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2. CONSTRUINDO O ARCABOUÇO TEÓRICO

2.4. Enquadre e Alinhamento ,

As estruturas de participação bem como as pistas contextuais não podem ser separadas da análise de enquadres e alinhamentos. Segundo Ribeiro e Garcez (2002, p.107), o conceito de “footing” foi introduzido por Goffman em 1979 e corresponde ao alinhamento, à postura, à projeção do “eu” de um participante na sua relação com o outro, consigo próprio e com o discurso em construção. Goffman o introduz como um desdobramento do enquadre, passando a ser o aspecto dinâmico do enquadre.

Passo, portanto, a partir da conceituação acima, a usar o termo “alinhamento”. O alinhamento, segundo Goffman (2002), é constituído predominantemente pela estrutura de participação, que se refere ao ouvinte, e pelo formato de produção, que se refere ao falante. Estas fornecem a base para a percepção da mudança daquele.

O alinhamento, portanto, é parte constitutiva do enquadre. Garcez e Ostermann (2002) elaboraram a seguinte definição de enquadre no Glossário Conciso de Sociolingüística Interacional:

“Enquadre é uma definição com base em elementos de sinalização na fala em interação, quanto ao que está acontecendo em uma interação, sem a qual nenhuma elocução (ou movimento ou gesto) pode ser interpretada. Para compreender qualquer elocução, as pessoas constantemente se deparam com a tarefa interpretativa de enquadrar eventos e ao mesmo tempo negociar as relações interpessoais, ou alinhamentos (ou footings), que constituem os eventos. Ao enquadrar os eventos, os participantes fazem que certos focos de atenção se tornem relevantes, e que outros passem a ser ignorados. Os enquadres, portanto, incluem e excluem elementos contextuais21 e, assim, emergem de interações verbais e não verbais” (Garcez e Ostermann, 2002, p. 260).

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O conceito de contexto que é usado no presente trabalho é de Garcez e Ostermann (2002, p. 259) “ trata-se de um ambiente de significação que é interacionalmente constituído mediante o que as pessoas estão fazendo a cada instante em termos de onde e quando elas fazem o que fazem.”

O enquadre pode ser interpretado como uma moldura em torno das estruturas participativas, do alinhamento e das pistas de contextualização, isto é, engloba a interação face a face com todas as suas nuanças. Incorpora a ação e a dinamicidade em que a interação está implicada. Considera não só o ambiente, mas também os objetivos dos participantes, a manutenção do curso ou não da interação e a construção e reconstrução do tópico do discurso bem como da manutenção da própria face, o participante pode impor-se e integrar-se na interação ou retirar-se, isto é, mudar de alinhamento.

Para a análise da interação entre o professor e os alunos, considero o conceito de “alinhamento” relevante, no sentido de verificar se ocorre mudança deste por parte da professora e dos outros alunos, no momento em que os interlocutores são alunos que falam somente o alemão e dos quais se espera que aprendam o português, em relação aos que são bilíngües ou monolíngües português.

Segundo Goffman (2002, p.113), uma mudança de footing implica uma mudança no alinhamento que assumimos para nós mesmos e para os outros presentes, expressa na maneira como conduzimos a produção ou a recepção de uma elocução. Uma mudança em nosso alinhamento é um outro modo de falar de uma mudança em nosso enquadre, porque aquele provoca este.

Se o professor, por exemplo, está explicando algo para a turma e chama a atenção de um aluno por ele não estar prestando atenção, o evento é de explicação, mas o alinhamento, isto é, o tom de voz, o direcionamento do olhar e a projeção do corpo, bem como a ratificação dos ouvintes podem mudar por haver uma suspensão do tópico em curso e, às vezes, do piso conversacional (Schultz, Florio e Erickson,1982, p. 26). Pode ocorrer uma mudança significativa no alinhamento entre falante e ouvintes, mesmo que por um momento e, então, o evento não é mais de explicação, mas de repreensão do aluno.

Rech (1996) analisa os alinhamentos (Goffman 1981) do discurso de professores em uma interação em sala de aula.

“Na interação em sala de aula, como nas demais interações face a face, as pessoas estão continuamente trabalhando suas posturas, seus alinhamentos, negociando seus objetivos e o contexto de fala, dentro de um consenso de trabalho. Conseqüentemente, as mudanças de alinhamento e de quadros também são contínuas e o quadro predominante surge do consenso dos participantes a respeito do evento em curso” (Rech, 1996 p. 310).

A autora constatou que, ao assumir um estilo discursivo, o professor está sinalizando qual o seu papel social e qual o seu alinhamento, de maior ou menor assimetria com os alunos. Dessa forma, através do seu estilo, ele indica para os alunos qual o quadro interacional22 que ele quer que predomine em suas aulas.

Segundo Gumperz (1986, p. 80), uma das condições para evitar conflitos é reconhecer e controlar certas regularidades mensuráveis em nível de estrutura social e de interação social. Rech (1996, p. 310) considera, então, parte de tal habilidade o reconhecimento das estruturas de participação vigentes em cada contexto, ou seja, reconhecer o conjunto de direitos e deveres comunicativos dos participantes, os seus papéis comunicativos.

Rech (1996) percebeu que as aulas eram formadas por dois quadros interacionais predominantes, resultantes principalmente do estilo do professor. Cada um destes quadros é formado por diversos sub-quadros, que moldavam as atividades de fala que iam se desenrolando no decorrer da interação.

O primeiro quadro foi denominado “formal ou institucional” devido ao alinhamento de o professor aproximar-se mais das expectativas de assimetria de status na relação com os alunos. O segundo quadro, por sua vez, foi denominado “conversacional” por ter uma estrutura mais próxima à conversação realizada rotineiramente entre amigos (Rech, 1996, p. 311).

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Rech (1996, p. 309) conceitua quadro interacional a partir de Tannen e Wallat ( 1987, p. 206) como “aquilo que está acontecendo na interação no momento, quais são as mensagens ou ações significativas que servem como instruções para atribuir significados aos enunciados daquela atividade, naquele instante”.

Apesar de o discurso pedagógico democrático, há predominância de uma prática pedagógica totalmente assimétrica e autoritária nos dados de Rech (1996, p.317). Os poucos professores que tentam interagir mais simetricamente com aos alunos se vêem cobrados, algumas vezes pelos próprios alunos, a exercer abertamente o poder de controle e dominação em sala de aula.

A partir do estudo de Rech (1996), introduzi a noção de simetria e assimetria presentes na sala de aula. Em função disso, esses aspectos também serão observados na presente análise, pois se tratando de conversa institucional, se fazem presentes.

Cajal (2001) diz o seguinte a respeito da presença da simetria e da assimetria em sala de aula:

“Em sala de aula o aluno convive com dois interlocutores, os colegas e o professor. Este, o locutor oficialmente constituído, aqueles, o interlocutor constituído no desenvolvimento das atividades pedagógicas, seja em grupo, seja em trabalhos individuais, podendo não ser os mesmos de uma atividade para a outra, de um dia para o outro. Com os primeiros estabelece-se uma relação predominantemente simétrica, pois são pares, têm os mesmos direitos e obrigações. Em alguns momentos, porém, a simetria de papéis cede lugar à assimetria em função das condições dos participantes da interação, como diversidade de background sociocultural, a maior ou menor participação na conversação e em outras ações de sala de aula; a própria tomada da palavra por um aluno confere certo poder sobre os demais” (Cajal, 2001, p. 139).

Portanto, além do quadro interacional de natureza institucional geralmente caracterizado pela assimetria professor (com o poder) versus aluno (subordinado), outros alinhamentos estão presentes e são pertinentes, principalmente quando observamos a alternância de código ou não, pois no momento em que, por exemplo, um aluno traduz algo dito pelo professor para outro aluno, por achar que esse não entendeu, o tradutor coloca-se, na maioria das vezes, simetricamente em posição superior ao outro.

A interação observada neste estudo se dá em sala de aula e poderá apresentar simetria e assimetria. Para analisar o curso das interações, descrever as mudanças de atuação e a sinalização dessas é preciso observar o alinhamento, isto é, não só a ratificação ou não do

interlocutor através da fala, mas também através de linguagem não-verbal. Observar como é sinalizada a transição de um enquadre do encontro para o outro.

Além disso, é preciso observar como é feita a mudança de tópicos e a transição de um evento social para outro (o que constitui comportamento apropriado antes da articulação e difere das regras depois dela). Nos eventos, há enquadres, pois os participantes de um evento estão, a todo o momento, se alinhando ou não com os demais participantes.