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2 O PACTO FEDERATIVO BRASILEIRO E O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE

3.3 O enquadramento dos royalties sobre a exploração de petróleo em face das duas

Superado o ponto anterior, é de se indagar: em qual dessas distintas categorias constitucionais enquadram-se os royalties? Para isso, faz-se necessária a análise da legislação infraconstitucional de regência, de sorte que, conhecendo o formato conferido pelo legislador

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A diferença entre as duas modalidades de remuneração ao Poder Público pela exploração de recursos naturais previstas pelo art. 20, §1º da CF/88 (compensação financeira e a participação nos resultados da exploração), na perspectiva do Direito Tributário, é descrita por Roque Antônio Carrazza (1995, p. 90-95).

brasileiro ao instituto dos royalties sobre a produção petrolífera, seja possível determinarmos qual a sua natureza, em conformidade com os preceitos constitucionais.

Conforme o texto do art. 47 da Lei nº 9.478/97, já mencionada neste trabalho, no regime de concessão: “Os royalties serão pagos mensalmente, em moeda nacional, a partir da data de início da produção comercial de cada campo, em montante correspondente a dez por

cento da produção de petróleo ou gás natural.”. É interessante notar que essa alíquota poderá

ser reduzida a um valor mínimo de 5% (cinco por cento) da produção, conforme disposto no art. 47, §1º do mesmo diploma, caso haja riscos geológicos, ou levando-se em conta as expectativas de produção e outros fatores pertinentes15.

Já no tocante ao regime de partilha, aplicável à exploração de petróleo nas áreas da camada pré-sal, a Lei nº 12.351/2010 estabelece, no seu art. 42, §1º, que os royalties correspondem a uma alíquota de 15% (quinze por cento) aplicada sobre o valor da produção16. Percebe-se, destarte, que, nos dois regimes jurídicos atualmente existentes no Brasil para a exploração petrolífera, quais sejam, o de concessão e o de partilha, o legislador relacionou o pagamento dos royalties à aplicação de uma determinada porcentagem sobre o valor da produção de petróleo pela empresa contratada para realizar a exploração.

Como já explanado, o quantitativo da produtividade nada tem a ver com qualquer dano ambiental, social ou econômico a ser eventualmente suportado pelas regiões produtoras, na medida em que é possível que em uma área de alta produção e faturamento, os riscos ambientais ou socioeconômicos sejam irrisórios, enquanto em regiões de menor rentabilidade os riscos associados à produção sejam maiores, em virtude de características geográficas intrínsecas à localidade.

Portanto, não se amoldam os royalties sobre a produção petrolífera, na forma em que tal instituto foi delineado pelo legislador brasileiro, na figura da “compensação

financeira” prevista no art. 20, §1º da Constituição, uma vez que a sua base de cálculo é

justamente o valor da produção de petróleo ou gás natural efetuada pelas empresas.

Por outro lado, levando-se em consideração que os royalties consistem em uma alíquota aplicada sobre valor da produção, é de se concluir que o mencionado instituto melhor

se enquadra na categoria de “participação no resultado da exploração de petróleo ou gás

15 Art. 47 (Omissis) § 1º Tendo em conta os riscos geológicos, as expectativas de produção e outros fatores

pertinentes, a ANP poderá prever, no edital de licitação correspondente, a redução do valor dos royalties estabelecido no caput deste artigo para um montante correspondente a, no mínimo, cinco por cento da produção.

16 Art. 42 (Omissis) § 1o Os royalties, com alíquota de 15% (quinze por cento) do valor da produção,

correspondem à compensação financeira pela exploração do petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos líquidos de que trata o § 1º do art. 20 da Constituição Federal, sendo vedado, em qualquer hipótese, seu ressarcimento ao contratado e sua inclusão no cálculo do custo em óleo. (Redação dada pela Lei nº 12.734, de 2012).

natural”, prevista no art. 20, §1º da Constituição. Com efeito, ao receber uma porcentagem do valor produzido pelas empresas petrolíferas, quando do recebimento de royalties, o Poder Público, representado pelas diversas esferas federativas, nada mais faz do que participar economicamente dos resultados aferidos na exploração de petróleo ou gás natural.

E não invalida essa conclusão o fato de que o legislador, em determinados momentos, relaciona os royalties com a figura da “compensação financeira”, como ocorre, por exemplo, no art. 42, §1º da Lei nº 12.351/2010, ou no art. 11 do Decreto nº 2.705/199817,

o qual “Define critérios para cálculo e cobrança das participações governamentais de que trata

a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, aplicáveis às atividades de exploração,

desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural, e dá outras providências.”

Isso porque, como é cediço, o legislador por vezes não adota os termos técnicos adequados a um determinado caso. Por esse motivo, a nomenclatura legal não tem o condão de modificar a natureza jurídica de um instituto. Nesse sentido, aliás, foi o entendimento seguido no RE nº 228.800/DF, já mencionado neste trabalho, em juízo que, embora aplicável à Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais, em tudo se amolda ao estudo dos royalties do petróleo:

Nada importa que – tendo-a instituído como verdadeira “participação nos

resultados” da exploração mineral, a lei lhe haja emprestado a denominação de “compensação financeira” pela mesma exploração – outro termo da alternativa posta

pelo art. 20, §1º, da Constituição: cuidando-se de obrigação legal, de fonte constitucional, ainda que não seja tributo, é dado transplantar, mutatis mutandis para identificar a natureza da CFEM, a regra de hermenêutica do art. 4º, I, CTN, que adverte da irrelevância da denominação dada à exação. (STF - RE: 228800 DF, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 25/09/2001, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 16-11-2001 PP-00021 EMENT VOL- 02052-03 PP-00471)

O entendimento que se vem de mostrar torna-se amparado igualmente pelo fato de que, caso se entendesse que os royalties sobre a exploração de petróleo configuram uma compensação financeira por eventuais prejuízos causados às regiões produtoras, não faria nenhum sentido o seu pagamento a Estados e Municípios quando a exploração ocorresse no mar territorial, na zona econômica exclusiva ou na plataforma continental18, na medida em que esses territórios constituem área da União, como aponta Gilberto Bercovici:

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Art 11. Os royalties previstos no inciso II do art. 45 da Lei nº 9.478, de 1997, constituem compensação financeira devida pelos concessionários de exploração e produção de petróleo ou gás natural, e serão pagos mensalmente, com relação a cada campo, a partir do mês em que ocorrer a respectiva data de início da produção, vedada quaisquer deduções.

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A Lei nº 8.617/93 dispõe sobre o mar territorial, a plataforma continental e a zona econômica exclusiva do Brasil, e os define nos seguintes artigos: “Art. 1º O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítima de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como

Os royalties do petróleo, no entanto, não podem ser compreendidos como uma compensação pela exploração de recursos minerais nos territórios dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Afinal, se forem compensação, a partilha dos recursos arrecadados não faria o menor sentido no caso da exploração de petróleo e gás natural na plataforma continental, na zona econômica exclusiva ou no mar territorial, cujos recursos naturais pertencem à União (artigo 20, V e VI da Constituição). (BERCOVICI, 2011, p. 343).

Em suma, diante do que foi até aqui exposto, pode-se concluir que a natureza jurídica dos royalties sobre a produção petrolífera é de participação nos resultados da exploração, e não de compensação financeira por eventuais prejuízos que esta atividade cause aos Estados e Municípios produtores de petróleo.

indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil.”; “Art. 6º A zona econômica

exclusiva brasileira compreende uma faixa que se estende das doze às duzentas milhas marítimas, contadas a

partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial.”; “Art. 11. A plataforma continental

do Brasil compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural de seu território terrestre, até o bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de duzentas milhas marítimas das linhas de base, a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância.”.