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1.4 CONTEXTOS RELACIONADOS AO MEDICAMENTO / INDÚSTRIA

1.4.6 Profissionais de saúde e suas organizações

Assunto também de destaque, deve ser comentado a relação dos profissionais de Saúde, em especial os médicos prescritores de medicamentos, embora possamos ter enfermeiros e farmacêuticos prescritores em alguns países, os professores de instituição de ensino em Saúde, pesquisadores de destaque, profissionais médicos de realce em suas especialidades - muitos chamados líderes de opinião, com as indústrias farmacêuticas. Este contato pode ser realizado diretamente, como no caso de representante de empresas junto aos médicos, visitas médicas em consultórios, ou representantes de vendas ou assessores técnicos- científicos. Uma clara relação de conflito de interesses se evidencia.

O contexto nessa relação se apresenta com a distribuição de amostras, brindes, presentes de toda ordem, refeições, viagens e estadias em hotéis, participação em eventos culturais, esportivos e científicos de variadas grandezas (seminários, congressos, nacionais e internacionais). Da mesma forma, o pagamento para assessorias que não são plenamente realizadas, ou conferências e palestras, a maioria envolvendo valores e condições muito acima do esperado (48 p. 143-144, 49p. 89 e p. 148, 50 p. 310, p. 312 e p. 337, 66, 67). A prescrição de medicamentos com remuneração também é encontrada, em especial naqueles ensaios clínicos que atendem a uma estrutura de marketing (semeadura, já comentados), como na Alemanha, em 2008, pela Astra Zeneca em relação ao novo medicamento Nexium – 10.000 euros por médico (49 p.169), ou como já acontecido nos EUA, em 2001, com o pagamento de médicos para a prescrição de Celexa (Forest Laboratories) e Lexapro (Lundback) – 500 dólares. Também são citadas ainda a Eli Lilly, a Pfizer, a Novartis e a Merck, como pagadoras de prescritores (49 p. 219).

Gotzche aponta a relação entre a Big Pharma e os prescritores médicos com relação a pagamento por prescrição, por participação em elaboração de artigos

ghostwritten, por envolvimento em marketing intenso para a população e por envolvimento em publicação de resultados parciais de ensaios clínicos (68).

A ProPublica, entidade jornalística investigativa estadunidense, criou uma base de dados acessível ao público com informações sobre pagamentos feitos aos médicos. São evidenciados pagamentos de 750 milhões de dólares de empresas farmacêuticas a médicos pela Astra Zeneca, Pfizer, GSK, Merck e outras. Contam na base de informações 17.700 médicos, com 384 que receberam mais de 100.000 dólares (50 p. 326).

Os EUA possuem uma regulamentação federal especifica para disponibilizar informações sobre valores financeiros recebidos por médicos de empresas ligadas à Saúde – Lei Sunshine Act. No Reino Unido, a Associação Britânica da Industria Farmacêutica (ABPI) estabeleceu que a partir de 2013 todas as empresas vinculadas teriam que declarar publicamente quanto pagaram aos médicos pelos serviços prestados, incluindo palestras, consultorias, patrocínios, dentre outros (50 p. 328).

Outra abordagem trata da relação de empresas farmacêuticas na chamada educação médica ou educação médica continuada, com o pagamento de valores aos profissionais de saúde que possam refletir no desempenho profissional, em especial na prescrição de medicamentos (48 p. 151 e p. 264, 49 p. 89). Nos EUA, em 2004, houve 237 mil reuniões e palestras patrocinadas por empresas farmacêuticas e 134 mil eventos coordenados por vendedores dessas empresas (49 p. 90). Na França, em 2008, 75% de todas as atividades de formação médica contínua foram subsidiados pelas empresas farmacêuticas (50 p. 313). Ocorre também a distribuição para os prescritores das reimpressões adquiridas dos periódicos com os trabalhos e estudos de interesse para a divulgação e possibilidade de prescrição, inclusive algumas edições especiais com temas de destaque (50 p. 303).

Norris et al, em 2012, traz as especialidades médicas nos EUA que recebem pagamentos de empresas farmacêuticas, apontando que, nos anos de 2009 e 2010, 52 milhões de dólares foram destinados aos médicos, com uma média por profissional de 141 mil dólares, com os maiores pagamentos sendo realizados para a Psiquiatria e a Medicina Interna. Dos 373 médicos pesquisados que receberam

recursos financeiros superiores a 100 mil dólares, 147 publicaram artigos no período correspondendo a 134 publicações. Destas publicações, 69% não continham a informação do recebimento de recursos financeiros pelos profissionais autores. São citadas a Merck, Johnson& Johnson, Astra Zeneca, Pfizer, GSK e Eli Lilly, como as maiores envolvidas, dentre outras (69).

Patwardhan, em trabalho de 2016, relata a relação ainda persistente da indústria farmacêutica com os médicos no que se aplica a distribuição de valores financeiros, brindes, e outros, e a indução de prescrição de produtos de interesse. Cita a relevância das normativas federais estadunidenses Sunshine Act, de 2007, que determina que os produtores de medicamentos relatem as relações profissionais e financeiras com os profissionais da Saúde e com os hospitais, e o Patient Protection and Affordable Care Act, de 2010, que determina a divulgação de pagamentos e outros benefícios aos médicos. Comenta ainda que a FDA procura utilizar denunciantes nas investigações de transgressões relacionadas a remuneração indevida nos contextos técnicos e que a Europa, o Canadá e a Austrália buscam melhores mecanismos de transparência (70).

Muitas dessas práticas promocionais só podem ser descritas como subornos (48 p. 146).

A relação das farmacêuticas com as associações e entidades profissionais, que antes somente se fazia diretamente, já há algum tempo se faz através de empresas que organizam eventos, promovem publicidade, preparam material didático e convidam e pagam despesas de visitantes, palestrantes e convidados (48 p.155 e p.157, 49 p. 89). “Está demonstrado que os médicos prescrevem mais medicamentos dos patrocinadores após esses encontros” (48 p. 156).

Dentre essas organizações profissionais citadas como recebedoras de valores financeiros significativos dos laboratórios farmacêuticos para a sua sobrevivência e realização de eventos e cursos estão o Colégio Americano de Cardiologia e a Sociedade Americana de Hematologia (48 p.159, 49 p. 141). Também encontramos a Associação Americana de Psiquiatria (48 p.161, 49 p. 186), a Associação Medica Americana e Associação Hospitais Americanos (48 p. 209), bem como a Heart Rhythm Society, a American Academy of Alergy, Asthma and

Immunology, a Americam Academy of Pediatrics e a American Academy of Nutrition and Diabetics (49 p. 267, 50 p. 332). Da mesma forma, o Royal College of Physicians em Londres (49 p. 186).

Os laboratórios farmacêuticos são uma turma amoral. Não são uma associação benevolente. Portanto, é muito improvável que façam doações de grandes quantias de dinheiro sem qualquer compromisso (48 p. 163).