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O enfoque centrado na pessoa: uma abordagem humanista-existencial da subje-

Nossa ênfase é na singularidade da experiência de permanecer sofrendo na relação amorosa e no como tal experiência é vivenciada pelas mulheres participantes desta pesquisa.

É oportuno destacar que a nossa visão de homem e do modo como a subjetividade é abordada e concebida, inicialmente muito próximas da visão de Rogers, distanciou-se um pouco dessa posição, pois passamos a questionar alguns limites teóricos, ao depararmo-nos com o fenômeno em investigação neste trabalho buscando compreendê-lo. Nessa alteração de perspectiva, vemos como imprescindível a consideração da dimensão histórico-cultural da subjetividade humana, aspecto que, ao nosso ver, não foi tratado satisfatoriamente por Rogers em sua abordagem teórica. Não temos a pretensão de formular novos conceitos teóricos, mas sim desejamos chamar a atenção para a configuração histórico-cultural do ser humano, a qual constitui o contexto da formação do self. Entretanto, cabe-nos interrogar a respeito da concepção de subjetividade tal como entendida por Rogers, confrontando-a com o pensamento de autores contemporâneos identificados com a perspectiva sócio-histórica, tais como Mancebo (2002), Rey (2003) e Miranda (2000). É importante salientar que o conceito de subjetividade não é abordado diretamente por Rogers, mas as idéias e pressupostos que compõem a sua teoria oferecem um entendimento do modo como a dimensão subjetiva é concebida por esse autor.

A seguir, refletiremos brevemente sobre essa questão e dialogaremos com autoras de orientação fenomenológico-existencial, como Dutra (2000) e Moreira (2001), as quais

formularam um novo entendimento de alguns aspectos da perspectiva rogeriana. Estaremos, assim, exercitando o olhar crítico sobre a nossa posição teórica, o que consideramos de especial relevância neste trabalho. Prosseguiremos aprofundando o nosso entendimento acerca da subjetividade, segundo a perspectiva de Rogers, focalizando o self ou autoconceito, com o qual, como já esclarecemos, presumimos relacionar-se a experiência que buscamos compreender.

3.1 Um olhar crítico sobre o conceito de subjetividade na perspectiva de Rogers

O enfoque centrado na pessoa tem como criador o psicólogo Carl R. Rogers. Tal perspectiva considera, como centro de suas preocupações, a pessoa, concebendo-a como dotada de um potencial para o desenvolvimento em sentido pleno. Ressalta o respeito pelo ser humano bem como valoriza “(...) o papel dos sentimentos e da experiência como fator de crescimento” (Moreira, 2001, p. 41).

Ao enfatizar, em sua teoria, a idéia de que existe um potencial e uma capacidade para o autodesenvolvimento, inerentes ao indivíduo que possibilita crescimento de forma plena, Rogers apresenta, como esclarece Moreira (2001), uma “(...) concepção da natureza humana como fundamentalmente construtiva e autorreguladora” (p.41). Esse potencial, segundo Rogers (1977), só não poderá manifestar-se em pessoas que tenham algum comprometimento sério, como lesões ou conflitos estruturais, pois requer, para a sua expressão total, um ambiente no qual existam condições psicológicas adequadas ou, de modo mais específico, um contexto de relações que propiciem a conservação da concepção que a pessoa faz de si mesma. Portanto esse autor sinaliza a presença de fatores ambientais, especialmente a configuração familiar do indivíduo, como sendo dificultadores ou facilitadores do pleno exercício desse potencial, que ele denominou tendência atualizante.

Nessa sucinta introdução ao pensamento de Rogers, observamos, de imediato, uma visão de subjetividade semelhante à das abordagens psicoterapêuticas em geral, cujos postulados enfatizam a constelação familiar do indivíduo e os aspectos intrapsíquicos. Com isso, os processos sócio-históricos mais amplos costumam ser negligenciados, parcialmente ou em sua totalidade. Há autores contemporâneos que, assim como Miranda (2000), defendem a idéia de que o reduto “psi” não dá conta da heterogeneidade da subjetividade contemporânea, sendo necessário recorrermos a disciplinas, tais como sociologia, economia, arte, antropologia, e outras.

Para Rogers (1977), a capacidade de auto-realização do indivíduo é a expressão psicológica da tendência à atualização, que lhe é inerente. Essa capacidade tem como finalidade “(...) desenvolver as potencialidades do indivíduo para assegurar sua conservação e seu enriquecimento” (p.41). No entanto vale ressaltar que a tendência à atualização está a serviço daquilo que o indivíduo percebe como auto-enriquecedor e autovalorizador. Desse modo, é partindo do marco de referência da própria pessoa, dos significados pessoais e do modo como o ser humano se percebe no mundo que a tendência à atualização exerce a sua plenitude. Ao afirmar que “todo indivíduo existe num mundo de experiência, do qual ele é o centro e que está em permanente mudança”, Rogers (1951, p.467) acentua, como cerne de suas experiências, a valorização do indivíduo. Ao fazer uma leitura crítica sobre o modo como a subjetividade é abordada por Rogers, vemos que a primazia da pessoa, tida como centro de suas preocupações, denota o entendimento da subjetividade associada à “(...) imagem de uma experiência privada, intransferível e irrenunciável” (Dommènech, M., Tirado, F., e Gómez, L., 2001, p.114). Além disso, a ênfase no “indivíduo” corrobora a assertiva de Mancebo (2002) sobre ser esta a categoria tida como principal referência, na modernidade ocidental, para o entendimento da

subjetividade, destituída de seu caráter histórico e social. Essa autora conclui que, “na psicologia, o conceito de indivíduo muitas vezes apresenta-se como um a priori não problematizado, tanto nas suas formulações teóricas, quanto em seus desdobramentos prático-profissionais” (p. 101).

Concordamos com Dutra (2000), no seu entendimento de que a teoria psicológica de Rogers “(...) assume como prioridade o vivido, a experiência subjetiva do indivíduo, ou seja, o mundo interno da experiência” (p 19). Assim, vemos a subjetividade, na teoria rogeriana, situada no campo individual, concebida como dimensão interior, reduto intrapsíquico a partir do qual derivam as condutas humanas.

Em sua teoria da personalidade e da conduta, Rogers (1951), enfatiza que “a realidade é, fundamentalmente, o mundo particular das percepções do indivíduo” (p. 469). Ao ressaltar o valor atribuído ao mundo interno, o autor parece defender a existência de duas realidades: a interior e a exterior, sendo esta última dependente da primeira. Essa constatação é coerente com a assertiva de Domènech et al (2001) acerca da dificuldade da ciência psicológica em romper com a tradição cartesiana.

A teoria da personalidade rogeriana enfatiza a existência de um “eu”, self ou auto- imagem, o que, de acordo com Miranda (2000), parece sugerir a existência de um modelo identitário. A autora trata da relação entre identidade, individualidade e subjetividade, argumentando que a subjetividade distancia-se da identidade e da individualidade, pois “(...) é marcada menos por uma etiqueta identificatória do que pela diversidade, pela heterogeneidade dos modos que ela pode assumir” (p.38). Nesse contexto, a autora acrescenta que a singularização perpassa não apenas o indivíduo, mas os grupos e instituições. Esse posicionamento é semelhante ao de Guatarri e Rolnik (1986), quando afirmam que “(...) a identidade é aquilo que faz passar a singularidade de diferentes

maneiras de existir por um só e mesmo quadro de referência identificável” (pp. 68-69). Nesse sentido, tais autores não vêem o termo identidade como algo que se afirma pelo contraste, mas como um rótulo ou algo semelhante que aprisiona os potenciais de singularização.

A configuração cultural e histórica do ser humano também é valorizada por alguns autores de orientação fenomenológico-existencial, dentre os quais Dutra (2000) e Moreira (2001). Estas autoras buscaram ampliar a sua compreensão da teoria de Rogers, destacando e criticando alguns limites dessa abordagem, especialmente no que diz respeito à desconsideração do caráter histórico e mundano do ser humano. Nesse sentido, Moreira (2001) afirma que Rogers ignora a realidade concreta, o contexto sociocultural, em virtude de seu objetivo restringir-se “(...) a pensar em uma maneira mais adequada e efetiva de relacionar-se interpessoalmente” (p. 58). Acrescenta que a psicoterapia de Rogers precisa evoluir “(...) para uma concepção de homem enquanto ser-no-mundo e, como tal, como fenômeno em mútua constituição com o mundo” (p. 162).

Rey (2003), autor de considerável destaque na perspectiva sócio-histórica, a despeito das críticas lançadas à psicologia humanista, da qual Rogers é um dos representantes mais expressivos, afirma reconhecer a “(...) sua aproximação histórico- cultural aos processos de subjetivação humana” (pp. 62-63). Também sinaliza que, assim como a abordagem histórico-cultural, o pensamento humanista apresenta princípios fundadores que “(...) não estão cristalizados em um hermetismo epistemológico que impede toda reflexão ou transformação por parte de seus seguidores (...)” (p. 59). Por fim, argumenta que o humanismo “(...) se coloca na perspectiva de um sujeito cujas construções representam importantes motivações do comportamento, o que também apareceu com particular força no marco soviético original do enfoque histórico-cultural” (pp. 62-63).

Um aspecto, ao nosso ver, fundamental, a ser ressaltado na teoria de Rogers é a sua forte ênfase na dimensão processual do ser humano, expressando, segundo Dutra (2000), uma forma de ver a subjetividade ancorada na compreensão da “(...) existência humana como um processo que se pauta nas possibilidades de um poder-ser (grifo nosso) que se constrói a cada momento da experiência” (p. 32). A processualidade do sujeito, no curso de sua ação, também é defendida por autores da perspectiva sócio-histórica, dentre os quais aqueles que vimos citando neste capítulo. Isso nos leva a afirmar, de maneira, talvez, provocadora, que pensamos ser esse um fio condutor que parece aproximar essa perspectiva da teoria de Rogers. Nesse sentido, vale ressaltar o que Miranda (2000) afirma: que pensadores como Deleuze e Guatarri apontam para uma mudança de paradigma, rejeitando a constitutividade e adotando a processualidade, na abordagem dos fenômenos e da própria subjetividade. Em outros termos, podemos dizer que a constante abertura ao devir e a manutenção desse fluxo contínuo são primordiais para a construção de uma nova sensibilidade, de uma configuração existencial reveladora de singularidade. Urge, portanto, como destaca a autora, que o ser humano abra mão de referências identitárias, que aprisionam sua subjetividade. Assim, as abordagens teóricas referidas neste estudo, apesar de apresentarem concepções de subjetividade radicalmente distintas, demonstram a relevância de estarmos em constante devir, abertos ao processo de fluidez característico do viver. Elas parecem aproximar-se no que diz respeito à crença na possibilidade do ser humano existir como um processo, desencadeando mudanças construtivas em sua vida, em contato com os sentidos que vai dando à sua existência.

Essa breve exposição das principais idéias do criador da ACP leva-nos a pensar a subjetividade como uma dimensão intrapsíquica do ser humano. O desenvolvimento e a constituição dessa subjetividade se alicerçam no meio, na relação com o outro,

especialmente no contexto familiar do qual a pessoa faz parte. A subjetividade é, ainda, concebida como um mundo íntimo e privado, constituído por experiências que fluem constantemente, as quais só são acessíveis ao próprio indivíduo e, em sua maioria, constituem a base do campo perceptivo. Este fundamenta o autoconceito ou self, principal referência para as ações humanas. Tal concepção de subjetividade, no nosso entender, carece de contextualização histórico-cultural, de focalização na existência do mundo concreto, como bem sinalizam os humanistas que criticam essa abordagem.

Um parêntese aqui se faz necessário, em virtude de, por outro lado, acharmos pertinente que uma abordagem psicoterapêutica, oriunda do campo da clínica, tal como a que originou a teoria de Rogers, enfatize a constituição da subjetividade com grande ênfase na dinâmica familiar do indivíduo, pois observamos, em nossa prática profissional, que esse aspecto, embora não seja o único, como vimos sinalizando, parece afetar sobremaneira o modo como o indivíduo existe no mundo. Inclinamo-nos a pensar, ainda, que a diferença entre as perspectivas teóricas aqui abordadas diz respeito, sobretudo, à ênfase atribuída aos aspectos que constituem ou formam a subjetividade humana, o que nos faz ver que toda teoria possui suas limitações, constituindo formas apenas diferentes de olhar a realidade. Por fim, ainda no que se refere à concepção de subjetividade na teoria de Rogers, ressalta- se um pressuposto essencial, que parece aproximar, como já vimos, tal abordagem da perspectiva sócio-histórica, a saber, o caráter processual e dinâmico da subjetividade, assim como o seu poder de construção e re-construção. Esse aspecto, apesar de, pelo que nos parece, ser comum a todas as teorias psicológicas, é significativamente valorizado pelas abordagens em questão.

No entanto a maioria dos aspectos que compõem a subjetividade, segundo o criador da ACP, é questionada por autores contemporâneos da perspectiva sócio-histórica, tais

como os que citamos até este ponto do capítulo. Apesar de concordarmos com uma parte dessas críticas, continuamos ancorada no pensamento de Rogers e na forma como ele concebe a subjetividade, respaldada pelas contribuições de Eugene Gendlin, apontadas adiante. Isso não implica, no entanto, correndo o risco de ser sermos repetitiva, fecharmos os olhos para a realidade social e histórica, na qual a subjetividade se constitui e que permeia os sentidos que o ser humano atribui às suas experiências.

3.2 Entendendo o self ou autoconceito

Inicialmente, focalizaremos a concepção de self de acordo com as idéias e pressupostos formulados por Rogers e, mais adiante, apresentaremos tal constructo à luz das contribuições de Eugene Gendlin. Esclarecemos, no entanto, que optamos por articular teoricamente a questão da permanência no sofrimento com o self e outros aspectos da ACP, apenas no capítulo que trata da discussão deste trabalho.

A teoria da personalidade de Rogers é fruto da experiência clínica desse autor, que ouvia pacientemente as gravações das sessões com seus clientes, elaborando, assim, importantes hipóteses. Rogers (1974), tinha uma constante preocupação, com o rigor científico de suas formulações teóricas, haja vista que tinha como importante objetivo “(...) submeter a dinâmica e os resultados da terapia a rigorosas investigações experimentais”(p. 202). Esse aspecto evidencia um posicionamento crítico e ético daquele teórico, na formulação de pressupostos, produzindo uma das abordagens mais consistentes e coerentes no campo da psicologia.

A teoria da personalidade de Rogers está longe de ser dogmática, pois é incompleta e inacabada, estando aberta a novas contribuições. Caracterizada pelo dinamismo, enfoca, sobretudo, o aspecto processual da personalidade, em oposição às estruturas fixas e

imutáveis desta (Rogers, 1974). Esse autor considera sua teoria como sendo de natureza fenomenológica e existencial, apoiando-se nas teorias organísmicas da personalidade e nas idéias dos fenomenólogos Snygg e Combs (1949).

O conceito de si mesmo ou self é central na teoria da personalidade de Rogers. O self é um fator que orienta a conduta humana, ou seja, a configuração mutável das percepções que o indivíduo tem de si próprio fundamenta as suas ações no mundo. Essas percepções envolvem as qualidades e defeitos, valores, capacidades e limites, atributos, ideais e características que o indivíduo reconhece como parte de si mesmo, de sua identidade. Essa estrutura perceptual constitui a base de todas as percepções que envolvem o “experienciar” do indivíduo em cada momento de sua existência; ou seja, o mundo é percebido pelo indivíduo a partir da noção que este tem de si mesmo.

A tendência atualizante, entendida como a força interna que naturalmente conduz o ser humano ao crescimento, fornece a energia necessária para que o self direcione as ações humanas. Estando à disposição do autoconceito, a tendência atualizante busca conservar a imagem que o indivíduo faz de si mesmo e, para que o seu desenvolvimento seja eficaz, o autoconceito deve ter um caráter realista ou, em outros termos, deve haver “(...) congruência entre os atributos que o indivíduo acredita possuir e aqueles que de fato possui” (Rogers, 1977, p.45). Assim, para que a auto-percepção do indivíduo seja realista, deve fundamentar-se no fluxo de experiências reais, sentidas, de modo que o acesso a elas seja livre e constante, possibilitando ao indivíduo contactar consigo e reconhecer tudo o que se processa internamente (sentimentos, emoções, desejos, pensamentos etc.), sem se conformar a exigências externas, do mundo social em que vive, ou ainda, sem buscar adequar suas experiências ao seu autoconceito que, nesse caso, poderia contrariar essas exigências.

É importante esclarecer que o conceito de si mesmo se forma à medida que a criança interage com seu ambiente, em especial com as pessoas significativas presentes em seu meio. Nessa interação, o indivíduo, durante a infância, vai construindo “(...) conceitos acerca de si mesmo, acerca do ambiente, e acerca de si mesmo em relação com o ambiente” (Rezola, 1975, p. 152). A criança busca conservar o amor dos pais e, conseqüentemente, conservar sua própria estima. Em virtude das atitudes, muitas vezes, avaliativas e pouco receptivas dos pais, a criança, movida por tal impulso ou necessidade básica, introjeta valores alheios como se fossem próprios, e esses valores vão formando parte do seu campo perceptual. Assim, ela se distancia progressivamente de suas experiências reais, negando certas experiências e distorcendo outras, com o intuito de manter o apreço das pessoas socialmente significativas e a imagem de si mesma. Estabelece-se, dessa forma, uma incongruência entre a experiência e o conceito de si mesmo, de modo que o núcleo do conflito psíquico se dá justamente, conforme esclarece Rezola (1975), pela “(...) discrepância entre o que acontece em termos organísmicos e as percepções conscientes de si mesmo” (p. 154). Em virtude disso, acrescenta o autor, a conduta do indivíduo não se dirige para a satisfação das necessidades, mas para preservar a rígida estrutura do si mesmo, comprometendo a tendência atualizante.

Parece ser coerente, de acordo com o que expusemos, pensarmos que o modo como a mulher se percebe e a auto-imagem decorrente dessa percepção relacionam-se à sua experiência de permanência no sofrimento, pois a noção de eu é fundamental no direcionamento dado pelo ser humano à sua existência. Isso nos faz questionar se essas mulheres não estariam “aprisionadas” a um autoconceito marcado por idealizações e expectativas sociais referentes à sua maneira de agir, ou mesmo de existir. Como acredita Rogers (1974), muitas pessoas baseiam suas escolhas e modos de conduta no juízo alheio,

de outros indivíduos, adotando uma maneira de agir conhecida ou valendo-se de um código de ação definido por um grupo ou uma instituição, fechando-se à sua experiência real, sentida, que poderia fundamentar as suas ações de modo a garantir um maior nível de correspondência entre a experiência e a consciência. Sobre isso, Rogers (1951) enfatiza que as atitudes dos pais costumam ser introjetadas e experimentadas pela criança, “(...) como se estivessem baseadas em conclusões alcançadas pelo próprio aparelho visceral e sensorial” (p. 483). Configura-se, assim, um autoconceito baseado parcialmente numa simbolização distorcida .

Ao debruçarmo-nos sobre a teoria da personalidade de Rogers, remetemo-nos ao fato de que em 1947, Rogers escreveu um artigo que representou o esboço de sua posterior teoria da personalidade, abordando a estreita relação existente entre o self e a conduta humana. Rogers adota uma perspectiva fenomenológica, enfatizando o ponto de vista subjetivo da pessoa. Uma das hipóteses apresentada por ele refere-se ao si mesmo (self), como sendo “(...) um fator básico na formação da personalidade e na determinação da conduta” (Rezola,1975, p.107). Isso denota que, para o autor, não devemos pensar a personalidade, o si mesmo e a conduta como aspectos independentes, mas inter- relacionados. A segunda hipótese apresenta a idéia de que a conduta é orientada pela percepção que o indivíduo tem da realidade. A última hipótese chama a atenção para a globalidade das percepções relativas ao próprio indivíduo, de modo que, quando em coerência com o conceito de si mesmo, a pessoa é considerada psiquicamente adaptada.

Para que possamos entender mais claramente o constructo de self ou autoconceito em Rogers, faz-se mister lembrarmos o que ele afirma acerca do campo fenomenológico ou perceptual: este “inclui tudo o que é experimentado pelo organismo, quer essas experiências sejam captadas pela consciência ou não” (Rogers, 1951, p.467). Esse campo

fenomênico, como esclarece o autor, é de fundamental importância na formação do self, pois este abrange as sensações sensoriais e viscerais que são simbolizadas ou experimentadas pela consciência.

O conceito de si mesmo abrange todas as percepções do indivíduo, as quais se organizam de modo fluido e mutável, possibilitando um processo de reorganização contínua da sua configuração. Como já assinalamos, a teoria da personalidade de Rogers concebe a adaptação psicológica como uma “(...) congruência ou coerência entre o organismo e o self” (Rezola, 1975, p.211). A congruência, nessa teoria da personalidade, refere-se ao “(...) acordo interno entre o conceito de si mesmo e a experiência” (p.213). Ela requer um contato constante do indivíduo com o fluxo de sentimentos e experiências que se processam a cada momento da existência.

Em sua teoria da personalidade, Rogers parte da proposição de que o indivíduo possui, como nos referimos anteriormente, um mundo interior, o qual é potencialmente acessível, na sua integralidade, apenas a ele. Esse mundo interior é designado como campo fenomenal ou campo experiencial, e está em contínuo processo de organização e

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