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O caminho escolhido para a compreensão da questão

Entrar realmente no mundo do outro, com aceitação, cria um tipo de vínculo muito especial que não se compara a nenhuma outra coisa que eu conheça.

(Carl Rogers)

Acreditamos que as pessoas criam sentidos para as experiências que vivem no decorrer de suas vidas e que estes são uma expressão de singularidade, a qual se constitui e se insere em um contexto plural, social e histórico, sendo, portanto, perpassada pela presença do outro. Nessa perspectiva, entendemos que os sentidos atribuídos pelas mulheres à sua experiência de sofrimento permanente na relação amorosa, dizem respeito, em especial, ao mundo íntimo de sensações, idéias, emoções e percepções, construído ao longo de suas vidas. Assim, o self constitui um aspecto da subjetividade, com qual se relaciona, como já ressaltamos, a experiência que estamos investigando. Lembramos que, de acordo com o nosso entendimento, o self nas mulheres participantes deste estudo é constituído e permeado não apenas pela dinâmica familiar, mas também por aspectos da realidade histórica e cultural circunscritos (especialmente) à dimensão de gênero e aos ideais do amor romântico.

Esta pesquisa encaminhou-se, portanto, na direção da experiência, a qual buscamos compreender através da narrativa, que é uma das suas formas de expressão. Carl Rogers (1977) vincula a atividade de pesquisa à experiência:

Uma das minhas convicções mais profundas diz respeito à razão de ser da pesquisa científica e da explicação teórica. Em

minha opinião, a finalidade capital deste tipo de empreendimento é a organização coerente de experiências pessoais significativas. A pesquisa não me parece, pois, alguma atividade especial, quase esotérica, ou um meio de adquirir prestígio. Vejo a pesquisa e a teoria como um esforço constante e disciplinado visando descobrir a ordem inerente à experiência vivida (p.149).

Desse modo, esclarecemos que o caminho percorrido para obtermos a compreensão do fenômeno em investigação fundamentou-se na pesquisa qualitativa, modalidade de pesquisa que busca aprofundar e compreender, de forma detalhada, um determinado problema (Richardson, 1999). Um dos aspectos relevantes desse tipo de pesquisa diz respeito ao envolvimento do pesquisador com o(s) participante(s) da pesquisa, que, de acordo com Minayo (1993), “(...) em lugar de ser tomado como uma falha ou um risco comprometedor da objetividade, é pensado como condição de aprofundamento de uma relação intersubjetiva” (p. 124). Assim essa autora acrescenta que, na situação de entrevista, “assume-se que a inter-relação contempla o afetivo, o existencial, o contexto do dia-a-dia, as experiências, e a linguagem do senso comum, e é a condição ‘sine qua non’ do êxito da pesquisa qualitativa” (p. 124). Cabe salientar que, neste trabalho, tal modalidade de pesquisa está alicerçada na fenomenologia.

4.1 O método fenomenológico de Heidegger

A fenomenologia é denominada, etimologicamente, como a ciência ou o estudo do fenômeno (do grego phainómenon, que significa aquilo que vem à luz). Ela teve origem no pensamento de Edmund Husserl e data do início do século XX, tendo recebido contribuição dos pressupostos de Franz Brentano. O contexto que favoreceu o seu surgimento

caracterizou-se pela crise da filosofia e das ciências, a partir de reflexões acerca da ciência positivista, centrada na perspectiva do objeto, e da metafísica, totalmente ligada ao subjetivismo. Como atitude filosófica e metodologia científica, a fenomenologia buscou unir o extremo objetivismo e o extremo subjetivismo em suas noções de mundo e de racionalidade.

Na visão de Critelli (1996), a fenomenologia formulou outros modos de se compreender “(...) o homem, o mundo, o pensamento, o ser, a verdade, o tempo o espaço etc., para além daqueles que nos foram legados pela nossa tradição ocidental metafísica (...)” (p. 08). A autora esclarece que, somente entrando em contato com tais significados “(...) é que podemos começar a entender a possibilidade de um jeito fenomenológico de compreender o mundo” (p. 08) e de estar com o outro nas diversas situações, dentre as quais, a de pesquisa. Concordamos com Critelli (1996), ao afirmar que “a tarefa de se pensar uma metodologia fenomenológica de conhecimento é, em última instância, uma reflexão sobre o modo humano de ser-no-mundo (...)” (p. 16), ou seja, o modo de conduzir a própria existência, a busca do sentido de ser.

Ressaltamos que nossa opção pela perspectiva fenomenológica de pesquisa fundamenta-se na analítica existencial do filósofo Martin Heidegger, pois entendemos que suas idéias vêm ao encontro do que pensamos.

A principal preocupação de Heidegger é com o ser, o qual só pode ser acessível ao próprio homem (por ele denominado dasein, ou “ser-aí”), na medida em que este interroga sobre si mesmo. Assim, a ontologia heideggeriana tem como objetivo primordial descobrir o sentido do ser; sendo necessário, para tal, recorrer a uma análise do modo de ser do ser-aí, que é a existência. A presente pesquisa possibilitou a cada participante indagar sobre o seu

sofrimento amoroso, buscando desvelar o sentido subjetivo de tal experiência, refletindo, assim, sobre o rumo da sua própria existência.

Um ponto importante do pensamento do filósofo alemão Heidegger é seu modo de conceber o método fenomenológico. Esse método se baseia no pensamento “(...) de que existe um primado da tendência para o encobrimento” (Stein apud Heidegger, 1979, p.89). Portanto não há uma realidade esperando ser aprisionada por nossos recursos metodológicos, como propunham Husserl e outros filósofos; para Heidegger, o essencial nas coisas está encoberto. Daí decorre que o fenômeno possui uma condição ambígua, pois é, ao mesmo tempo, aquilo que se oculta e que se revela. Isso denota que, “para a fenomenologia, há uma coincidência entre ser e aparência” (Critelli, 1996, p. 29). Tal idéia nos faz pensar que sempre haverá aspectos do fenômeno a serem desvelados, de modo que o pesquisador precisa estar consciente da impossibilidade de compreender totalmente o seu objeto de investigação. Do mesmo modo, ao falarem sobre a sua experiência, as participantes desta pesquisa foram, gradativamente, desvelando aspectos encobertos da realidade que vivenciam, sem jamais apreendê-los por completo.

Vale salientar que Heidegger diverge radicalmente da posição do mestre Husserl, ao enfatizar a compreensão do ser situado no mundo, diferente da concepção de uma consciência dirigida ao mundo, a qual denota uma valorização da subjetividade e redução da compreensão do ser a essa dimensão.

Assim se expressa Stein (1983),

Compreendido o ser como velamento e desvelamento, decidido que o ser é “a coisa mesma”, estabelecido que o ser desde a antiguidade se dá como tempo, determinado que o método da filosofia é o mostrar fenomenológico, está resumida toda problemática heideggeriana e o que a separa das experiências e das intenções de Husserl. Tarefa fundamental da filosofia

será, portanto, para Heidegger, captar o ser como velamento e desvelamento através de um método e num horizonte adequados. O método será a fenomenologia esboçada em Ser e Tempo. O horizonte será o tempo que desde a antiguidade se liga ao ser (p. 42).

O método fenomenológico de Heidegger consiste, portanto, em realizar uma análise da própria existência humana, buscando-se nessa análise, apreender os modos como o ser-aí se mostra e se dissimula na cotidianidade. É justamente “(...) no movimento de fuga de si- mesmo, numa tentativa de não se assumir na sua totalidade (...)”, que se deve efetuar a analítica do ser-aí cotidiano (Stein, 1983, p.103). Nessa circunstância, o homem é chamado a refletir sobre a direção que está dando à sua existência, podendo ressignificar a sua presença no mundo e ir ao encontro de um modo de vida pautado em seus próprios valores e possibilidades, portanto mais satisfatório e revelador do seu “si-mesmo”. Em se tratando desta pesquisa, talvez seja coerente pensarmos que o sofrimento amoroso vivido pelas participantes deste estudo revela um self, um modo de existir e de perceber-se no mundo caracterizado pela dificuldade de fazer escolhas que favoreçam as vivências de bem-estar e auto-realização genuínos, visto que fundamentadas em suas experiências reais.

Heidegger parte de uma compreensão da existência na qual o sentido surge nas relações do homem com o mundo. Não há, portanto, uma separação entre o ser e o mundo. Esse pressuposto de Heidegger, como já ressaltamos anteriormente, merece especial atenção, pois é o principal aspecto que distancia o seu pensamento do de Husserl, ou seja, este enfatizou o sujeito ou eu transcendental, a dimensão da subjetividade; Heidegger, ao contrário, buscou compreender o ser em sua facticidade. De outra maneira, podemos dizer que, para esse filósofo, a consciência não se dirige ao mundo, ela está no mundo. De acordo com Stein (1983),

A fenomenologia heideggeriana se tornaria uma meditação da finitude. A idéia de verdade e não- verdade, de velamento e desvelamento aponta para a incompletude de toda a compreensão do ser e da verdade na medida em que se dão na facticidade do ser-aí (p.49).

Podemos depreender, da afirmação acima, que, para Heidegger, a existência humana se dá no mundo, na cotidianidade, constituindo-se como um processo, uma obra inacabada e que não pode ser apreendida por completo. O ser não se mostra totalmente; ele existe num movimento constante de construção e reconstrução, de velamento e desvelamento. Sua compreensão é ilimitada e, portanto, está sempre em aberto.

Desse modo, ao perseguirmos a busca do sentido dado pelas mulheres participantes desta pesquisa à sua própria experiência, buscamos estar atenta àquilo que a elas surgia e que era comunicado por elas, entendendo que a experiência constitui-se de elementos ocultos e inacessíveis à própria participante naquele momento. Além disso, pensamos que a experiência não se dá de modo pronto e acabado, mas vai se configurando e reconfigurando no decorrer do tempo, acompanhando o fluxo da existência e revelando, assim, o seu constante devir. Nesse sentido, respaldada na fenomenologia, fomos atrás desse “(...) movimento de vir-a-ser do existir” (Critelli, 1996, p. 30), tentando estar aberta às possibilidades de sentido que poderiam emergir a cada momento do nosso contato com as participantes. Cabe salientar que entendemos o termo “sentido” tal como Critelli (1996), ou seja, como sendo “(...) o mesmo que destino, rumo, a direção do existir” (p. 53). Ela aponta que é através dos estados de ânimo, das emoções, que o sentido aparece e que o ser humano pode ser tocado pelas coisas e pelo outro, tais como existem a cada momento: o sentir permite ao homem chegar à sua plena realidade, compreendendo-se como singularidade. De fato, observamos, em nosso contato com as participantes desta pesquisa, que os

momentos em que expressaram emoções mais intensamente, foram particularmente favorecedores da produção e emergência de sentidos acerca do fenômeno em questão. Esses momentos foram marcados pela revelação de significativos insights acerca da maneira como cada mulher vinha conduzindo a sua vida. A seguir, continuaremos falando sobre esse aspecto do pensamento heideggeriano, ao enfocarmos o que o filósofo denominou de befindlickeit (humor ou disposição afetiva), que compõe as estruturas existenciárias do ser, ou seja, as maneiras de ser que são peculiares ao homem, as quais envolvem, ainda, a compreensão e a linguagem.

Em relação à compreensão, esta pode ser entendida como a maneira de ser do homem, que o conduz ao horizonte de possibilidades de que dispõe; ela é pré-ontológica. Assim, esclarece o próprio Heidegger (1927) que,

Como abertura a compreensão sempre alcança toda a constituição fundamental do ser-no-mundo. Como poder-ser, o ser-em é sempre um poder-ser-no-mundo. Este não apenas se abre como mundo, no sentido de possível significância, mas a liberação de tudo que é intramundano libera esse ente para suas possibilidades (p. 200).

Acrescenta o filósofo que “compreender é o ser existencial do próprio poder-ser da pré-sença de tal maneira que, em si mesmo, este ser abre e mostra a quantas anda seu próprio ser” (p. 200).

A importância atribuída por Heidegger à compreensão nos leva a pensar no lugar que ela ocupa nesta pesquisa. Do mesmo modo que Dutra (2000), entendemos que a compreensão “(...) seria o ‘como’em direção à descoberta do ser” (p.45), portanto, “(...) referenda não só o método do fazer a pesquisa, como também, o que é mais importante para nós, legitima a inspiração fenomenológica desse estudo (...)” (p.46).

É oportuno destacar que, para Heidegger (1927), compreensão e interpretação não se opõem, pois “toda compreensão guarda em si a possibilidade de interpretação, isto é, de uma apropriação do que se compreende” (p. 218). É interessante destacar, ainda, que, “tudo o que se mostra, necessariamente, mostra-se a um olhar compreensivo” (Critelli, 1996, p. 55). Esse mostrar-se ou pôr-se à luz, segundo a autora, é ao mesmo tempo ocultar-se; assim, “mostrando-se para um olhar, a coisa mostra-se como o que é e como o que não é” (p. 58).

No que diz respeito à linguagem, esse é o meio através do qual a compreensão pode ser manifestada; ela é a revelação autêntica e direta do ser.

Um outro parâmetro básico da existência humana ao qual Heidegger se refere em sua ontologia é o befindlickeit. Esse conceito foi abordado por Gendlin, na intenção de constituir um elo entre o pensamento de Heidegger e a perspectiva da terapia centrada no cliente. Para Heidegger, befindlickeit indica “(...) como nos sentimos nas situações” (Gendlin, 1978/79, p. 45). Esse sentimento não se refere a algo no interior das pessoas, como geralmente se entende, mas envolve o estar-no-mundo-com-outros, e isso vai além de dicotomias estabelecidas pela tradição cartesiana, como, por exemplo: dentro-fora, indivíduo-sociedade, mente-corpo etc. Esse pressuposto heideggeriano parece aproximar-se das idéias de pensadores contemporâneos, tais como Guatarri (1999), Mancebo (2002), Miranda (2000) e outros, acerca da subjetividade no cenário atual. Para eles, existimos situados numa teia relacional, entrecruzados por fatores diversos, distanciados de qualquer determinação interna ou externa.

Assim, as pessoas existem sempre num contexto e em companhia de outras. Esse processo vivencial é sentido implicitamente pelo cada ser humano, a cada momento. Esse “sentir” pode expressar-se pela linguagem, pois a fala já está envolvida em qualquer

sentimento ou humor (Heidegger, 1927). Como bem afirma Dutra (2000), parafraseando Gendlin, “o sentimento conhece como falar e demanda somente as palavras certas, sendo ele suficiente para trazer as palavras ao discurso da pessoa” (p. 35).

Sendo assim, faz-se necessário, a adoção de uma estratégia de pesquisa que venha ao encontro dos pressupostos básicos do método fenomenológico, utilizado neste estudo.

4.2 As narrativas e o percurso metodológico

Para compreender a experiência em questão, recorremos ao que Walter Benjamin (1994) chama de narrativa. De acordo com o autor, a narrativa constitui a expressão da experiência humana, que só pode ser comunicada pelo próprio narrador - neste caso, as participantes da pesquisa. Desse modo, entendemos que, através das narrativas dessas mulheres, poderemos responder à pergunta que nos gera inquietação, a saber: como é para a mulher a experiência de permanecer sofrendo na relação amorosa?

Nesse sentido, cabe lembrar o que Critelli (1996) afirma acerca do processo de investigação, ou seja, de acordo com essa autora, investigar é levar adiante uma pergunta, uma interrogação a respeito de algo. Para ela, interrogamos aquilo que nos afeta, nos toca, que provoca nossa atenção e interesse.

Ainda para Benjamin (1994), narrar é intercambiar experiências, é produzir sentidos. Esse autor ressalta, como assinala Jeanne M. Gagnebin, no prefácio das Obras Completas, de Benjamin, a importância da transmissão da experiência de maneira plena, acontecimento este que, no mundo capitalista moderno, marcado pelo imediatismo, pelo individualismo e pelo declínio da memória e da tradição comuns, é cada vez mais raro. Carvalho (1999) endossa essa posição, ao afirmar que “a experiência e a comunicação oral estão sendo, cada vez mais, substituídas pela informação registrada nas máquinas,

fenômeno que contribui enormemente para o enfraquecimento dos vínculos sociais” (p. 376).

A despeito da observação feita pelos autores anteriormente citados, a narrativa tem sido utilizada, nos meios acadêmicos, por pesquisadores como Morato e Schmidt (1998), Dutra (2000) e Souza (2003). É oportuno frisar que todos adotaram uma abordagem fenomenológico-existencial na análise das narrativas de suas pesquisas, o que demonstra a pertinência do uso da narrativa de Benjamin em estudos que seguem aquela perspectiva.

Concordamos com Dutra (2000), ao dizer que a narrativa expressa uma dimensão fenomenológica e existencial, pois “o ato de contar e ouvir uma experiência envolve um estar-com-no-mundo, uma relação de intersubjetividades” (p. 102). Isso implica a abertura, por parte do pesquisador e do pesquisado, à experiência, no processo de mútua revelação, em que sentidos e significados são criados a todo instante. Nessa perspectiva, não apenas as palavras, mas também os gestos, os silêncios, o tom de voz etc. são manifestações da experiência que devem ser consideradas pelo pesquisador no momento em que está ouvindo as narrativas. Sobre essa escuta, Heidegger (1927, p. 222) afirma que é “(...) a possibilidade existencial inerente ao próprio discurso”, acrescentando que “escutar é o estar aberto existencial da pré-sença enquanto ser-com os outros”.

Esse modo de estar com o outro no mundo torna intrínseca a condição de afetar e de ser afetado, de sentir com o outro, possibilitando compreender, no contexto desta pesquisa, o sofrimento vivenciado por tais mulheres.

Ainda sobre a narrativa, pensamos ser esta um “(...) delicado trabalho de tecer em conjunto (...), a quatro mãos (entremeado por um coro de muitas vozes antigas) (...). Criativamente. (...) Ressignificando a história...” (Juliano, 1999, p. 94). Assim, ao narrar sua experiência, a pessoa vai tecendo os fios da sua própria existência, o que nos faz pensar

que contar sobre a sua experiência de permanecer sofrendo na relação amorosa possibilitou às mulheres que participaram desta pesquisa ressignificar o seu sofrimento, elaborando uma nova compreensão da sua existência no mundo.

Narrar é um ofício interminável, como nos lembra Morato (1999, p. 439), “(...) pois haverá sempre resquícios para serem contados, comentados, recortados, ampliados”. Isso ocorre, ainda segundo a autora, porque o narrador fala da sua experiência e esta é impregnada pela diversidade de histórias que ouviu contar. Consideramos também o fato de o narrador existir em constante devir, o que implica em um processo ininterrupto de construção e reconstrução de suas experiências.

Souza (2003) entende que as narrativas, no sentido benjaminiano,

“(...) favorecem o resgate do ser humano em sua historicidade, trazendo consigo marcas do convívio social e dos valores culturais, expressos através das lembranças, dos gestos e das palavras, numa comunicação de sua própria existência e de sua forma de significar a vida” (p. 106).

Evidencia-se aqui a consideração da singularidade humana, imersa em um contexto relacional permeado por valores e dados culturais, construídos ao longo do tempo. Através da narrativa, o ser humano tem possibilidade de manifestar-se como ser-no-mundo, de acordo com o pensamento heideggeriano. Isso mostra a pertinência de adotarmos a narrativa como estratégia de pesquisa, pois ela parece atender à nossa intenção de compreender a experiência de que trata este estudo, em termos de sua singularidade e dos aspectos histórico-culturais (gênero e ideais do amor romântico) relacionados a essa experiência.

(...) a narrativa e a sua ênfase na experiência, como uma forma através da qual o ser-no-mundo exercita a sua compreensibilidade, pois à medida que o narrador conta a sua história, esta carrega consigo os significados que constituem o seu estar-no-mundo, cujo ser-aí se revela e se encobre nas palavras, principais articuladoras da sua compreensão num modo de existência (p.106).

Assim, faz-se oportuno esclarecer que utilizamos, como técnica de coleta de dados, entrevistas semi-abertas, em que as participantes deram um depoimento da sua experiência, a partir de uma pergunta disparadora.

Antes do início da coleta dos dados, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), conforme os critérios estabelecidos pela Resolução número 196/96, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), sendo aprovado o seu desenvolvimento (ver Anexo A).

As entrevistas foram realizadas com mulheres que estavam vivendo a experiência que buscamos investigar. Em nossa atuação profissional, temos constatado, com maior freqüência, mulheres se queixando de tal experiência no momento atual de suas vidas.

As participantes foram em número de 06 (seis), com idades entre 25 (vinte e cinco) e 55 (cinqüenta e cinco) anos, considerando-se essa faixa etária também presente em nossa clientela. Para selecionar as depoentes, solicitamos a pessoas conhecidas que as indicassem. Informamos a essas pessoas sobre a temática de nossa pesquisa, explicamos que a indicação só deveria ser feita mediante a permissão das possíveis participantes, que o conteúdo das entrevistas seria confidencial e que a identidade das entrevistadas seria mantida sob sigilo. Quanto a esse aspecto, solicitamos que tais pessoas, ao receberem a confirmação da participação da pessoa indicada mantivessem sigilo.

As entrevistas foram realizadas em local e horário previamente agendados e a critério de cada participante. A única condição que apresentamos foi que fosse escolhido um ambiente livre de interferências externas (barulho, interrupções etc.). Como duas participantes não dispunham de um local para a entrevista, sugerimos o SEPA (Serviço de Psicologia Aplicada), a clínica-escola vinculada ao Departamento de Psicologia da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), com salas adequadas ao nosso propósito. Com relação às demais entrevistas, 03 (três) foram realizadas na residência das próprias participantes e 01 (uma) na residência de um parente da entrevistada. A garantia de sigilo foi comunicada às participantes, resguardando-se suas respectivas identidades. No início do primeiro encontro, explicamos que em toda pesquisa com seres humanos, há a exigência de que a colaboradora assine um termo de consentimento (ver Apêndice A), de acordo com os

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