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Encenações

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CAPITULO 2 ARQUEOLOGIA DO SABER

3 A DIALÉTICA DO ESCLARECIMENTO E A RELATIVIDADE DO PROGRESSO

3.8 O PAPEL DA (EXTINTA) SULEIDE (ATUAL “C.A.R.A”)

3.9.4 Encenações

No dia 26 de setembro de 1988, aconteceu no Rio de Janeiro, no Teatro Zi-

embinsky, às 20 horas, a apresentação da peça “Os Reis do Ferro-Velho”, com o ator Walmor Chagas (recentemente falecido), em alusão ao acidente radioativo

de Goiânia, como parte do “Fórum da Universidade Federal do Rio de Janeiro

sobre os Riscos e Benefícios da Energia Nuclear” (BORGES, 2003, ps. 338 e

339).

Cerca de um ano antes, o goiano Hugo Zorzetti, diretor do Grupo Exercício e

professor de teatro, dirigia (à época do acidente) o programa “Êta Goiás!”, na TV Brasil Central, com atores goianos no elenco. A atração exibia adaptações de con-

tos de autores goianos. Enquanto o drama com o Césio transcorria, Zorzetti e sua equipe fizeram dois episódios sobre o assunto.

Figura 20: Cena de uma peça teatral que procurou

transmitir um pouco da atmosfera envolvendo o Césio-137 em Goiânia.

“Balé de Chumbo” foi todo filmado na Avenida Tocantins, entre a Rua 4 e a

Avenida Paranaíba, no local de onde a cápsula de césio fora levada. Assim, os es-

combros do Instituto Goiano de Radioterapia serviram de cenário para artistas

goianos reviverem a história na tela. “Cobrimos todo o itinerário da cápsula”, afirma Zorzetti. A atriz Mara Sandes interpretou Maria Gabriela, esposa de Devair Alves Ferreira (o dono do primeiro ferro-velho), tia da menina Leide, e primeira vítima fatal da tragédia (papel vivido por Joana Fomm no filme de Roberto Pires, “Césio

137, O Pesadelo de Goiânia”).

A propósito do papel interpretado por Joana Fomm, vale mencionar que, no extinto programa Linha Direta (Especial sobre o acidente, que passou em agosto de 2007, pouco antes de a tragédia completar vinte anos), a atriz deu um depoimento emocionado e marcante sobre a gravação da cena em que ela interpreta Maria Ga-

briela, num ônibus e acompanhada de um dos funcionários do ferro-velho (Geraldo Guilherme), levando a “marmita radioativa” (cápsula contendo Césio) até a então

Divisão Estadual de Vigilância Sanitária, que viria a se tornar a FUNDAÇÃO LEIDE DAS NEVES - FUNLEIDE (depois SUPERINTENDÊNCIA LEIDE DAS NE- VES – SULEIDE -, e hoje CENTRO DE ASSISTÊNCIA AOS RADIOACIDENTA- DOS – “C.A.R.A”).

Segundo a atriz, o fato de a cena que ela gravava ter se baseado num episó- dio real provocou nela reações psicológicas e emocionais muito fortes que a fizeram chorar compulsivamente logo após finalizar a gravação da cena. É que Maria Gabri- ela e o funcionário não imaginavam que estivessem transportando uma cápsula que emitia raios-gama pelo orifício frontal dela. (No filme, Maria Gabriela, acompanhada do funcionário, segura a “marmita” diretamente nas mãos, e o que se sabe é que a referida cápsula chegou ao então Serviço de Vigilância Sanitária embrulhada num

saco de aninhagem, conforme atestam as fotos feitas momentos depois, quando o

saco com a peça já havia sido colocado sobre uma cadeira da instituição).

Figura 21: Imagem histórica de Maria Gabriela Ferreira, a

primeira vítima fatal da tragédia, embarcando para o Rio de Janeiro, onde viria a falecer.

Figura 22: Cartaz do filme “Césio 137, O Pesadelo de Goiânia”,

que teve os atores Nelson Xavier e Joana Fomm como principais protagonistas.

Figura 23: Cena do filme em que Devair Alves Ferreira (Nelson

Xavier) é observado por sua esposa Maria Gabriela (Joana Fomm) enquanto segura a “marmita” (cápsula) radioativa.

Figura 24: Fotografia do mesmo filme, com o ator

Paulo Betti no papel do “catador” Roberto.

De fato, Maria Gabriela sempre desconfiara da “peça” trazida para dentro de sua casa pelo marido Devair, embora não soubesse o que era a radioativi- dade. No filme, ela (Joana Fomm) se refere à peça como “trem de hospital”, num característico sotaque goiano. “Este troço está matando o meu povo!”, teria dito Maria Gabriela.

No filme de Zorzetti, trabalharam ainda outros conhecidos atores de Goiânia, entre eles Mauri de Castro e Juquinha. O vídeo foi exibido algumas vezes pela TV

Brasil Central e ainda selecionado para um festival de curtas-metragens.

O acidente com o Césio-137 foi retratado de diversas formas. Além dos vários documentários, a tragédia serviu também como tema de um longa-metragem dirigido pelo cineasta baiano Roberto Pires.

Em “Césio 137, O Pesadelo de Goiânia”, o diretor baiano levou, pelo viés da ficção, o caso que marcou Goiás aos cinemas poucos anos depois de sua ocor- rência. O longa, premiado com diversos candangos no “Festival de Brasília”, é uma ficção com atores globais no elenco, como Nelson Xavier (no papel de Devair

Alves Ferreira); Joanna Fomm (no papel de Maria Gabriela Ferreira); Paulo Bet- ti; Stepan Nercessian, Venerando Ribeiro etc.

Lançado comercialmente em 1990, o longa-metragem mostra desde o primei- ro contato de Devair com a cápsula de Césio até a entrada das vítimas no avião que as levaria para tratamento no hospital Naval Marcílio Dias, no Rio de Janeiro – de onde algumas delas não voltariam com vida, como foi o caso de Leide das Neves, e

de sua tia Maria Gabriela (a primeira vítima a falecer, no hospital da marinha).

Roberto Pires tinha planos de fazer continuações, mas morreu de câncer na

faringe em junho de 2001. Quase todo o longa foi rodado em Brasília. Mas o di-

retor veio várias vezes a Goiânia para pesquisar e rodar algumas cenas nos locais mais contaminados. Faz alguns anos que se especula, sobretudo entre

amigos e familiares, que o cineasta pode ter sido outra vítima da radioatividade do acidente, dado o seu envolvimento e sua entrega total ao tema (alguns amigos con- tam que chegaram a adverti-lo quanto aos possíveis riscos de se envolver tão inten- samente com a tragédia, seus personagens, seus lugares etc.). Não deixa de cha-

mar a atenção o fato de um cineasta de outro Estado da Federação ter-se dei- xado envolver tão profundamente com a história de um acidente ocorrido tão longe de sua terra natal, e com o qual ele só poderia desenvolver laços de afe- tividade.

Um outro diretor baiano, Péricles Almeida, se encarregou de preparar um longa-metragem sobre a vida de Roberto Pires.

Já o documentário goiano “Césio 137 – Assim se passaram 13 anos”, de

2000, foi produzido pelos diretores Beto Leão e Ângelo Lima. Com um tom mais

jornalístico, apesar de algumas cenas dramatizadas, o vídeo se passa centrado nas dúvidas que cercaram o acidente, a começar pela demora na sua divulgação. Esse documentário aborda também a maneira como as vítimas foram tratadas pelas auto- ridades, e o destino dos rejeitos radioativos.

“Eu mesmo fiquei sabendo que algo grave estava acontecendo porque fre- quentava uma lanchonete próxima ao hotel (Castro’s Park Hotel) onde estavam

hospedadas as equipes do Campeonato Mundial de Motovelocidade. Eles fala-

vam que a corrida corria o risco de ser interrompida por algum motivo muito forte, envolvendo toda a cidade. Ficou um zunzum daqueles. Só vários dias depois fiquei sabendo o que era de verdade”, recorda-se Ângelo Lima, o diretor pernambucano radicado em Goiás.

Já Beto Leão explica que “o projeto foi concebido como uma reportagem, mas procurando subverter a estética comum, com uma câmera nervosa reforçando o tom de denúncia”. O vídeo tem 30 minutos.

Ângelo Lima participou de algumas edições do “Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA)” com filmes que tratam do acidente com o Césio. Em 2002, com o curta-metragem “Amarelinha”, ele expôs uma abordagem

lúdica sobre o tema. O filme, que foi premiado no festival, é bastante simples, porém tocante. Em cena, uma menina brinca o tradicional jogo da Amarelinha. Nos quadri- nhos onde ela pula, os nomes das ruas em as principais vítimas do acidente mora- vam, no Setor Aeroporto. A pedra que dá a sucessão de saltos é azul, numa refe- rência à cor emitida pela substância radioativa.

Outro filme de Ângelo Lima sobre o acidente, “O Pesadelo é Azul”, já ga- nhou vários prêmios e foi exibido em Munique, na Alemanha, no dia 14 de outubro deste ano (2011), em evento organizado pela Associação Cultural Teuto-

Brasileira.

“Anjo ‘Blue’”, ou “Anjo Azul”, de 2005, tem direção do fotógrafo e documen-

tarista Nelson Santos, que trabalhou na cobertura de todas as edições do festival

(FICA). O roteiro foi criado em parceria com sua filha, Ana Carolina, à época do aci- dente com 17 (dezessete) anos de idade, e tem como ponto de partida o pesadelo de um fotógrafo com o drama da menina Leide das Neves Ferreira. Em cena, o Balé Jovem do Centro Cultural Gustav Ritter.

O filme “Césio 137, O Brilho da Morte”, do diretor Luís Eduardo Jorge, igualmente premiado no Fica, enfatiza os aspectos antropológicos e psicológicos envolvidos no acidente, questionando também o tratamento dispensado às vítimas pelo Estado (Poder Público). O trabalho insere o drama dos goianos numa suces- são de várias outras tragédias com elementos radioativos e nucleares no século, como no caso de Chernobyl. O filme faz ainda uma homenagem ao cineasta Ro-

berto Pires, diretor do longa-metragem “Césio 137, O Pesadelo de Goiânia”.

Entretanto, vale destacar que, para o crítico de cinema e professor da UFG Lisandro Nogueira, ainda não foi feito “o” filme definitivo sobre o acidente com o Cé- sio.

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