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1.4 CONTEXTOS RELACIONADOS AO MEDICAMENTO / INDÚSTRIA

1.4.3 Ensaios clínicos

Para a introdução de novos medicamentos no mercado são necessários, após uma fase técnica e experimental em laboratórios, a realização de ensaios clínicos utilizando pessoas sadias e pessoas portadoras de doenças relacionadas ao produto testado. Desta forma, os novos medicamentos serão apresentados às agências reguladoras, sistemas de controle do Estado, para a avalição documental e de

resultados. Espera-se que, ao final dos ensaios clínicos, os medicamentos novos derivados destes ensaios apresentem segurança, não causem mal, e eficácia, atuem como desejados. Os medicamentos ditos novos têm autorização para serem produzidos para a indicação clínica para a qual foram testados e realizados os ensaios clínicos, com a apresentação testada (dosagem e forma farmacêutica) no âmbito de abrangência regulatória da agencia pertinente.

Em contraponto ao sempre desejado, a maioria dos medicamentos novos lançados no mercado não estão relacionados com doenças e sim diretamente com condições secundarias ou precursoras de doenças, como hipertensão e níveis de colesterol. Assim, o processo de avaliação de eficácia não se prende a redução dos casos de doenças, mas a obtenção de resultados de medidas ou valores, que poderão ou não trazer benefícios como a redução de doenças (48 p. 255, 50 p. 141, 57 p. 128, 58). Nestes casos citados, o placebo é o mais utilizado para comparação em ensaios clínicos, com os melhores resultados (48 p. 255, 50 p. 152, 56).

Da mesma forma, a utilização de ensaios controlados por placebo também é utilizada para verificação de eficácia dos medicamentos sem a comparação com outras formas de tratamentos ou mesmo com medicamentos do mesmo grupo, que seriam os mais antigos e de utilização mais comum. Com variação de dosagens, formas farmacêuticas diferentes, esquemas terapêuticos diferenciados e a comparação certa com um outro esperado ineficaz, os resultados obtidos serão melhores e constarão dos trabalhos para a verificação das agências reguladoras para liberação comercial e o devido desenvolvimento e acompanhamento das estruturas de marketing (48 p. 95, 49 p.118, 50 p.152, p.186 e p. 212, 59).

No desenvolvimento dos ensaios clínicos pelas farmacêuticas, para a obtenção de resultados favoráveis para a demonstração junto aos serviços ou agências reguladoras, também para a publicação em periódicos, são utilizadas estratégias, como a realização de ensaios clínicos em indivíduos saudáveis ou fora dos riscos esperados, isto é, ideais. Neste caso os resultados serão mais vantajosos e maiores benefícios serão apresentados (48 p. 124, 50 p. 182, 58, 60). Da mesma forma, como já comentado, o medicamento novo é comparado com medicamento já em desuso ou que não demonstra mais eficácia ou esta é muito reduzida (48 p.124, 49 p.186).

Entre outras formas que se apresentam os testes clínicos, a fim de se obter resultados mais favoráveis, estão o desenvolvimento de ensaios mais curtos, de pouca duração, ou que sejam interrompidos quando os resultados já se apresentam desejáveis, ou o prolongamento de projetos que possam emitir resultados parciais mais favoráveis. Também podem ser utilizados alterações nos padrões estatísticos quando da avaliação de resultados, promovendo alterações de interesse (48 p. 126 e p. 189, 50 p. 53, p.188, p.193 e p. 204).

Artigo de revisão de 2010 aponta que numa avaliação de testes clínicos realizados de 1975 até 2008, retirado de base de dados, ocorreu a interrupção de testes quando os resultados estavam favoráveis em etapas iniciais e a consequente publicação. Foram citados 91 ensaios em 424 analisados, em especial nas áreas de Cardiologia, Oncologia e Neurologia (61).

Neste contexto também encontramos os ensaios chamados de semeadura, que são desenvolvidos pelas farmacêuticas, mas não tem valor cientifico, não tendo grupo-controle ou outra metodologia comparativa, mas são empregados quando se procura divulgar entre os médicos os produtos de interesse (ferramenta de marketing). Neste caso, os médicos prescrevem a seus pacientes um medicamento novo e observam o que acontece, tudo dentro do esperado por essas farmacêuticas. A publicação dos resultados em periódicos é baixa e estes medicamentos possuem preços muito maiores que as outras opções de tratamento (49 p.73). A maioria dos pacientes não tem conhecimento do estudo e os representantes dessas industrias, que fazem a visita médica, fazem o controle, prestam as informações e recolhem os resultados (49 p. 149, 50 p. 216).

As indústrias também apresentam estudos que demonstram a superioridade de medicamentos sobre outros, mas não fazem os ensaios clínicos em mesmas condições – processo metodológico de comparação, apresentando dessa forma dosagens maiores para os medicamentos novos em comparação com a dosagem habitual utilizada - doses não equivalentes. Dessa forma, conseguem medicamentos novos mais resolutivos. Como exemplo, podemos citar a utilização de medicamentos de eficácia igual desenvolvidos pela Astra Zeneca para úlceras de estomago e condições relacionadas. O omeprazol/20 mg (Losec) foi comparado em ensaio clinico com o novo medicamento esomeprazol/40 mg (Nexium). O novo medicamento custava cerca de 30 vezes mais caro. A patente do omeprazol estava

por expirar e evidenciava-se a entrada de genéricos no mercado. Uma forte estrutura de marketing foi utilizada na campanha pelo novo medicamento – 500 milhões de dólares (48 p. 95, 49 p. 168, 50 p.153 e p.155).

Pode ser relatada ainda a criação ou o apoio de indústrias farmacêuticas a grupos de doentes com determinada patologia ou seus familiares, ou risco, para a maior facilidade de captação de participantes de pesquisa clínica – grupos de defesa de doentes. Desta forma, a realização de ensaios clínicos pode ser realizada com uma captação mais fácil e, na maioria, bem remunerada (48 p. 46, 49 p. 96 e p. 269).

No caminho do desenvolvimento da organização e do desenvolvimento dos ensaios clínicos que eram, em geral, realizados em universidades e hospitais diretamente pelas indústrias farmacêuticas, passaram a ser realizados nos últimos trinta anos pelas CRO (Clinical Research Organization) - empresas com fins lucrativos, criadas para organizar e executar os ensaios clínicos de interesse dessas indústrias (48 p. 44, 50 p. 121). Os contatos com os hospitais e médicos são realizados por essas empresas que repassam para as indústrias os resultados obtidos, com a observação de que os patrocinadores controlam todas as fases dos estudos, fazem o acompanhamento e a análise dos dados obtidos (48 p. 117). Estas CRO também podem ser chamadas de Organizações de Pesquisa por Contrato (OPC), algumas com estruturas de marketing e publicidade (49 p.54).

Em 2010, as CRO foram responsáveis por um terço da totalidade das despesas com ensaios clínicos das grandes empresas farmacêuticas, com um movimento perto de 20 milhões de dólares, mais de 9.000 ensaios em 115 países. Ocorreu uma maior comercialização e profissionalização na realização dos ensaios clínicos, sendo que algumas CRO, em alguns contratos de prestação de serviço as indústrias, passaram a realizar uma relação de risco nos resultados obtidos, com a possível participação de lucros com os medicamentos após a sua comercialização (50 p.121 - 122).

Para as indústrias as CRO são atraentes porque são mais rápidas na obtenção dos resultados, mais eficientes nas relações com o contexto médico, melhor orientadas para as pesquisas e mais baratas. Este último critério prende-se ao fato de realizar o serviço contratado em países mais pobres ou mais acessíveis

(57 p. 62). Por exemplo, enquanto um estudo clinico da GSK nos EUA, em 2005, custaria 30.000 dólares por participante, na Romênia custou 3.000 dólares por participante (49 p. 123). Ensaios com contraceptivos orais foram primeiro testados em Porto Rico, Haiti, México, para posteriormente serem aplicados nos EUA, sempre com pobres envolvidos, em sua maioria de origem mexicana ou africana (49 p. 119).

Entre outros exemplos de testes clínicos podem ser citados: com o medicamento Trovan realizado em crianças na Nigéria (Pfizer/antibacteriano); com o medicamento Zeldox (pela Pfizer/antipsicótico em arritmias cardíacas) na Bulgária e na Hungria; Maxim (para doença hepática) na Rússia; Cariporide (pela Aventis/danos cardíacos pós-cirurgia) na Argentina; e testes da farmacêutica suíça VanTx com cidadãos da Estônia e da VanGen em Bangkok (57 p. 63).

Os ensaios com medicamentos são cada vez mais terceirizados em países com pouca supervisão e com corrupção disseminada. Como podemos saber se os resultados foram inventados quando não temos a possibilidade de controlar os ensaios? (49 p. 119)

Uma observação importante se prende ao fato de que a agencia reguladora dos EUA, Food and Drug Administration, passou a adotar normas técnicas diferentes para a avaliação dos processos de registro de medicamentos nos EUA. Para os ensaios clínicos realizados dentro dos EUA é utilizada como referência a Declaração de Helsinque e para aqueles realizados fora do país passaram a ser obedecidas diretrizes diferentes, Boas Práticas Clinicas (BPC) da Conferência Internacional de Harmonização (International Conference on Harmonization-ICH). As objeções morais contidas em Helsinque não foram priorizadas em comparação com normas estritamente mais técnicas. Nesse mesmo caminho estadunidense, agencias da União Europeia e do Japão aderiram a mesma opção para a avaliação de produtos (49 p.119, 50 p.128).