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2. CONSTRUINDO O ARCABOUÇO TEÓRICO

2.5. Pistas de contextualização

Por ser o contexto do presente estudo bilíngüe, as pistas de contextualização que estão, também, de alguma forma, relacionadas à alternância de código são pertinentes para a análise dos dados. Elas acrescentam aos conceitos de estrutura participativa, enquadre e alinhamento o aspecto da escolha do uso da língua.

Goffman (2002, p. 114) afirma que a mudança de alinhamento está geralmente vinculada à linguagem ou pelo menos a marcadores paralingüísticos23. Para este trabalho, que tem como foco verificar como ocorre a alternância de código, é pertinente citar o que Goffman diz: “De fato, uma troca de código, às vezes, também funciona como marca dessa mudança (alinhamento)” (Goffman 2002, p. 142).

Segundo Gumperz (1982, p.152), as pistas de contextualização são todos os traços lingüísticos que contribuem para a sinalização de pressuposições contextuais. Tais pistas podem aparecer sob várias manifestações lingüísticas, dependendo do repertório lingüístico de cada participante. Os processos relacionados à mudança de código, dialeto e estilo, bem como as possibilidades de escolha entre opções lexicais e sintáticas, expressões pré-formuladas,

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aberturas e fechamentos conversacionais, e estratégias de seqüenciamento podem, todos, ter função semelhante de contextualização.

Embora tais pistas sejam portadoras de informação, os significados são expressos como parte do processo interativo24. Ao contrário das palavras, que podem ser discutidas fora do contexto, os significados das pistas de contextualização são implícitos.

As pistas de contextualização, portanto, sinalizam mensagens que devem ser interpretadas de momento a momento no contexto em que ocorrem e, para o presente estudo, principalmente quando ocorre a alternância de código. O valor sinalizador das pistas de contextualização só tem sentido se o significado deste for reconhecido pelos participantes.

Gumperz analisou as entrevistas de seu estudo em três níveis ou canais de comunicação que segundo ele são:

“a) sinais não-verbais, tais como direção do olhar, distância proxêmica, ritmo cinésico ou duração de tempo do movimento corporal e gesticulação; b) sinais paralingüísticos – voz, altura do som e ritmo; c) conteúdo semântico das mensagens” (Gumperz, 1982, p. 167 - 168).

Gumperz (1982, p.153) propõe um distanciamento daquilo que se considera normal em um ato de fala, a fim de evitar generalizações errôneas na análise. Segundo ele, o potencial de sinalização em relação à direcionalidade semântica25 é, em grande parte, universal, enquanto que a interpretação local do significado de qualquer alteração dentro de um contexto é sempre uma questão de convenção social. Os sinais extra-lingüísticos encontram-se no cenário e no conhecimento que os participantes têm sobre o que aconteceu antes da interação. Ele alerta para o fato de que podem ocorrer problemas de comunicação que resultam em frustração mútua, especialmente quando os participantes acham que entendem as palavras

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Goffman (2002, p.129) diz que existe uma vasta gama de práticas que influem na condução da interação. A freqüência, a duração e a ocasião de olhadas mútuas e unilaterais podem marcar o início e o término do turno de fala, a distância física, a ênfase, a intimidade, o gênero e assim por diante – e, é claro, uma mudança no alinhamento.

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Segundo Gumperz (1982, p. 153) “...expectativas convencionais sobre o que é considerado normal e o que é considerado marcado em termos de ritmo, volume de voz, entoação e estilo de discurso”.

uns dos outros. “Devido à suposição de que se entendem mutuamente, é menos provável que questionem interpretações” (Gumperz, 1982, p. 172).

Quanto à interação em sala de aula, Gumperz (1982, p. 175) exemplifica com vários episódios. No episódio “Num quero ler”, por exemplo, a professora primária pede para que o aluno leia, ele se nega e ela não insiste. Ao mostrar essa interação a outras pessoas para que a interpretassem, foram verificadas duas versões: uma de que a criança não queria cooperar e outra de que a criança estava pedindo para que a professora insistisse mais. A segunda interpretação foi gerada a partir da observação de que a fala da criança terminou em tom ascendente.

Gumperz (1982, p. 180) diz que os problemas de comunicação causados por convenções de contextualização refletem fenômenos que são tipicamente sociolingüísticos no sentido de que seu peso interpretativo é muito maior do que seu significado lingüístico,26 conforme medido pelas técnicas comuns da gramática contrastiva. Ele alega, portanto, que dificuldades circunstanciais de comunicação, mesmo sem nenhum problema semântico ou gramatical, podem ser consideradas como dificuldades lingüísticas. A proposta de Gumperz é de que nos preocupemos mais com o estilo e as interferências culturais invisíveis e menos com as visíveis.

Em um artigo sobre a cultura invisível e variação cultural na fala-em-interação social, Garcez (2000, p. 495) discute a relevância da variabilidade cultural no uso da “língua/gem” e “cultura” e a implicação que essa reflexão tem para a educação, principalmente para os educadores da linguagem. O autor define os termos “língua/gem” e “cultura” da seguinte forma:

“...estou usando o termo língua/gem liberalmente para me referir ao conjunto de recursos usados na vida quotidiana para a comunicação e a interação

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social humana. Da mesma forma, usarei o termo cultura27 para me referir aos “sistemas aprendidos e compartilhados de padrões para perceber, para crer, para agir e para avaliar as ações dos outros (GOODENOUGH apud ERICKSON, 1990, p. 105)” (Garcez, 2000, p. 495).

As definições empregadas por Garcez (2000) de “língua/gem” e “cultura” serão, também, adotadas no presente trabalho, pois dão suporte adequado para a análise das pistas de contextualização (Gumperz, 1982). Estas são estruturadas a partir de traços culturais visíveis e invisíveis (Gumperz, 1982) que influenciam o curso e o entendimento da interação e comunicação social humanas (Garcez, 2000) pelos participantes e também estão presentes na sala de aula, lócus do presente estudo.

Segundo Garcez (2000, p. 500), os estudos da etnografia da comunicação, embasados nas idéias de Hymes, demonstram que há um padrão no uso da linguagem, que comunidades distintas fazem usos interacionais diversos de recursos semelhantes ou idênticos oferecidos pelo contexto e código(s) lingüístico(s). Os falantes/ouvintes/ sinalizadores variam no grau de familiaridade que têm com as tradições comunicativas das comunidades das quais são membros ou nas quais convivem.

A partir disso, segundo Garcez, uma mesma comunidade lingüística28 pode conter

inúmeras comunidades de fala e de que uma mesma comunidade de fala pode utilizar os recursos de mais de um código lingüístico. De acordo com Hymes (1972/1986, p. 54, apud Garcez, 2000, p. 500) comunidade de fala é “uma comunidade que compartilha regras para a condução e interpretação da fala e pelo menos uma variedade lingüística”.

Garcez (2000) continua dizendo que, ser nativo de uma comunidade lingüística não significa automaticamente ser conhecedor, muito menos usuário competente, das tradições de

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Grifos do autor.

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Segundo Gumperz (1993, p.133), “grupo social, que pode ser tanto monolíngüe quanto multilíngue, unido por freqüência de padrões de interação social e separado das áreas circunvizinhas por fragilidades das linhas de comunicação. As comunidades lingüísticas podem consistir em pequenos grupos unidos pelo contato face a face ou podem cobrir regiões amplas, dependendo do nível de abstração que queremos alcançar”.

padronização cultural do uso da linguagem em interação social das demais comunidades de fala que utilizam o mesmo código lingüístico (ex. um norte-americano na Inglaterra).

A relação dessa reflexão com a realidade do presente estudo está no fato de a sala de aula estar permeada de práticas culturalmente convencionadas como adequadas para aquele contexto de interação e, muitas vezes, essas práticas passam invisíveis aos olhos dos interagentes que as incorporaram e tornam-se uma ameaça para os interagentes que não as identificam adequadamente ou as desconhecem.

A fala em interação se faz presente na sala de aula e é extremamente importante para o fluxo das atividades. Segundo Garcez (2000, p. 509), é necessária uma reflexão a respeito dos julgamentos do que seja adequação comunicativa que assumem papel central no processo do que seja adequação social. Da mesma forma, ter em mente o fato de que o indivíduo deve exibir conhecimento prático das convenções culturais de padronização do comportamento comunicativo na fala-em-interação social para ser percebido como competente e merecedor de acesso a bens sociais.

Segundo Gumperz (1982, p.152), a interpretação se realiza por implicaturas conversacionais, baseadas em expectativas convencionalizadas de co-ocorrência entre conteúdo e estilo de superfície. As pistas de contextualização são, portanto, traços presentes na estrutura de superfície que os falantes sinalizam e os ouvintes interpretam. Segundo Gumperz (op. cit.), as pistas de contextualização são todos os traços lingüísticos que contribuem para a sinalização de pressuposições contextuais.

Como já aludido anteriormente, nesta subseção, a presença da alternância de código como pista de contextualização, bem como a sua interpretação pela professora e pelos alunos, é importante para a análise, tanto no que se refere a como os participantes da interação contextualizam suas pistas, quanto no que se refere à forma de interpretação dessas pistas de contextualização. Será, sempre, analisado o contexto em que surge a alternância, para, então,

interpretar o seu significado e o seu papel dentro da interação, procurando, também, encontrar traços de cultura invisíveis presentes nas manifestações e entendimentos das pistas de contextualização.