A primeira, denominada ‘Clássica’, transcorre entre 1800 e 1950 e caracteriza-se pela ideia segundo a qual o historiador “pinta o retrato de uma época”, concentrando-se “na história dos clássicos, um ‘cânone’ de obras primas da arte, literatura, filosofia, ciência e assim por diante” (BURKE, 2008, p. 16).

A segunda fase, chamada ‘História Social da Arte’, se inicia na década de 1930, com uma série de estudos a respeito da relação entre a produção artística e a sociedade. Esse período dura até a década de 1960, quando se inicia a terceira fase, denominada ‘História da Cultura Popular’, em que vários pesquisadores voltam-se para a cultura popular, tema até então reservado “aos amantes de antiguidades, folcloristas e antropólogos” (BURKE, 2008, p. 29).

Durante a década de 1970, período que coincide com a formação da terceira geração da Escola dos Annales, o interesse pela cultura popular converge com a proposta dos annales de estudar as mentalidades, a cultura, os hábitos e uma série de outros temas até então relegados a outras áreas, como a Antropologia. Forma- se, então, aquela que no dizer de Burke (2008), é a quarta fase da História Cultural, chamada de Nova História Cultural, em que os objetos e fontes dos historiadores

diversificam-se, partindo-se de um horizonte cultural, e não meramente político, econômico ou social, para interrogar a realidade.

Ao escrever sobre a trajetória histórica que culminou com a emergência da Nova História Cultural, Sandra Pesavento (2004, p. 14) afirma:

Por vezes, se utiliza a expressão Nova História Cultural, a lembrar que antes teria havido uma velha, antiga ou tradicional Historia Cultural. Foram deixadas de lado concepções de viés marxista, que entendiam a cultura como integrante da superestrutura, como mero reflexo da infraestrutura, ou mesmo da cultura como manifestação superior do espírito humano e, portanto, como domínio das elites. Também foram deixadas para trás concepções que opunham a cultura erudita à cultura popular, esta ingenuamente concebida como reduto do autêntico. Longe vão também as assertivas herdeiras de uma concepção da belle époque, que entendia a literatura – e, por extensão, a cultura – como o sorriso da sociedade, como produção para o deleite e a pura fruição do espírito.

Na sequencia, Pesavento (2004, p. 15) reflete sobre o próprio significado da expressão Nova História Cultural, contribuindo para que se compreenda melhor a temática que aqui está sendo desenvolvida:

Se a História Cultural é chamada de Nova História Cultural, como o faz Lynn Hunt, é porque está dando a ver uma nova forma de a História trabalhar a cultura. Não se trata de fazer uma História do Pensamento ou de uma história Intelectual, ou ainda mesmo de pensar uma História da Cultura nos velhos moldes, a estudar as grandes correntes de ideias e seus nomes mais expressivos. Trata- se, antes de tudo, de pensar a cultura como um conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o mundo.

Na década de 1990 foi notável a contribuição prestada por Lynn Hunt (2001), a quem Pesavento (2004) acima se refere, para a afirmação da Nova História Cultural como modelo interpretativo da história. Essa historiadora norte-americana, professora da Universidade da Pensilvânia, publicou um livro intitulado ‘A Nova História Cultural’, em que reúne oito ensaios assinados por pesquisadores dedicados aos estudos culturais. Nesses trabalhos são abordados diferentes modelos e exemplos desse novo modo de produzir saber histórico.

Na apresentação de sua obra, essa pesquisadora assevera que já em 1961 o historiador E. H. Carr declarava que “quanto mais sociológica a história se torna, e quanto mais histórica a sociologia se torna, tanto melhor para ambas” (HUNT, 2001,

p. 1), o que na época em que foi escrito, desagradou a muitos historiadores e sociólogos. Na sequencia, ela demonstra como é possível aos historiadores ligados à Nova História Cultural compreender as relações econômicas e sociais, de uma determinada época e sociedade, como campos de prática e produção cultural, recorrendo a novos princípios de inteligibilidade, salientando, por exemplo, o papel das representações na criação, conservação e recriação do ambiente social.

Hunt (2001, p. 9) identifica historiadores atuais, como, por exemplo, Roger Chartier e Jacques Revel, com o que seria uma quarta geração da Escola dos Annales. Esses pesquisadores seriam, então, justamente aqueles que compõem a Nova História cultural como corrente teórica. Para eles:

As relações econômicas e sociais não são anteriores às culturais, nem as determinam; elas próprias são campos de práticas culturais e produção cultural – o que não pode ser dedutivamente explicado por referência a uma dimensão extracultural da experiência.

É justamente por isso que Burke (2008) afirma que a constituição da Nova História Cultural representa a emergência de um novo paradigma em termos de produção do conhecimento histórico, considerando-se o termo utilizado por Thomas Kuhn (2005) quando disserta sobre as ‘revoluções científicas’, já que propõe a resolução de velhos problemas historiográficos através de novas abordagens, além de trazer à tona novas temáticas, antes rejeitadas ou simplesmente tidas por objeto de outras disciplinas acadêmicas, dos quais agora os defensores da Nova Histórica Cultural buscaram aproximar-se ainda mais. É assim que esse processo deu origem, por exemplo, ao que Burguière (2011) denominou de Antropologia Histórica.

É, portanto, nesse paradigma que busquei inspiração, na medida em que ele permite que se privilegie como objeto de investigação o que Chartier (1990; 2002; 2009) denomina de práticas culturais, seus sujeitos e seus produtos, entendidos esses últimos em sua materialidade, como objetos culturais.

Essa ênfase que a Nova História Cultural permite dar aos processos de produção, circulação e apropriação de objetos culturais se prestou aos objetivos da pesquisa que me propus realizar, na medida em que oferece a possibilidade de compreender o espiritismo dentro dessa ótica, ou seja, percebendo-o como prática que possui múltiplos significados, para quem o vivencia e para a sociedade no qual está inserido. Assim, a análise que realizei percorreu um “percurso que vai do

significado para o significante, do veículo para a mensagem e, desta, para os grupos sociais que a produzem ou que se apropriam dela” (NUNES; CARVALHO, 1993, p. 44).

Quanto à metodologia, a pesquisa aqui descrita enquadra-se como bibliográfica e documental, com apoio em observações registradas em diário de campo e em depoimentos orais e relatos escritos. Severino (2007, p. 122-123), faz uma análise sobre esses dois primeiros enfoques metodológicos citados, asseverando que:

A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses, etc. Utiliza-se de dados ou de

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