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Encontro com Motoristas Profissionais: caminhoneiros aposentados e motoristas em treinamento na FABET

5 PESQUISAS REALIZADAS NO BRASIL ENVOLVENDO MOTORISTAS PROFISSIONAIS (CAMINHONEIROS)

5.1 Encontro com Motoristas Profissionais: caminhoneiros aposentados e motoristas em treinamento na FABET

Trabalho realizado por Botelho; Adamczyk; Zeferino (2003), da UFSC e FABET, com o objetivo de coletar informações a respeito dos hábitos e atitudes dos motoristas profissionais (caminhoneiros), como primeira etapa do projeto de pesquisa sobre o uso de anfetaminas pelos caminhoneiros.

Tendo como população motoristas aposentados da região e motoristas em treinamento que foram chamados para relatar suas histórias de vida durante um encontro de um dia realizado na FABET em Concórdia/SC. Estes foram inquiridos a respeito de vários assuntos (saúde, segurança, sexualidade, transporte, frete, alimentação, rodovias, acidente, uso de drogas, sono e profissão) referente a seus hábitos, quando conduziam seus caminhões em viagens de transporte de cargas pelo País (os relatos são de motoristas que iniciaram suas atividades nos anos 50 e estão aposentados e motoristas atuantes em treinamento na FABET).

Seguem as transcrições de alguns relatos dos motoristas presentes no encontro agrupados por área:

“Naquela época o motorista quando parava procurava o primeiro ‘pau duro’ para sentar, pois o banco do caminhão era muito desconfortável”. “Usávamos como remédio alho, limão e cachaça, era chamado de ‘desinfetante’ e a graspa (ia na pipa e era melhor do que o sonrisal)”. “Dor de cabeça forte, desmanchava um Melhoral na cachaça. Para gripe tomava doses de São João da Barra com leite e ia para debaixo da coberta e suava muito".

- Segurança: “Viagem à noite era tranqüilo, a nossa preocupação não era assalto, era voltar

para casa". "Em 70 a Sadia botou rádio no caminhão, para controle da frota”. “Hoje os caminhões da Coopercarga só param em locais determinados, tem que pedir permissão, pois tem rastreador, tem que comunicar as paradas”.

- Sexualidade: “Antigamente o índice de doenças sexualmente transmissíveis era menor, o

motorista tinha mais tempo para curar a doença antes de chegar em casa”. “Vou contar a passagem de uma senhora loira, bonita, viúva que fazia tricô, era bastante concorrida, fazia sexo embaixo de uma árvore, fazia sexo e não deixava de fazer o tricô”. “Hoje na estrada tem meninas de 12 e 13 anos se prostituindo, os pais mandam ou elas gostam mesmo, se vendem até por um prato de comida ou roupa, se convidar elas embarcam e vem”.

- Transporte:

Na década de 50, dirigia um Chevrolet ano 50, ‘boca de sapo’. Viajava para São Paulo, levava em torno de 37 horas, tirava o presunto do freezer, envelopava, colocava no caminhão, cobria com lona, dormia aonde a estrada fazia curva, paravam de 7 a 8 motoristas no mesmo lugar e dormiam. O caminhão era sempre novo, com 25 mil km a Sadia trocava, porque se quebrasse na estrada, perdiam toda a carga”. “Comecei em 1968, trabalhei 25 anos no transporte como empregado na Sadia, dirigia um caminhão F600 a gasolina. Fazia a viagem até o Rio de Janeiro, caminhão carregado, dirigia 35 a 40 horas seguido, usava uma lona térmica para conservar e manter os produtos resfriados, pois era carga de mortadela que saía do freezer a 8º C e tinha que chegar no Rio de Janeiro a no máximo 12ºC, carregava 7.500Kg”.

- Frete: “Antigamente uma viagem até São Paulo, comprava até cinco pneus, hoje não dá

mais, dava até para voltar vazio”. “O que liga os antigos aos novos motoristas é viajar sob pressão”. “A importância em ter domínio completo do caminhão naquela época é que já viajávamos sob pressão, como acontece hoje em dia, tínhamos horário para a entrega da

carga”. “Hoje em dia levamos 8 dias para ir e voltar a Fortaleza, temos que rodar mais de 800 km por dia em torno de 12 a 15 horas/dia, geralmente dirigimos das cinco e meia a meia- noite”.

- Alimentação: “Não tinha restaurante, paravam em qualquer lugar e comiam, comida

caseira”. “Naquela época não tinha cozinha no caminhão”.

- Vias: “Não tinha asfalto, tinha em alguns trechos paralelepípedo”. “Em torno de 1968 levei

45 dias até Fortaleza. Em 1970, começou o asfalto em alguns trechos, o resto era calçamento e estrada de chão, levava 2 dias de Concórdia à Florianópolis, 18 a 20 horas até Curitibanos”. "A estrada não acompanhou a evolução dos caminhões. No Brasil há corrupção na construção das estradas”. “Existe hoje o caminhão bi-trem, que carrega 50 toneladas e destrói a estrada”.

- Acidente de trânsito: “O motorista tem que ter cuidado para ultrapassar, tem que ter

coragem mas não perder o medo. Temos que aprender a aliviar o pé do acelerador”.

- Uso de drogas: “Na nossa época não existia drogas como maconha e outras drogas, só tinha

o cigarro Belmont e Liberty e o lança-perfume para brincar, não tinha facilidade de acesso”. “Por volta de 1970, tomei ‘rebite’ pela primeira vez numa viagem no Rio Grande do Sul, viajei à noite toda sem sono, tomei apenas um, não deu um pingo de sono, das 10 horas da noite às 6 horas da manhã”. “Não consigo entender como o ser humano consome droga e atenta contra a própria vida. Antigamente a nossa droga era Cibalena, Coca-Cola, café e graspa". "Quando pegamos carga de camarão em Fortaleza e tem que chegar em São Paulo, aí é que entra o rebite e o Red Bull com uísque, temos que fazer em 3 dias sem dormir”.

- Sono: “Para controlar o sono tocava uma gaita de boca ou mordia a língua. Orientavam para

que eu tomasse uma Coca-Cola com café”. “Quando cansava me debruçava no assento e dormia, também podia dormir em hotelzinho, que era barato na época”. “A turma toma rebite para não dormir, mas eu molhava a toalha e sentava em cima para me manter acordado”. “Mascava chiclete e molhava a testa. O melhor mesmo é quando sente sono parar e dormir por uma hora”. “Se o sono chegar, pare e descanse, o sono é o maior amigo da morte”.

- Profissão: “Se furasse o pneu não tinha borracheiro, enchia o pneu com a bomba manual,

lingüiceiro, para entender da carga”. “O caminhoneiro era um solitário, mas se furasse um pneu os outros ajudavam, havia bastante solidariedade. Na volta trazia o cofre da sadia de São Paulo para Concórdia, para camuflar escrevia - pregos velhos - em cima da caixa, onde estava cheia de dinheiro”. “Na viagem a primeira coisa que eu olhava era se tinha machado, foice e um cabo de aço, para tirar os paus da estrada, pois às vezes ventava à noite e caiam árvores nas estradas”. “O motorista tinha que ser mecânico, para poder chegar ao fim da viagem, tendo que levar uma caixa de chaves, porque às vezes era preciso trocar vela, o carburador sujava, tirava e fazia a limpeza, via a bóia do carburador, fazia 200 Km tinha que limpar o platinado porque formava um carvão, limpava com uma lixa, aprendi também a regular a abertura do platinado, pois nos anos 60 tinha que saber trocar e regular a abertura, aprendi a fazer as cinco marchas numa caixa seca, fazendo a marcha em duas pedaladas”. “Tinha que levar várias peças do motor para reposição, hoje o motorista pode viajar de terno e sapato engraxado, o caminhão é a casa de moradia”. “Antigamente o motorista dominava o caminhão, hoje é o caminhão que domina o motorista”.

5.2 Turnos Irregulares de Trabalho e sua Influência nos Hábitos