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1.4 CONTEXTOS RELACIONADOS AO MEDICAMENTO / INDÚSTRIA

1.4.1 Relação com Governos

Fazem parte da relação das indústrias farmacêuticas com os Governos o recebimento de investimentos para pesquisa. Nos EUA, por exemplo, os National Institutes of Health (NIH) investem em pesquisas desenvolvidas em empresas privadas. Pesquisadores desses citados NIH também são remunerados pelas indústrias para realizarem consultorias, conferências e participação em eventos, denotando forte conflito de interesse. Da mesma forma, no citado país, a relação com as instituições de Governo se faz presente quando da articulação para a criação de leis que, por exemplo, podem favorecer a captação de pesquisas oriundas das universidades e centros públicos de pesquisa, com o consequente

repasse indireto de recursos, já que parte dessas pesquisas também foi financiada pelo poder público – Lei Bayh Dole (1980 - transferência das vantagens de patentes) e Lei Stevenson-Wydler (1980 – transferência de tecnologia) ou aumentar período de monopólio de produção de medicamentos - Lei de Hatch-Waxman (1984 – prorrogação de direitos de patentes) (48 p. 22, p. 25, p. 75, p.121).

Também se constata, com frequência, conflito de interesse na agencia reguladora estadunidense de medicamentos e outros produtos para a Saúde, FDA- Food and Drug Administration, quando da tomada de decisões relativas a liberação de medicamentos (48 p.135).

Exemplificando ainda as relações das farmacêuticas com os Governos trazemos como exemplo a criação, nos EUA, em 1992, da Taxa de Usuário de Medicamentos (Prescription Drug User Free Act) que impeliu as indústrias de medicamentos a pagarem a FDA pela verificação e aprovação dos projetos que envolvem medicamentos. Essa FDA passou a ser dependente da indústria que ela deveria regulamentar e fiscalizar porque grande parte do orçamento da agencia passou a ser constituído de recursos provenientes do setor fiscalizado, com o pagamento de pessoal e contratação de mão-de-obra especial ou auxiliar para a execução de serviços. Grande parte dos recursos humanos diretamente envolvidos com a regulamentação dos medicamentos é financiada pelos fiscalizados com a decorrente limitação da independência da agencia (48 p. 222, 49 p. 111). Este

contexto abordado também é encontrado na Agencia Europeia de Medicamentos (EMA) (50 p. 138).

A pressão no Congresso estadunidense também é claramente demonstrada para a articulação dos interesses das farmacêuticas – “em 1994, os republicanos tentaram eliminar completamente a FDA e deixar a indústria farmacêutica regular a si própria” (44 p.109). As contribuições para as campanhas eleitorais são generosas – entre 1998 e 2006 houve doação de 1,2 bilhão de dólares (48 p. 26). Em 2002, dentre os lobistas das farmacêuticas instalados em Washington, estavam 26 ex- congressistas e 342 assessores que haviam trabalhado com congressistas e 20 ex- chefes de gabinete (48 p. 212).

Deve ser comentado que, em 2009, cientistas da FDA escreveram ao Presidente dos EUA informando sobre a corrupção interna e a presença cada vez

maior de interesses dos fiscalizados na tomada de decisão quanto a regularização e liberação dos novos produtos que estavam em análise (49 p.107). São citadas ainda as posturas da direção da Agencia sobre os pesquisadores: intimidação, coerção e manipulação de informação (51). Da mesma forma, são apresentados casos de influência e corrupção na área de medicamentos nas agências da Itália, Reino Unido e Alemanha (49 p. 108 -109).

Também é citado que a indústria farmacêutica cria e patrocina grupos que se apresentam como organizações em favor de um melhor sistema de Saúde ou no interesse de um melhor componente desse sistema. Nos EUA, em 1999, foi criado o Citizens for Better Medicare, que aparentemente se apresentava como um grupo de idosos buscando uma melhor forma de serem atendidos em suas necessidades em medicamentos, mas que articulava junto as instituições do Governo no interesse dessa indústria, combatendo qualquer regulamentação de preço e de restrição ao uso dos medicamentos. Da mesma forma, estes componentes industriais transnacionais articulam com grupos já em atividade para a extensão de atividades de marketing e de relação como o Governo (48 p. 215).

Richards, em publicação de 2003 para o National Institute on Money in State Politics, entidade estadunidense que informa sobre “investimentos” nas relações políticas do EUA, divulgou que a Pharmaceutical Research and Manufactures of America (PhRMA) possuía em orçamento para 2004 o valor de 49 milhões de dólares para lobby no Governo federal e 31,1 milhões de dólares para a mesma atividade nos Governos estaduais americanos, que envolviam contribuições a candidatos políticos e a partidos. Os maiores contribuintes, numa lista de quarenta empresas afiliadas, eram a Pfizer, a GlaxoSmithKline (GSK), a Eli Lilly e a Merck. O trabalho apresenta o quantitativo de doação aos partidos políticos desde 1998, uma relação de candidatos, governadores, senadores e representantes estaduais. Ainda aponta que 76 % dos candidatos apoiados pela instituição venceram as eleições ou foram eleitos (52).

Lenzer descreve a proposta do Presidente dos EUA, George W. Bush, em 2002, de conduzir um estudo no país para verificar a saúde mental de estudantes e trabalhadores em escolas. Estariam envolvidos 25 agencias federais e 52 milhões de estudantes, crianças e jovens, e 6 milhões de adultos. Estudo similar já havia sido realizado no estado do Texas quando foi governador (1995-2000) – Texas

Medication Algorithm Project. O então projeto do Texas teve apoio da Universidade do Texas e empresas farmacêuticas. O objetivo do projeto era identificar crianças e jovens agressivos, fazer uma interferência para prevenir possível trajetória de violência no futuro. Foi citado uma relação muito próxima da família Bush com a farmacêutica Eli Lilly, com ocupação de cargos e indicação de executivos. Houve um aumento muito significativo de vendas para o Medicaid e Medicare– programas do Governo estadunidense de assistência à saúde - do medicamento Zeprexa (olanzepina/antipsicótico) de fabricação da empresa citada em decorrência do estudo no estado do Texas, com aumento dos preços. Companhias farmacêuticas contribuíram três vezes mais para a campanha de Bush a presidência dos EUA. A Eli Lilly contribuiu com 1,6 milhão de dólares para campanha política em 2000, 82% para o candidato Bush. Comissão designada para a organização do estudo no país apresentou óbices relativos a “busca de consumidores”, “tratar os problemas de outras formas”, “possibilidade de gastos exorbitantes com medicamentos” e “identificação de casos e busca de contextos de acolhimento e abrigo” (53).

Monyhan traz a influência da indústria farmacêutica no Reino Unido, com implicações diretas na prescrição de medicamentos, na educação médica, na pesquisa cientifica pública visando a interesses privados e na influência nos setores de Governo envolvidos com a Saúde, em especial o National Health System (54).

Galsworty, em artigo de 2014, aponta a relação da Big Pharma com a Comunidade Europeia na investigação de novos medicamentos até 2020 e que 683 milhões de euros oriundos de Governos europeus foram disponibilizados para ensaios clínicos destas industrias, por meio da European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations, o que corresponde a 25 - 32 % dos recursos destinados a pesquisa, considerando outros recursos relacionados a Saúde (55).

Outro fato de relevância, no caminho da influência das farmacêuticas nos Governos, pode ser demonstrado quando o Presidente dos EUA se torna membro da diretoria de uma grande empresa farmacêutica (Bush pai – Eli Lilly) e o Secretário de Defesa apresenta em seu currículo profissional o cargo de Diretor-Presidente Executivo, Presidente e membro do Conselho de empresa farmacêutica (Donald Rumsfeld – Searle) (48 p. 215).