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5.3 A Teoria da Objetificação e a Pedagogia Freireana: outros aspectos

5.3.1 O enfoque cultural

Enquanto abordagens marxistas, de caráter histórico-cultural, tanto à Teoria da Objetificação quanto à Pedagogia Freireana atribuem a cultura uma função importante em suas ideias principais. Porém, cada uma destas teorias enfatiza diferentes concepções para o conceito de cultura. Enquanto a Pedagogia Freireana tende ao conceito antropológico de cultura, a Teoria da Objetificação vale-se do conceito semiótico.

Do ponto de vista antropológico, apesar das diversas conceituações, de modo geral, cultura é compreendida como toda e qualquer criação humana. Neste sentido, há uma diferenciação entre natureza e cultura. Essa diferenciação é um dos pontos centrais da pedagogia de Freire (ver Figura 16), pois para ele, a compreensão dos indivíduos como seres criadores, modificadores da natureza e também, abriria possibilidades para as transformações sociopolíticas que tanto pregava.

Figura 16 - Situação existencial (Homem – Natureza – Cultura)

Fonte: Freire, P. (1967, p. 125).

A Figura 16 ilustra situação existencial do homem do campo utilizada nos Círculos de Cultura como ponto de partida para as discussões sobre o homem, a natureza e a cultura. Vários temas são discutidos a partir da ilustração sempre focando o papel do homem como criador e transformador da realidade através do trabalho, de acordo com as condições necessárias de subsistência. Assim, a cultura aparece como elemento que ajuda a explicar ao sujeito (e a seu grupo social) seu papel de ser ativo construtor do mundo e ao mesmo tempo transformado por esse mundo.

Vê-se aqui, a preocupação de Freire com todos aqueles que não possuem voz própria, postura crítica e, são caracterizadas pela submissão e pelo silêncio (os camponeses, trabalhadores rurais etc.). Àqueles que desconhecem suas relações com o mundo e no mundo, explorados, utilizados como instrumentos de produção. A condição até certo ponto ingênua desse indivíduo faz com

que [ele] não possa compreender e, quando compreende, não dê a devida importância ao fato de que, transformando a realidade natural com seu trabalho, os homens criam o seu mundo. Mundo da cultura e da história que, criado por eles, sobre eles se volta, condicionando-os. Isto é o que explica a cultura como produto, capaz ao mesmo tempo de condicionar seu criador. (FREIRE, 1981, p. 27).

Assim, para transpor as barreiras da situação de imobilidade humana quanto à percepção da importância do homem no mundo, a reflexão sobre cultura e educação é um dos pilares da Pedagogia Freireana. Para seu idealizador, compreender, analisar e observar a cultura são indispensáveis ao processo educativo visto que “a educação trava uma relação dialética com a cultura. Desta forma, a nossa experiência educativa não poderia sobrepor-se à realidade contextual nossa.” (FREIRE, 1963, p. 12).

A Pedagogia Freireana assume, na relação dialética entre educação e cultura, uma possibilidade de construção de conhecimento realmente significante tanto para educadores quanto para educandos. Para educandos, no processo de conscientização de seu papel na realidade; para educadores, como condição de respeito e aprendizado da cultura dos educandos. Por outro lado, a Teoria da Objetificação parte da concepção semiótica de cultura como um dos pilares para sua explicação para como se dá o aprendizado humano. O conceito semiótico de cultura se baseia no fato de que a evolução humana está diretamente relacionada com a capacidade de o ser humano gerar signos. “É o exercício da faculdade de simbolização que cria a cultura e o uso de símbolos que torna possível a sua perpetuação.” (WHITE, 195540 apub LARAIA, 2001, p. 55).

Ou seja, a capacidade estritamente humana de produzir cultura está relacionada à sua capacidade de criar, interpretar e utilizar signos, pois toda cultura depende de signos e como o comportamento humano está vinculado à cultura; então, é através dos signos que a humanidade constrói seus padrões comportamentais. Em outras palavras, cultura no sentido semiótico é

um padrão de significados transmitido historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida. (GEERTZ, 2008, p. 66).

40 WHITE, L. The Symbol: The Origin and Basis of Humans Behavior. In: MORBEL; LENNINGS; SMITH (Orgs.). Readings of Antropology. Nova York: McGraw-Hill Book Co., 1955. [Ed. bras. In: CARDOSO, F. H.; IANNI, O. Homem e sociedade. 5. ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1970.]

Apesar da cultura e seus efeitos na prática social serem primordiais para como o indivíduo chega a conhecer algo, “a prática social é rica em sistemas simbólicos que a organizam” (RADFORD, 2013d, p. 10, tradução nossa). Estes sistemas semióticos estão presentes em cada cultura, mas não são a cultura em si. Eles são resultados da estreita relação entre o indivíduo, os fatos observados na prática social e a realidade histórico-cultural constituída (Figura 17).

Figura 17 - A estrutura da atividade na TO

Fonte: Adaptação a partir de Radford, L. (2006, p. 111).

A Figura 17 ilustra a estrutura de como a Teoria da Objetificação entende a prática social. Para esta teoria qualquer atividade humana é mediada por signos e artefatos como compreende a teoria histórico-cultural, mas, existem outros elementos essenciais no processo de aquisição da lógica cultural. Sendo assim, para a Teoria da Objetificação a cultura é um fator determinante em qualquer grupo social. Porém, não é a cultura responsável pelo reconhecimento de toda a carga conceitual subjetiva incorporada nos signos e nos artefatos. Esta é tarefa dos sistemas semióticos de significações culturais que atuam como mediadores entre a consciência individual e a realidade cultural objetiva de um grupo social.

Neste sentido, a Teoria da Objetificação assume uma perspectiva dialético-materialista no qual os indivíduos criam a cultura e, dialeticamente, a “cultura fornece as condições para

que os indivíduos criem sistemas de pensamento científico, estético, legal etc., em que eles mesmos acreditam.” (RADFORD, 2013d, p. 4-5, tradução nossa).

Logo, a cultura é um fator preponderante para a existência humana. Porém, não é ela que administra nosso comportamento ou molda nossas experiências. Essas são tarefas específicas dos sistemas semióticos de significações culturais. Apesar do conceito de sistemas semióticos de significações culturais não aparecer explicitamente na Pedagogia Freireana, pode-se perceber que ele está presente em todas as fases de seu método. Desde a inserção dos coordenadores (professores) na comunidade para compreender a situação de vida local, passando pelos momentos de discussão nos grupos e o respeito mútuo às opiniões, até a alfabetização e a conscientização dos sujeitos envolvidos no processo.