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O PENSAMENTO DE MICHEL FOUCAULT

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CAPITULO 2 ARQUEOLOGIA DO SABER

2.2 O PENSAMENTO DE MICHEL FOUCAULT

Sem dúvida, todo discurso está impregnado (contaminado) de ideologias e in- teresses, já que o ser humano costuma agir de maneira interessada, conforme o que lhe é benéfico. Assim, seria necessário perder(mos) a ingenuidade que costumamos ter ao ler um texto, assistir a um jornal ou ver uma propaganda etc.

Em sua aula inaugural no Collége de France (a qual serviu de base para a publicação de sua obra “A Ordem do Discurso”), o filósofo francês Michel Fou-

cault fala da relação entre discurso e poder. Foucault chama as formas de controle

do discurso de “sistemas de exclusão”. São procedimentos que impedem a criação do discurso, mas não seu pensamento (obviamente). Um exemplo seria o próprio discurso jurídico, que usa linguagem excessivamente técnica e rebuscada (intrinca- da), excluindo o cidadão “comum” desse campo discursivo e fazendo-o deixar de brigar pelos seus direitos. No jornalismo, há o famoso “economês”, usado comumen- te nos cadernos de Economia etc.

texto. São textos feitos para quem já entende do assunto, o que perpetuaria a exclu- são e a concentração do discurso (e do poder). É importante lembrar que nenhum enunciado é neutro. Devemos sempre desconfiar do que lemos. O título, a imagem, cada palavra, tudo possui um significado e não é escolhido por acaso. Quando o discurso pode ser dito, ele esbarra no que Foucault chama de “procedimentos de controle e delimitação dos discursos” (os processos internos), que são basicamente três:

1) O Comentário: nós estamos sempre nos remetendo a outros discursos (revozeando-os). Quase tudo o que falamos já foi dito uma outra vez, embora de forma diferente, com outras palavras, em outro contexto etc.;

2) O Autor: a individualidade do autor delimita o sentido (e o alcance) do discurso. Se for alguém “de renome, de reputação” que estiver falando, terá boa re- ceptividade e boa audiência; se for “um outro qualquer”, terá dificuldades de aceita- ção, e o seu discurso terá menos “valor”, será menos poderoso;

3) A Disciplina: são regras pertencentes a determinado campo ou ciência a que o discurso deve se adaptar ou conformar para ter validade ou credibilidade.

Foucault cita o exemplo de Mendel, que por muitos anos teve suas teorias so- bre a hereditariedade rejeitadas, pois elas iam de encontro à visão da Biologia da época. Evidentemente, essas regras podem mudar conforme o tempo e o lugar. Mas elas não são fáceis de se mudar, porque quem as domina pode controlar

quem participa do discurso.

Poucos pensadores da segunda metade do século XX alcançaram reper- cussão tão rápida e ampla quanto Michel Foucault. Por ter proposto aborda- gens inovadoras para entender as instituições e os sistemas de pensamento, a obra de Foucault tornou-se referência em uma grande abrangência de campos do conhecimento. Em seus estudos de investigação histórica, o filósofo tratou diretamente das escolas e das consequências pedagógicas na Idade Moderna. Além disso, vem inspirando uma grande variedade de pesquisas sobre educa- ção em diversos países. Foi provavelmente Foucault quem pela primeira vez mostrou que, antes de reproduzir, a escola moderna produziu, e continua pro- duzindo, um determinado tipo de sociedade.

A ideia de que “as luzes que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas” indica que, em vez de apenas tentar esclarecer ou discutir as ques- tões filosóficas tradicionais, Foucault desenvolveu critérios de questionamento e crí-

tica ao modo como elas são encaradas. A primeira consequência desse procedimen- to é mostrar que determinadas categorias como a razão, o método científico e até mesmo a noção de homem não são eternas, mas vinculadas a sistemas circunscri- tos historicamente. Para ele, não há universalidade nem unidade nessas categorias e também não existe uma evolução histórica linear. Todavia, o peso das circunstân- cias não significa que Foucault identificasse mecanismos que determinam o curso dos fatos e dos acontecimentos, como ocorre com o positivismo e o marxismo.

Investigando o conceito de homem no qual se sustentavam as ciências naturais e humanas desde o Iluminismo, Foucault observou um discurso em que coexistem o papel de objeto, submetido à ação da natureza; e de sujeito, capaz de apreender o mundo e modificá-lo. Mas o filósofo negou a possibilidade

dessa convivência. Segundo ele, há apenas sujeitos, que variam de uma época para outra e de um lugar para outro, dependendo de suas interações.

Entretanto, Foucault concluiu que a concepção do homem como objeto foi ne- cessária na emergência e na manutenção da Idade Moderna, porque deu às institui- ções a possibilidade de modificar o corpo e a mente. Entre essas instituições se in- clui a educação. O conceito definidor da modernidade, segundo o pensador francês, é a disciplina – um instrumento de dominação e controle destinado a suprimir ou domesticar os comportamentos divergentes. Portanto, ao mesmo tempo em que o iluminismo consolidou um grande número de instituições de assistência e proteção aos cidadãos – como família, hospitais, prisões e escolas –, também inseriu nelas mecanismos que os controlam e os mantêm na iminência da punição. Esses meca- nismos formariam o que Focault chamou de tecnologia política, com poderes de ma- nejar espaço, tempo e registro de informações – tendo como elemento unificador a hierarquia. Para Foucault, as sociedades modernas não são disciplinadas, mas “dis- ciplinares”, o que não significa que todos nós estejamos igual e irremediavelmente presos às disciplinas.

O filósofo francês não acreditava que a dominação e o poder fossem originários de uma única fonte – como o Estado ou as classes dominantes –, mas que são exercidos em várias direções, cotidianamente, em escala múltipla (um de seus livros se intitula “Microfísica do Poder”, volume quase “apócrifo” organizado pelo filósofo Roberto Machado, professor da UFRJ). Esse exercício

também não seria necessariamente opressor, podendo estar a serviço, por exemplo, da criação. Foucault via na dinâmica entre diversas instituições e ideias uma teia

complexa, em que não se pode falar do conhecimento como causa ou efeito de ou- tros fenômenos. Para dar conta dessa complexidade, o pensador criou o conceito de poder-conhecimento. Segundo ele, não há relação de poder que não seja acompa- nhada da criação de saber e vice-versa. Com base nesse entendimento, podemos agir produtivamente contra aquilo que não queremos ser e ensaiar novas maneiras de organizar o mundo em que vivemos.

No caso do acidente de Goiânia, a antropóloga Telma Camargo observa que “a produção do saber sobre o desastre emerge da confrontação entre a memória oficial – sustentada pelas representações governamentais -, e o saber subjugado (FOUCAULT, 1980: 82), trazido pelas lembranças e experiências dos sobreviventes”.

A contestação e a revisão de conceitos – operadas por Foucault – criaram a necessidade de refazer percursos históricos. Não é sobre os governos e as nações que ele concentra seus estudos, mas sobre os sistemas prisionais, a sexualidade, a loucura, a medicina etc. Três fases se sucederam em sua obra. A fase da “arqueolo- gia do conhecimento” é marcada pela análise dos discursos ao longo do tempo, de acordo com as circunstâncias históricas, em busca de um saber que não foi sistema- tizado. A fase genealógica corresponde a um conjunto de investigações das correla- ções de forças que permitem a emergência de um discurso, com ênfase na passa- gem do que é interditado para o que se torna legítimo ou tolerado. Finalmente, a fa- se ética centra o foco nas práticas pelas quais os seres humanos exercem a domi- nação e a subjetivação, conceito que corresponde, aproximadamente, a assumir um papel histórico.

Para Foucault, a escola é uma das “instituições de sequestro”, assim como o hospital, o quartel e a prisão. São aquelas instituições que retiram compulsoriamente os indivíduos do espaço familiar ou social mais amplo e os internam, durante um longo período, para moldar suas condutas, disciplinar seus comportamentos, formatar aquilo que pensam etc.

Nesse sentido, pode-se inclusive acrescentar que algumas dessas institui- ções, como o quartel, além de promoverem uma verdadeira desautorização (censu- ra) das manifestações espontâneas da subjetividade, “matam” o indivíduo, que pas- sa a pertencer a uma engrenagem-sistema sobre a qual exerce pouca ou nenhuma influência.

sentido tradicional, inserido na esfera estatal ou institucional, o que tornaria a con- cepção marxista de conquista do poder uma mera utopia. Segundo ele, este concei- to está entranhado em todas as instâncias da vida e em cada pessoa, não estando ninguém a salvo dele. Desse modo, Foucault considera o poder como algo não ape- nas repressor, mas também criador de verdades e de saberes, e onipresente no su- jeito. Ele investiga os mecanismos do saber em “A Arqueologia do Saber”: “(...)

Sabendo-se analisar as relações de poder-saber veiculadas na sociedade, é possível identificar as características e práticas que contêm efeitos perigosos, dominadores ou negativos”.

É controlando os nossos discursos que as instituições mantêm o poder. As- sim, há diversas formas de controle ou de exclusão do discurso. São excluí- dos aqueles que vão contra a ordem vigente. Que ninguém se deixe enga- nar: mesmo na ordem do discurso verdadeiro, mesmo na ordem do discurso publicado e livre de qualquer ritual, exercem-se ainda formas de apropriação de segredo e de não-permutabilidade (FOUCAULT, 1970).

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