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Enfoque para uma opção intercultural baseada na simetria cultural

Capítulo I Contexto conceptual da educação multicultural

5. Fundamentação e formulação da educação multicultural

5.3. Enfoques e modelos de educação multicultural

5.3.4. Enfoque para uma opção intercultural baseada na simetria cultural

Esta perspectiva caracteriza-se pelos seguintes elementos: Primeiro, o modelo

intercultural ou de diferença cultural: A acepção generalizada do termo

interculturalismo faz referência, como indiquei no capítulo anterior, à interrelação entre culturas. Os termos multiculturalismo e pluralismo denotam simplesmente a justaposição ou presença de várias culturas numa mesma sociedade. Quando estes

termos se utilizam isoladamente partilham o mesmo campo semântico. Assim é mais frequente o termo multicultural na bibliografia anglo-saxónica e o intercultural na Europa continental. Quando ambos os termos se contrapõem, se faz notar especialmente o carácter normativo e intencional do termo educação intercultural, significando com este a especial relevância de estabelecer comunicação e vínculos afectivos e efectivos entre as pessoas de diversas culturas. É mais importante analisar quais são os valores e fins que há nos modelos e programas que se apresentam, que o simples uso de rótulos ou termos polissémicos ou análogos. Diversos autores, defensores da educação intercultural, assinalaram os “efeitos perversos “engendrados pelos programas que sublinham em excesso os particularismos etnoculturais e as diferenças (Ouellet, 1999, pp. 16-27): Primeiro, encerrar os indivíduos numa identidade cultural fixa e imutável que os priva da liberdade de escolher sua própria “fórmula cultural” (Camilleri, 1989); segundo, reforçar as fronteiras entre os grupos e acentuar os riscos de intolerância e de rejeição do outro; terceiro, a perplexidade paralisante que se apodera do professor relativista que não sabe o que é que deve ensinar, se quer ter respeito pelas culturas dos alunos de minorias; quarto, o estigma e marginalização dos alunos das minorias a quem se atribui uma identidade socialmente desvalorizada (Nicolet, 1987); quinto, acentuar as dificuldades de aceso à igualdade de oportunidades para os imigrantes e membros de grupos minoritários; sexto, a codificação e o folclore da cultura, que deixa de ser uma realidade viva; sétimo, a fragmentação do currículo debaixo do impacto de reivindicações particulares; oitavo e último, a ruptura do equilíbrio educativo entre o desenvolvimento pessoal e socialização. Neste modelo a escola prepara os alunos para viver numa sociedade na qual a diversidade cultural se reconhece como legítima. Considera a língua materna como uma aquisição e um ponto de apoio importante em toda a aprendizagem escolar inclusive para a aprendizagem do idioma oficial; se vê como um triunfo e não como um impedimento. O tema do pluralismo cultural está muito presente nos programas escolares e no projecto educativo, não para promover particularismos culturais, senão para desenvolver nos alunos o gosto e a capacidade de trabalhar na construção conjunta de uma sociedade aonde as diferenças se considerem uma riqueza comum e não um factor de divisão. O modelo intercultural impõe-se actualmente em diversos países europeus tanto no plano teórico como no legislativo. Na prática, no entanto, suscita muitos problemas, dado que socialmente existem grandes assimetrias entre os grupos maioritários e minoritários. Neste modelo incluem-se os

programas de relações humanas na escola, orientados para valorizar a diferença e viver a diversidade e o programa multicultural linguístico.

Segundo, o modelo de educação anti-racista: No modelo de educação intercultural anti-racista, o racismo não é um simples conjunto de preconceitos para outros seres humanos, que se pode ultrapassar facilmente por uma educação não racista centrada na modificação de atitudes e crenças. O racismo é uma ideologia que justifica a defesa de um sistema segundo o qual certos indivíduos gozam de umas vantagens sociais que derivam directamente de sua pertença a um grupo determinado. O racismo é um fenómeno complexo no qual intervêm múltiplos factores: económicos, políticos, históricos, culturais, sociais, psicológicos. Os defensores de uma educação Não-racista (neoliberal) partem do pressuposto de que a sociedade não é racista em si e defendem que a escola não deve jogar um papel activo na luta contra o racismo, já que este tipo de luta manifesta-se do âmbito escolar ao ser de tipo político, ideológico, devendo procurar evitar a transmissão de valores e comportamentos. Por outro lado, os defensores de uma educação anti-racista (sociocrítica) partem de uma premissa diferente: nossas sociedades são racistas e o nosso sistema educativo é um dos elementos reprodutores desta ideologia. Logo afirmam que a tarefa principal do sistema educativo deve ser a de combater esta ideologia que sublimada e sub-repticiamente segue transmitindo-se através do processo educativo.

Terceiro, o modelo holístico: Este modelo trata-se de um paradigma multifactorial e holístico que aborda a educação multicultural na escola desde um enfoque institucional, implicando toda a instituição escolar na educação intercultural por um lado e sociocrítica por outro na construção social através de projectos que lutem contra as desigualdades. Uma escola aberta à negociação e à diversidade cultural, ou seja, uma escola multiintercultural. Assim apresentamos um modelo de escola multicultural proposto por Banks e Lynch (1986, pp. 21-25), que ultrapassa a mera coexistência de culturas diferentes, prosseguindo atitudes e valores democráticos. A escola tem normas e valores que reflectem e legitimam o pluralismo étnico e cultural; os procedimentos de avaliação e de selecção favorecem a igualdade de direitos étnicos e sociais; os programas e meios de ensino transmitem diversos pontos de vista étnicos e culturais; o pluralismo linguístico é apreciado e encorajado pela escola; são utilizados procedimentos de ensino e motivações adaptadas aos grupos sociais, raciais e étnicos

diferentes. A adopção deste modelo exige uma reconversão estrutural e cultural da escola, sendo para tal necessário criar novos dispositivos organizacionais e pedagógicos, permitindo que todos os alunos dos diferentes grupos usufruam do mesmo estatuto na escola.

Quarto, o modelo de educação intercultural: A educação tem uma justificação social, transmitir uma cultura comum a um determinado grupo para dar-lhe coesão e sentido de pertença. Se as escolas são um instrumento para socializar e incorporar às gerações jovens de uma sociedade determinada, estas funções são todavia mais decisivas para os alunos de origem estrangeira. A educação acompanha e estimula o desenvolvimento de todos os cidadãos, prepará-los para o mundo do trabalho e para a vida social, reduzindo na medida do possível, as desigualdades de origem, ora se obedecem a causas físicas como sociais, económicas ou culturais. O aluno estrangeiro e procedente de minorias culturais nas nossas aulas oferece-nos a possibilidade de fazer uma pedagogia inclusiva, de transmitir uma cultura mais alargada e representativa, de estimular uma aprendizagem mais rica e funcional. A sociedade cada vez é mais plural e para isso temos que começar a prepararmo-nos. A Educação Intercultural propõe dotar o aluno de ferramentas que lhe permitam entender os fenómenos sociais, tomar decisões justas e razoáveis e combater qualquer forma de racismo. Ao mesmo tempo uma Educação Intercultural deve assegurar a aquisição por parte de todo o aluno dos conhecimentos e habilidades necessárias para superar cada nível académico.

Como temos vindo a referir, o conceito de Interculturalidade não se reduz à simples presença numa escola de alunos de diferentes origens culturais. Refere-se ao facto educativo pelo qual alunos de culturas, línguas e religiões distintas conviverem, respeitarem mutuamente suas diferenças e transmitirem o melhor de sua cultura. Promove e favorece o valor de todas as culturas e a igualdade de oportunidades mediante: a) O conhecimento e avaliação da identidade cultural própria; b) O reconhecimento e avaliação da identidade cultural do outro; c) A avaliação da identidade cultural surgida de ambos; d) A aquisição das melhores aprendizagens em todas as matérias. Aplicada no âmbito educativo, a Interculturalidade traça-se como meta a alcançar e aborda-se desde o modelo pedagógico da “Educação Intercultural”. O Conselho da Europa definiu, já em 1989, a Educação Intercultural:

Como um processo dinâmico que pretende consciencializar positivamente o cidadão para aceitar a diversidade cultural e a interdependência que ela supõe como algo próprio, assumindo a necessidade de orientar o pensamento e a política para a sistematização de tal processo, a fim de tornar possível a evolução para um novo e mais enriquecedor conceito de sociedade e cidadania (Conselho de Europa, 1989).

A Educação Intercultural é um modelo educativo que propicia o enriquecimento cultural dos cidadãos, partindo do reconhecimento e respeito da diversidade, através de intercâmbios e do diálogo, na participação activa e crítica para o desenvolvimento de uma sociedade democrática baseada na igualdade, na tolerância e na solidariedade.

Uma vez analisadas as finalidades da educação intercultural, importa rever agora quais são as suas características, que se podem sintetizar nos seguintes pontos:

Primeiro, a educação intercultural baseia-se no reconhecimento e aceitação da

diversidade cultural existente na sociedade actual e por conseguinte na escola. Supõe,

avalia e aceita a diversidade cultural como um elemento positivo para todos os cidadãos (Aguado Odina, 1999) que constitui uma grande oportunidade de intercâmbio, de enriquecimento. Parte da avaliação da diferença e do respeito pelo outro. Isto supõe que a educação não só deve tolerar como deve fomentar a diversidade individual, que deve ser entendida como uma riqueza. No entanto, deve ficar claro que a educação intercultural não é culturalismo. Não deve exacerbar as diferenças senão a partir de uma concepção e uma mensagem adequada em respeito ao peso ou à relevância dos factores culturais (étnicos, religiosos, linguísticos). Deve basear-se num conceito aberto e amplo de cultura que implique a diversidade e a multiplicidade como base para o seu esboço.

A educação intercultural não tem por objectivo promover o relativismo cultural, senão o reconhecimento da relatividade e a dessacralização de todas as culturas. Por isso, não deve centrar- se nas culturas de origem, nem nas relações entre culturas, senão que deve partir da versão cultural particular de cada indivíduo para evitar estereotipar e trabalhar sobre sua realidade existencial. A educação intercultural deve estimular o conhecimento da multiculturalidade presente na sociedade e promover a competência em múltiplas culturas (Besalú, 2002, p. 71).

Segundo, a educação intercultural defende a igualdade de oportunidades para todos os grupos etnoculturais. Busca as raízes da desigualdade desde uma perspectiva crítica. Pretende aplicar os princípios democráticos de justiça social, favorecendo a participação democrática. Isto supõe, em primeiro lugar, analisar as desigualdades sociais entre os alunos. Deve estimular e facilitar o êxito académico de todos os alunos proporcionando uma educação igual e equitativa. Na ordem sociopolítica, o interculturalismo não

somente é um fim em si mesmo, senão também um meio para promover a igualdade de oportunidades e a inserção das minorias na vida económica e social.

Terceiro, a educação intercultural luta contra o racismo, a discriminação e os

preconceitos e promove a formação de valores e atitudes positivas para a diversidade

cultural. A educação intercultural busca formar consciência crítica dos estereótipos raciais entre os alunos e, por extensão, à sociedade. Critica os estereótipos e os preconceitos, mostra a diversidade individual tendo como base o respeito ao ser humano e a igualdade entre estes. Promove a acção social frente ao racismo, a discriminação e a xenofobia (Aguado Odina, 1999). Busca a redução de apriorismos que tendem a priorizar culturas e são a base do etnocentrismo, a xenofobia e o racismo (Bartolomé, 1997). Isto implica não só os conteúdos senão também as atitudes e actuações dos membros da comunidade educativa. Dado que na nossa sociedade aparecem com certa frequência atitudes racistas e situações de marginalização da povoação imigrante, a educação intercultural deve formar cidadãos críticos com a realidade actual, capazes de implicarem-se com os problemas do seu meio. Supõe portanto uma crítica do conformismo e da indiferença. Oferece aos estudantes a oportunidade de serem críticos e produtivos membros de uma sociedade democrática (Aguado Odina, 1999). Paralelamente pretende fomentar atitudes positivas para com a diversidade cultural.

O núcleo central da educação intercultural é a formação em valores e atitudes de solidariedade e comunicação humana que desemboque em comportamentos solidários de respeito e aceitação mútua entre os membros de uma mesma sociedade (Munoz Sedano, 1997, p. 33).

Este autor propõe desenvolver os valores e atitudes de respeito, tolerância, aceitação, comunicação, colaboração. A educação intercultural fundamenta-se nos Direitos Humanos. Isto implica não só o conhecimento destes direitos mas também a sua vivência na vida escolar.O respeito aos Direitos Humanos será o critério de referência na negociação dos conflitos.

Quarto, a educação intercultural parte de uma visão do conflito como elemento

positivo para a convivência. A educação intercultural parte de uma visão positiva do

conflito. Por isso, é aconselhável ter uma atitude de espera do conflito, de preparação e de anticipação. Devemos vê-lo como algo positivo, como um desafio. Como explica Carbonell:

Toda situação de multiculturalidade gera conflitos interculturais. Estes conflitos tem que ser assumidos, enfrentá-los e tentar resolvê-los, já que não é possível evitá-los nem é conveniente ignorá-los ou reprimi-los. Esta é uma das tarefas principais da pedagogia intercultural (Carbonell, 1995, p. 103).

A educação intercultural aposta pelo diálogo como via para solucionar os conflitos, o que supõe capacitar aos alunos na gestão e resolução de conflitos por meio do diálogo e da negociação. Certamente, rejeita todo o tipo de violência, tanto directa como estrutural.

Quinto, a educação intercultural supõe mudanças profundas que não se limitam à escola. Para que a educação intercultural seja efectiva é necessário que se desenvolva num projecto educativo e social global. Os programas educativos traçados para dar resposta eficaz às necessidades formativas dos emigrantes: “unicamente alcançarão seus objectivos se se realizam conjuntamente com planos dirigidos a erradicar a marginalidade económica e social das minorias étnicas e culturais” (Munoz Sedano, 1997, p. 35). Os problemas estabelecidos pela diversidade cultural e étnica devem ser atendidos num contexto global. Portanto, será necessário apoiar mudanças não só ideológicas, senão políticas, económicas e educativas que afectam a todos os âmbitos da vida diária.

Sexto, a educação intercultural é relevante para todos os alunos. Em nenhum caso há a separação entre os alunos imigrantes do resto dos outros alunos. Um princípio básico da educação intercultural é evitar a separação física do aluno culturalmente diferente. Nas palavras de Malgesini e Giménez (2000, p. 102) não devemos “separar o que se quer unir”. Como afirma Besalú (2002, p. 72), o primeiro passo para educar interculturalmente é o contacto físico, que oferece possibilidades reais de melhorar o conhecimento, a compreensão e a estima mútua entre pessoas pertencentes a diversas raízes culturais. A educação intercultural é relevante para todo o aluno. Nas palavras de Munõz Sedano (1997, p. 120) “constitui um princípio educativo geral da formação de todo o cidadão das sociedades actuais”. Em nenhum caso deve só desenvolver-se para alunos de grupos minoritários nem unicamente para escolas aonde exista diversidade étnica ou cultural. Portanto, a educação intercultural deverá estar presente em todas as aulas. Besalú (2002, p. 71) sintetiza esta ideia, dizendo que “não se dirige só para as minorias étnicas e culturais, mas que é uma educação para todos”. Para além disso, os

programas educativos interculturais não devem centrar a sua acção, desde o nosso ponto de vista, nos alunos culturalmente diversos procedentes de países em vias de desenvolvimento. Considera-se que estes alunos encontram-se numa situação mais difícil do que os alunos provenientes da Europa Central e Oriental, e a educação intercultural deve ocupar-se tanto de uns como de outros. Pegando nas palavras de Munõz Sedano: “é certo que apresenta problemas mais urgentes a imigração pobre; mas não há que reduzir somente a esta a educação intercultural, sob pena de identifica-la com os antigos programas de educação compensatória” (1997, p. 28).

Sétimo, a educação intercultural busca dotar os alunos de competências

interculturais. Entre os objectivos da educação intercultural encontra-se o de favorecer

a aquisição por parte dos alunos de estratégias interculturais em todos os processos de ensino aprendizagem. Isto significa capacitar os alunos para funcionar com as distintas culturas. Um meio para desenvolver a capacidade de funcionar eficazmente em meios multiculturais é facilitar os contactos e interacções entre grupos culturais diversos dentro e fora da escola.

Oitavo, a educação intercultural protege a identidade cultural de todos os alunos. A educação intercultural pretende formar cidadãos com várias identidades colectivas concêntricas, inclusivas, não excludentes e interdependentes. É também educar no enraizamento e manutenção da própria cultura, especialmente no caso dos alunos pertencentes a grupos culturais minoritários. No entanto, a identidade pessoal “ não é uma essência imutável, senão um processo aberto, uma construção pessoal capaz de evoluir e de incorporar novos elementos” (Besalú, 2002, p. 72).

Nono, a educação intercultural implica modificações nas metodologias de ensino e

recursos didácticos. O desenvolvimento de uma educação de carácter intercultural

supõe a introdução de novas estratégias na aula, metodologias, formação do professor, assim como no clima escolar e nas relações com os pais e a comunidade. O trabalho cooperativo é importante no processo do ensino aprendizagem e também há que potenciar o diálogo e o debate como meio para conseguir uma melhor comunicação e vivenciar a convivência multicultural como elemento enriquecedor. Será preferível atender mais à qualidade das relações do que mais aos meios e apoios postos em jogo. Em relação aos recursos didácticos a empregar, Munoz Sedano (1997) destaca que é

necessário trabalhar em três aspectos: (a) revisão dos livros de texto e do material existente, (b) material específico para educação intercultural de toda a população escolar e (c) meios específicos para o desenvolvimento de línguas e culturas das minorias imigrantes.

Décimo, a educação intercultural supõe mudanças nas relações família, escola e

comunidade. É necessário que toda a comunidade, alunos, pais e professores

intervenham no projecto educativo intercultural para que este seja eficaz. A educação intercultural necessita de educadores comprometidos socialmente, críticos e reflexivos. Além disso, a educação intercultural supõe uma revisão, uma mudança profunda nas relações entre a escolaridade e a sociedade democrática.

Décimo primeiro, a educação intercultural requer um professor adequado. Um dos aspectos sobre aqueles que se há incidido é a necessidade de dar formação inicial e contínua ao professor para que seja capaz de desenvolver o seu trabalho em contextos multiculturais. No entanto, para além das técnicas e habilidades adquiridas, é mais necessário contar com um professor com atitudes e valores positivos para com a diversidade cultural. Além disso, é conveniente incorporar no ensino professores procedentes de minorias culturais.

6. EDUCAÇÃO MULTICULTURAL: O DESENVOLVIMENTO DE UM NOVO