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2 O PACTO FEDERATIVO BRASILEIRO E O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE

3.1 O papel do Estado na atividade econômica da exploração de petróleo

Como visto, o petróleo é um bem de grande importância para a economia moderna, o que torna necessário a adoção de mecanismos tendentes a fazer com que a sua exploração se dê em benefício coletivo, e não somente de poucas empresas cuja atuação ocorra nesse segmento. Nesse contexto, deve ser salientado o importante papel que cabe ao Estado no que concerne à exploração desse recurso natural, conforme aponta Gilberto Bercovici:

O papel do Estado é central para a política energética em geral e, em particular, no setor de petróleo, servindo para coibir o poder econômico dos grandes oligopólios, garantir a exploração não-predatória das jazidas e defender o interesse da coletividade, além de atuar de forma estratégica, militar e economicamente, controlando o suprimento de petróleo e derivados. (BERCOVICI, 2011, p. 314)

Dentro desses parâmetros, no Brasil, o constituinte de 1988 houve por bem determinar, no art. 20, IX da Constituição, que os recursos minerais, inclusive os do subsolo, constituem bens integrantes do patrimônio da União, no que se inclui, evidentemente, o petróleo. No mesmo sentido é o teor do art. 176, caput, da Constituição Federal, segundo o

qual as jazidas e demais recursos minerais constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União.

Ademais, conforme o art. 177 da Constituição vigente, constituem monopólio da União Federal: a) a pesquisa e lavra das jazidas de petróleo; b) o refino deste, seja ele nacional ou estrangeiro; c) a importação e exportação dos produtos e derivados resultantes das atividades retro mencionadas; d) o transporte marítimo de petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem como o transporte, por conduto, de petróleo bruto e seus derivados.

A justificativa para a existência desse monopólio é a importância da atividade de exploração petrolífera para a economia nacional. Com efeito, o petróleo é um recurso escasso, que é utilizado em diversos setores econômicos, servindo ademais para contribuir com a arrecadação e equilíbrio da balança comercial, por meio das exportações. Trata-se, portanto, de um recurso natural estratégico, cuja relevância é reconhecida por todos os países, havendo uma tendência de legislação específica para o tema em diversos ordenamentos jurídicos (MARTINS, 2006, p. 148).

Deve ser salientado, contudo, que, nos termos do §1º do art. 177, a União, no exercício do seu monopólio, poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades supramencionadas, observadas as condições estabelecidas em lei, a qual deverá, consoante o disposto no §2º do mesmo dispositivo constitucional, dispor sobre a garantia do fornecimento dos derivados de petróleo em todo o território nacional, as condições de contratação das referidas empresas, bem como a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União.

Busca-se, com a possibilidade da participação de entidades privadas em uma atividade que constitui monopólio federal, uma conciliação entre o interesse público, que justifica a monopolização do setor petrolífero pelo Estado, e os princípios que devem reger a ordem econômica brasileira, previstos no art. 170 da Constituição de 1988, sendo um deles o da livre iniciativa (MARTINS, 2006, p. 148).

Percebe-se, destarte, que a opção constitucional foi a de conferir à exploração de petróleo um caráter eminentemente público, na medida em que, muito embora haja a participação de agentes do setor privado nesse segmento da economia, o comando do processo ficou a cargo da União, como ente soberano encarregado de resguardar o interesse nacional (MARTINS, 2006, p. 66).

Nesse contexto, em que se evidencia o caráter público dos recursos petrolíferos, é lógico que o Estado (aqui entendido em sentido lato, representado pelas diversas entidades

federativas) tenha uma parcela dos resultados de sua exploração, bem como seja ressarcido por eventuais prejuízos que essa atividade econômica possa vir a causar. Essa remuneração ao Poder Público pode se dar por meio da utilização de diversos instrumentos, genericamente delineados na obra de Gilberto Bercovici, nos seguintes termos:

Na descrição de Adriana Fiorotti Campos, os principais instrumentos fiscais utilizados pelos países produtores de petróleo para arrecadar a maior renda petrolífera possível são: o bônus de assinatura (pago no momento da assinatura do contrato ou na outorga da concessão) e o bônus de produção (pago no momento da descoberta e durante o período de produção); o pagamento pela retenção da área, ou taxa de ocupação (paga anualmente para manter o Estado na administração das atividades petrolíferas); o royalty (proveniente do privilégio de utilização de um recurso não-renovável); o imposto de renda; a partilha de lucros extraordinários (quando há produção em campos com lucros extraordinários ou aumento dos preços do petróleo) e a participação governamental (pagamento progressivo nos casos de elevado volume de produção). (BERCOVICI, 2011, p. 332)

A situação apontada também ocorre no Brasil. Nesse diapasão, Ricardo Lobo Torres elenca as os instrumentos fiscais existentes no ordenamento jurídico pátrio que permitem a remuneração ao Poder Público pelas atividades econômicas relativas à produção

de petróleo, com base na Lei nº 9.478/97, também conhecida como a “Lei do Petróleo”:

Podem a União, os Estados e os Municípios receber participação representada pelas importâncias calculadas sobre o resultado da exploração de petróleo ou gás natural ou de outros bens públicos. No que concerne à exploração de petróleo são as seguintes as receitas provenientes de participações governamentais de acordo com o art. 45 da Lei 9.478, de 6.8.1997: a) bônus de assinatura, proveniente do pagamento ofertado na proposta para obtenção da concessão; b) royalties, calculados sobre a produção de petróleo ou gás natural; c) participação especial aplicada nos casos de grande volume de produção, ou de grande rentabilidade, a ser regulamentada em Decreto do Presidente da República, devendo ser deduzidos os royalties, os investimentos e os custos operacionais; d) pagamento pela ocupação ou retenção de área, a ser feito anualmente. (TORRES, 2010, p. 192)

É interessante notar que as participações governamentais apresentadas, previstas pelo art. 45 da Lei nº 9.478/97, relacionam-se ao regime de concessão instaurado pelo aludido diploma legislativo, segundo o qual o concessionário, após prévia licitação, possui a obrigação de explorar, por sua conta e risco e, em caso de êxito, produzir petróleo ou gás natural nos blocos concedidos, ficando com a propriedade dos recursos extraídos, com os encargos relativos ao pagamento de tributos e das participações legais ou contratuais correspondentes.12

12

A constitucionalidade desse regime é questionada por Bercovici (2011, p. 314): “[...] não se pode relegar o fato de que a Lei nº 9.478/1997, que instituiu o modelo das concessões petrolíferas, é inconstitucional, pois o concessionário não pode ser proprietário do produto da lavra, sob pena de contrariar o fato de que o petróleo é

Todavia, após a descoberta de grandes reservas de petróleo na camada do “pré- sal”, localizada na plataforma continental, foi editada a Lei nº 12.351/2010, que adotou, para

essa região, o regime denominado de “partilha de produção”, conforme o art. 3º do mencionado diploma legal, fazendo com que passassem a coexistir dois regimes distintos para a exploração de petróleo no Brasil: o de concessão, cujos contornos jurídicos são delineados pela Lei nº 9.478/97, e o de partilha, instituído pela Lei nº 12.351/2010. Gilberto Bercovici traça um panorama sintético do funcionamento desse último modelo:

Além do contrato de concessão, há também os contratos de partilha de produção (production-sharing contracts), que garantem a propriedade estatal sobre os produtos petrolíferos antes de serem comercializados. São os contratos mais utilizados pelos Estados produtores de petróleo. O primeiro contrato deste tipo foi firmado na Indonésia, em 1966. Os riscos pelo investimento e desenvolvimento da produção são das empresas contratadas. Após o início da produção, as empresas

podem recuperar seus gastos e custos de operação de uma parcela denominada “cost

oil”. A parcela remanescente, o “profit oil”, é dividido entre a empresa e o governo, na proporção acertada no contrato. O Estado mantém total domínio sobre a propriedade dos recursos minerais, sobre os equipamentos e instalações e sobre o gerenciamento das operações de produção de petróleo. Nas palavras de Juan Pablo Perez Alfonso, os direitos reais sobre o petróleo não saem nunca do domínio do Estado. (BERCOVICI, 2011, p. 312)

No que concerne às receitas governamentais, no regime de partilha de produção, instituído pela Lei nº 12.351/2010, tais recursos constituem-se, conforme o caput do art. 42 da mencionada legislação, de: a) royalties; e b) bônus de assinatura13.

Tendo em vista o objeto deste estudo, que consiste na análise dos critérios de distribuição dos royalties sobre a exploração de petróleo entre os diversos entes da federação, dentre as participações mencionadas, tanto aquelas relacionadas ao regime de concessão quanto ao de partilha, merecerá atenção a figura dos royalties, que será mais bem analisada a seguir.

3.2 O art. 20, §1º da Constituição Federal: diferenças entre a participação nos resultados