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Capítulo 2: Fundamentação Teórica

2.5 Ensino de Ciências por Investigação e a Aprendizagem

Tradicionalmente, o ensino de Ciências realizado pelos professores nas escolas tem sido de forma dogmática, como modelos formais, informações, fórmulas, taxonomias, atividades práticas, com ênfase na memorização.

Entretanto, durante as décadas de 1970 e 1980, diversas pesquisas sobre as ideias dos estudantes a respeito de fenômenos naturais e conceitos científicos evidenciaram construções pessoais dos mesmos, e estas foram denominadas concepções alternativas caso não estivessem de acordo com o conhecimento científico já sistematizado (DRIVER et al., 1999; MORTIMER, 2000). Estes trabalhos, geralmente, baseavam-se em pressupostos construtivistas, teoria que é apontada como paradigma da investigação em Educação em Ciências, como um campo específico de conhecimentos (CACHAPUZ et al., 2005).

O Construtivismo surgiu como uma teoria a partir do trabalho de importantes pesquisadores, tais como Jerome Bruner e Jean Piaget, ao desenvolverem pesquisas para explicar como os indivíduos adquirem, interpretam e usam informações construindo conhecimento. Dessa maneira, assumiu-se a aprendizagem como um processo pessoal de construção de significados e conhecimentos onde o aluno tem uma participação ativa (KRASILCHIK, 2004; CACHAPUZ et al., 2005). O aluno então não é mais visto como um tábula rasa e sim uma pessoa que possui diferentes ideias como resultado de suas construções prévias em variados contextos.

Krasilchik (2004) aponta seis aspectos importantes a serem considerados numa visão construtivista de aprendizagem (DRIVER; BELL18, 1986 apud KRASILCHIK, 2004, p. 30):

 Os resultados da aprendizagem dependem não só do ensino ministrado, mas dos objetivos, das motivações e dos conhecimentos que o aluno traz para a escola;

 O aprendizado envolve a construção de significados por cada um dos alunos;

 A construção de tais significados depende de uma atividade contínua;

 Uma vez construídos os significados, cada aluno faz sua avaliação e os aceita ou rejeita. Evidências indicam que muitos alunos aceitam certos significados apenas para usar na escola, nas aulas e nas provas, mas que não são usados para interpretar o mundo no seu dia-a-dia;

 A responsabilidade do aprendizado é dos estudantes, ou seja, deles depende a atenção dada à tarefa de construir e avaliar determinadas ideias;

 É possível identificar regularidades nos significados construídos pelos alunos. Essas regularidades, muitas vezes, têm semelhanças com o desenvolvimento histórico do conhecimento científico.

Tanto na área de Ciências Cognitivas quanto na de Didática das Ciências, vários pesquisadores muito contribuíram para o entendimento do pensamento da criança e como ela constrói o conhecimento científico, tal como já falamos anteriormente. Driver et al. (1999) argumentaram, por exemplo, que durante a infância, as crianças com idade entre quatro e seis anos possuem a ideia do ar vinculada ao vento, brisa ou sopro, ou seja, concebem a existência do ar somente quando ele se encontra em movimento. E a noção de ar como “coisa”, matéria que ocupa espaço, é construída somente aos sete ou oitos anos; entretanto, ele não possui peso, ou tem um peso negativo ou a propriedade de se elevar. Dessa maneira, as ideias das crianças se desenvolvem como resultado da experiência e da socialização, transformando-se em visões do senso comum. O reconhecimento de esquemas conceituais espontâneos nos alunos adquire importância para a prática educativa do professor, de modo que ele reconheça também a necessidade de mudar de cultura experimental, para que possa trabalhar desfazendo ou minimizando os obstáculos epistemológicos acumulados pela vida cotidiana dos alunos.

A partir de importantes referenciais teóricos para o ensino e aprendizagem de Ciências considerando as ideias de Piaget para responder como a pessoa constrói o conhecimento científico, Carvalho (2011) propõe o ensino de Ciências por meio de Sequências de Ensino por Investigação (SEI) caracterizadas por quatro momentos, apresentados a seguir.

1ª. Etapa: Distribuição do material experimental e proposição do problema pelo professor. Nesta etapa, o professor organiza a classe em pequenos grupos e distribui o material, para, em seguida, propor o problema. Além disso, o professor confere se os alunos entenderam o problema a ser resolvido.

18 DRIVER, Rosalind; BELL, Beverly. Students' Thinking and the Learning of Science: A Constructivist View. School

2ª. Etapa: Resolução do problema pelos alunos. É importante nesta etapa, privilegiar as ações manipulativas para que os alunos possam levantar hipóteses e os testes dessas hipóteses. A resolução do problema deve ser feita em pequenos grupos, favorecendo as discussões realizadas pelos alunos que possuem desenvolvimentos intelectuais semelhantes. É importante valorizar o erro, para que os alunos tomem consciência de que algumas hipóteses não se confirmam.

3ª. Etapa: Sistematização dos conhecimentos elaborados nos grupos.

Nesta etapa, o professor recolhe o material utilizado logo após a resolução do problema pelos alunos para que, em seguida, todos os alunos, organizados em um grande círculo, possam por meio de perguntas realizadas pelo professor sistematizar coletivamente o conhecimento. “Ao ouvir o outro, ao responder à professora, o aluno não só relembra o que fez, como também colabora na construção do conhecimento que está sendo sistematizado” (CARVALHO, 2011, p. 261).

O professor então busca a participação efetiva dos alunos, novamente, orientando-os a tomar consciência de suas ações, favorecendo assim a passagem da ação manipulativa à ação intelectual. A ação intelectual leva ao início do desenvolvimento de atitudes científicas como o levantamento de dados e a construção de evidências.

Ao término do relato das ações realizadas pelos alunos, o professor encaminhará nova discussão para que os mesmos busquem uma explicação causal, desenvolvendo assim uma argumentação científica. Como demonstra Lemke (2006), é o início do aprender a falar ciência.

4ª. Etapa: Escrever e desenhar.

É a etapa da sistematização individual do conhecimento, quando o professor solicita que os alunos escrevam e desenhem sobre o que aprenderam naquela aula (CARVALHO et al., 2013; CARVALHO, 2011).

Para direcionar e orientar a atuação do professor e o desenvolvimento das interações dialógicas no ambiente escolar, Carvalho (2011) em sua proposta de ensino e aprendizagem de Ciências aponta oito aspectos importantes para o planejamento e a organização das Sequências de Ensino por Investigação (SEI), que são fundamentados em teorias sócio-interacionistas, tais como a de Vigotsky19 (1984 apud CARVALHO, 2011, p. 257), de Wertsch20 (1985 apud

19 VIGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

20 WERTSCH, James V. (ed.). Culture communication and cognition: vygotskian perspectives. Cambridge: Cambridge

CARVALHO, 2011, p. 257) e a de Coll et al.21 (1992 apud CARVALHO, 2011, p. 257). Esses oito aspectos são apresentados a seguir.

(i) A participação ativa do estudante: é a base de todas as teorias construtivistas

que fundamentam as SEIs. A pessoa, ou seja, o aluno, é o construtor de seu próprio conhecimento.

(ii) A importância da interação aluno-aluno: em uma proposta de ensino sócio- interacionista, as interações aluno-aluno são significativas nos pequenos grupos. A comunicação é facilitada pela interação entre pares, com um desenvolvimento real e linguístico semelhante, os alunos refletem, levantam e testam suas hipóteses. (iii) O papel do professor como elaborador de questões: um dos principais papéis do professor: construir conjuntamente com a turma os conceitos científicos, fazendo com que os alunos participem efetivamente na construção do conhecimento. Precisa dar sentido as diversas explicações dos alunos sobre a resolução do problema estudado. Para isso, ele precisa elaborar questões que orientem o raciocínio dos alunos. Questões sobre o que fizeram e como fizeram para a tomada de consciência das ações realizadas para a resolução do problema, bem como estabelecer relações entre as variáveis. Questões sobre o porquê científico para orientar os alunos a buscarem as explicações. Assim, por meio das questões, o professor promoverá oportunidades de maior participação dos alunos e incentivará a argumentação pelos mesmos, incrementando assim o raciocínio e a compreensão dos fenômenos em estudo.

(iv) A criação de um ambiente encorajador: o professor precisa ter em mente o oferecimento de um ambiente estimulante, seguro, agradável, que favoreça a participação ativa do aluno, as interações dialógicas com seus pares e com o próprio professor nas diferentes oportunidades de discussão e expressão de ideias e sentimentos. Esse ambiente pode ser facilmente construído ou destruído por pequenas ações. Quando o professor, por exemplo, aceita as ideias dos alunos, independente se estão certas ou erradas, procurando entender o raciocínio utilizado naquela conclusão. Ou, quando ignora a opinião do aluno, ou mesmo, diz “não, você está errado”, poderá provocar dificuldades de uma nova participação pelo aluno.

(v) O ensino a partir do conhecimento que o aluno traz para a sala de aula: este é um ponto fundamental em uma proposta de ensino de Ciências com princípios construtivistas. O professor precisa conhecer as concepções espontâneas que os alunos possuem, adquiridas ao longo de suas vidas e fazê-los tomar consciência destas concepções. No contexto do estudo a ser realizado estas concepções poderão ser tratadas como hipóteses.

(vi) O conteúdo (o problema) tem que ser significativo para o aluno: a questão precisa ser motivadora. O professor precisa saber problematizar de forma a oferecer aos alunos problemas diferentes daqueles que os alunos estão acostumados a elaborar, proporcionando assim oportunidades para que novos conhecimentos sejam elaborados. A construção de um novo olhar pelos alunos, por meio da aprendizagem de novos conteúdos (Capecchi, 2013).

(vii) A relação ciência, tecnologia e sociedade: a alfabetização científica tem como um dos objetivos a introdução do aluno na cultura científica, o que implica estabelecer as relações CTS nas sequências de ensino por investigação (SEI).

(viii) A passagem da linguagem cotidiana para a linguagem científica: a partir de um ensino interdisciplinar, o professor precisa saber orientar os alunos para que saibam utilizar a linguagem científica. Para fazer ciência, para falar, ler e escrever ciência é necessário que o professor saiba articular as diferentes linguagens científicas com o discurso verbal, fazendo uso de representações gráficas e expressões matemáticas por exemplo. Assim como, incentivar a argumentação e incrementar o raciocínio durante as atividades de sistematização do conhecimento.

Concordamos ainda com Lemke22 (1997, apud Carvalho 2011, p. 260) quando argumenta:

21 COLL, César; COLOMINA, Rosa; ONRUBIA, Javier; ROCHERA, Maria José. Actividad conjunta y habla; una

aproximación a los mecanismos de influencia educativa. Infancia y aprendizaje, p. 189-232, 1992.

ao ensinar ciência não queremos que os alunos simplesmente repitam as palavras como papagaios. Queremos que sejam capazes de construir significados essenciais com suas próprias palavras... mas estas devem expressar os mesmos significados essenciais que hão de ser cientificamente aceitáveis.

Relevantes propostas para o ensino de Ciências são apresentadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais para as Ciências Naturais, dentre elas o ensino por investigação (BRASIL, 1997a, p. 29):

são procedimentos fundamentais aqueles que permitem a investigação, a comunicação e o debate de fatos e idéias. A observação, a experimentação, a comparação, o estabelecimento de relações entre fatos ou fenômenos e idéias, a leitura e a escrita de textos informativos, a organização de informações por meio de desenhos, tabelas, gráficos, esquemas e textos, a proposição de suposições, o confronto entre suposições e entre elas e os dados obtidos por investigação, a proposição e a solução de problemas, são diferentes procedimentos que possibilitam a aprendizagem.

Nesse sentido, Gil-Pérez et al. (1999, p. 317, tradução nossa, grifo do autor) também propuseram que para o ensino de Ciências as situações problemáticas abertas são o ponto inicial para a construção do conhecimento, como evidenciam:

A aprendizagem de Ciências é concebida assim não como uma simples mudança conceitual, e sim como uma mudança conceitual, metodológica e atitudinal... uma completa integração da “teoria”, das “práticas” e dos “problemas”, um processo único de construção de conhecimentos científicos.

O desenvolvimento de sequências de ensino por investigação (SEI) poderá então favorecer a ocorrência de diversas interações entre as ideias espontâneas ou alternativas pré- existentes e o conhecimento científico, bem como promover conflitos cognitivos entre as diferentes ideias e, ainda favorece uma possível evolução conceitual, metodológica e atitudinal, quando os alunos são solicitados a participar ativamente para resolver a situação-problema apresentada. E a elaboração do relato, feito pelos alunos e apresentado aos colegas e ao professor, para contar como o problema foi resolvido, favorece uma reconstrução das ações realizadas e o estabelecimento de relações entre as suas ações e os fatos, reações dos objetos, bem como possibilita o processo da conceituação. E, ainda, possibilita o incremento de procedimentos de raciocínio e habilidades dos alunos para compreenderem os temas propostos, através de oportunidades de conversação e de argumentação (CARVALHO et al., 1998; CARVALHO, 2011; CARVALHO et al., 2013).

O desenvolvimento da educação em Ciências tal como já apontamos implica profundas mudanças na atuação docente. Concordamos com as ideias de Martins et al.23 (2007, apud

TORRES, 2012, p. 34-35) ao apresentarem uma síntese das implicações para a atuação de um professor que se oriente pelos princípios sócio-construtivistas da aprendizagem:

23 MARTINS, Isabel P.; VEIGA, Maria Luísa; TEIXEIRA, Filomena; TENREIRO-VIEIRA, Celina, VIEIRA, Rui Marques;

Rodrigues, Ana V; COUCEIRO, Fernanda. Educação em Ciências e Ensino Experimental - Formação de Professores, 2. ed. Lisboa: Ministério da Educação - Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, 2007.

- Procurar identificar e utilizar as ideias dos alunos acerca dos temas constantes no Currículo e nos programas;

- Aceitar e incentivar a expressão de ideias e de dúvidas por parte dos alunos; - Incentivar a colaboração entre os alunos;

- Encorajar a partilha de ideias e a discussão, bem como a realização de trabalho em grupo;

- Encorajar a utilização de fontes diversificadas de informação; - Orientar os alunos na pesquisa de informação de forma eficaz; - Incentivar os alunos a testar as suas ideias;

- Orientar os alunos na realização de processos elementares de investigação/ pesquisa; - Encorajar a auto-análise, a reflexão e a procura dos outros para a resolução dos seus próprios problemas;

- Encarar as ideias que se têm como hipóteses de trabalho que é preciso testar, procurando hipóteses alternativas.