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Capítulo 2: Fundamentação Teórica

2.7 Habilidades Docentes para o desenvolvimento da Alfabetização Científica

Há um importante propósito para o Ensino de Ciências para a Educação Básica em nosso país, a partir das novas diretrizes curriculares nacionais. Um ensino que ofereça condições para o desenvolvimento da Alfabetização Científica, com vistas à formação de cidadãos conscientes, responsáveis e críticos, que saibam posicionar-se diante das situações cotidianas que envolvam questões sócio-científicas. Para alcançar esse objetivo, é necessário que o ensino de Ciências seja por investigação, proporcionando assim vivências diversas para promover a aprendizagem e o desenvolvimento dos estudantes, os quais devem também discutir e entender as relações Ciência/Tecnologia/Sociedade, para que possam julgar e tomar decisões sobre as diferentes

inovações tecno-científicas. Diante desse contexto, qual a atuação do professor em sala de aula para a implementação de uma proposta didática inovadora que propicie o desenvolvimento da Alfabetização Científica (AC)?

Buscando responder a esta questão encontramos o trabalho intitulado “Habilidades de Professores para promover a Enculturação Científica” da profa. Anna Maria Pessoa de Carvalho (2007), o qual propõe diferentes habilidades docentes para que o professor esteja qualificado para atuar em sala de aula e desenvolver a Alfabetização Científica, pois é ele, o professor, o responsável pela criação de um ambiente favorável e encorajador para a efetiva participação dos alunos dentro dessa nova abordagem de ensino.

Dessa maneira, apresentaremos as novas habilidades de ensino necessárias para o professor promover a AC em sala de aula.

Habilidade de Provocar a Argumentação em Sala de Aula

É importante que a habilidade de desenvolver a argumentação seja trabalhada pelo professor nas aulas de Ciências, pois levar os alunos a desenvolver o processo argumentativo é favorecer a exposição de suas ideias de maneira que os estudantes construam as explicações dos fenômenos e desenvolvam o pensamento racional.

De acordo com Carvalho (2007, p. 31) desenvolver o processo argumentativo com os alunos não é uma tarefa fácil e requer do professor muita habilidade.

É importante o professor ter presente que, embora uma condição mais favorável para a argumentação seja o dissenso, que encontramos nas atividades nas quais o conflito entre idéias aparece, no caso em que se trabalha com a argumentação dos alunos para construir explicações nas aulas de Física uma síntese ou um consenso da turma é necessário. Para que este objetivo seja alcançado é necessário que o professor, por meio de pequenas questões, leve os alunos a: ponderar sobre o poder explicativo de cada afirmação, reconhecer afirmações contraditórias, identificar evidências e integrar diferentes afirmações mediante a ponderação de tais evidências.

Dessa maneira, o professor deve criar um ambiente encorajador, no sentido de que os alunos tenham segurança e envolvimento com as atividades científicas e possam expor suas ideias em sala de aula. É importante que o professor favoreça a interação entre os alunos e ele próprio, para que os estudantes tomem consciência de suas próprias ideias e tenham também a oportunidade de ensaiar o uso de uma linguagem adequada ao tratamento científico da natureza. Candela27 (1997, 1999 apud CARVALHO, 2007) aponta que os alunos vão se apropriando de novas formas de se expressar à medida que práticas discursivas são incentivadas nas aulas de Ciências.

27 CANDELA, Antonia. Ciencia en el aula: los alumnos entre la argumentación y el consenso. México: Paidós, 1999.

CANDELA, Antonia. El discurso argumentativo de la ciencia en el aula. Encontro sobre teoria e pesquisa em ensino de

Habilidade de transformar a Linguagem Cotidiana em Linguagem Científica

É necessário que o professor dedique uma atenção especial às linguagens empregadas pelos alunos durante as discussões realizadas em sala de aula. Tal como já apontamos anteriormente, consideramos importante e queremos que nossos alunos “sejam capazes de construir significados com suas próprias palavras, mas estas devem expressar os mesmos significados essenciais se hão de ser cientificamente aceitáveis”, tal como Lemke28 (1997 apud

CARVALHO, 2007) propõe.

Carvalho (2007) considera que esta habilidade requer muito cuidado por parte do professor, pois a passagem da linguagem cotidiana para a linguagem científica precisa ser feita com naturalidade, para que os alunos não se sintam oprimidos e não queiram mais participar das discussões.

Grandy e Duschl29 (2007 apud CARVALHO, 2007) apresentam em seu estudo que os estudantes nos primeiros anos escolares fazem questões, mas estas questões não são necessariamente científicas e o que se observou em muitos ambientes de sala de aula é que em vez de os alunos aprenderem a fazer questões científicas eles simplesmente param de questionar.

Habilidade de introduzir os alunos nas Linguagens da Matemática – tabelas, gráficos e equações.

De acordo com Carvalho (2007, p. 39) para discutirmos as habilidades de introduzir os alunos nos diferentes aspectos das linguagens matemáticas,

temos de analisar duas classes de conceitos que aprimoram as linguagens científicas e são de grande importância para entendermos as habilidades de comunicação no ensino: a especialização/cooperação dos diferentes modos de comunicação para a construção de significados (Kress et al., 2001; Márquez et al., 2003) e os aspectos tipológicos/topológicos da linguagem matemática (Lemke, 1998), pois apenas as linguagens oral e escrita não são suficientes para comunicar os resultados científicos.

Carvalho (2007, p. 39-40) acrescenta que uma importante habilidade de comunicação para o ensino das Ciências é que as linguagens empregadas pelo professor possam:

• Cooperar: quando duas ou mais linguagens atribuem um mesmo significado para um conceito ou fenômeno, realizando funções semelhantes. Por exemplo, ao dizer que a temperatura de um gráfico aumentou linearmente, o professor pode usar, ao mesmo tempo, um gesto que represente a curva do gráfico, ou apontar diretamente o local de aumento. Logo, fala, gesto e curva são empregados de forma cooperativa para expressar a mesma idéia;

• Especializar: quando duas ou mais linguagens atribuem um significado para um conceito ou fenômeno, realizando funções distintas. Por exemplo, quando o professor explica a variação de uma entidade em um gráfico, pode empregar a fala para apontar um aumento ou um decréscimo, enquanto a curva pode mostrar como se deu a

28 LEMKE, Jay L. Aprender a hablar ciencia: lenguaje, aprendizaje y valores. Espanha: Editora Paidós, 1997.

29 GRANDY, Richard; DUSCHL, Richard A. Reconsidering the Character and Role of Inquiry in School Science: Analysis

variação – linear, exponencial, logarítmica etc. Assim, essas duas linguagens são usadas de forma especializada para a construção do significado.

Diante do exposto, para introduzir os alunos no mundo das Ciências é necessário que o professor integre discurso verbal, expressões matemáticas, representações gráficas e visuais, e ao longo desse processo de ensino vai desenvolvendo um ambiente tal que o aluno, aos poucos, vai também construindo os seus significados com as diferentes linguagens.

Um aspecto muito importante dentro desse contexto é justamente a compreensão dos alunos sobre as vantagens e limitações das diversas linguagens para a produção de significados dentro da cultura científica. É o que faz a diferença no aprendizado dos alunos.

Desse modo, de acordo com Carvalho (2007, p. 46) é necessário que os professores “não só dominem as linguagens específicas das Ciências como tenham a habilidade de sustentar uma discussão dando condições para os alunos argumentarem, além de atenção e habilidade comunicativa para transformar a linguagem cotidiana trazida pelos alunos em linguagem científica”.

Nesse sentido, as interações dialógicas desenvolvidas pelo professor com vistas a sustentar uma discussão e promover a argumentação pelos alunos, são fundamentais tanto para a formação de novos conceitos quanto para o desenvolvimento de habilidades cognitivas complexas e para o desenvolvimento da alfabetização científica (AC). E, de acordo com Souza e Marcondes (2013), as interações professor-aluno ou aluno-aluno têm sido analisadas em três dimensões diferentes: a verbal, a cognitiva e a social. A primeira está relacionada ao caráter, propósitos e estratégias comunicativas do discurso em sala de aula; a segunda está relacionada às estratégias cognitivas pelas quais o conhecimento é elaborado de maneira individual ou coletiva durante a realização das atividades; e a terceira, se refere às relações interpessoais estabelecidas em sala de aula. Ainda, de acordo com estes autores, as interações cognitivas possuem diferentes níveis de complexidade, exigindo um maior ou menor grau de abstração ou das relações conceituais ou lógico-matemáticas. A demanda intelectual exigida, tanto para o professor quanto para o aluno, terá um maior ou menor grau de elaboração, durante a explicação de um determinado conceito pelo professor. Esse processo mobiliza funções mentais de complexidade variável. A memorização de um conceito por um estudante e a evocação dessa memória constituem exemplos de atividades mentais de baixo nível de elaboração.

Souza e Marcondes (2013, p. 100-101) propuseram duas dimensões para os discursos desenvolvidos em sala de aula durante as interações dialógicas desenvolvidas, que evidenciam os processos mentais utilizados. As dimensões são: a verbal, que aborda o “que é expresso oralmente ou de forma escrita nas interações entre professores e alunos”. São analisados os

tipos de questões preparadas e os tipos de respostas dadas nesta dimensão, ou seja, “o olhar é posto mais sobre a forma do que é falado do que sobre as intenções, conteúdo ou significado”. Já, para a dimensão cognitiva, são analisados os processos mentais que estão implícitos nas falas das pessoas; buscam-se os propósitos, os conteúdos e os significados daquilo que é expresso oralmente. Conforme Souza e Marcondes (2013, p. 101),

a análise das interações dialógicas na dimensão cognitiva complementa e aprofunda a reflexão sobre as falas dos sujeitos. Falas que, quanto à forma, são iguais [...] podem ser extremamente diferentes quanto aos processos mentais que desencadeiam no questionado quando ele mobiliza seus conhecimentos e habilidades cognitivas na busca de uma resposta.

No sentido de promover a valorização de determinados conhecimentos produzidos pela área de Didática das Ciências, Más e Gómez (2009) respondem a uma questão importante para todos nós que trabalhamos com o ensino de Ciências e com a formação de professores: “Como planejar uma sequência de ensino de Ciências com uma orientação sócio-construtivista?”. Assim, estes autores apresentam uma síntese das principais competências necessárias ao professor para que possam desempenhar bem as aulas de Ciências, que serão apresentadas a seguir (MÁS, GÓMEZ, 2009, p. 247, tradução nossa).

(i) Conhecer em profundidade a história e a epistemologia das teorias e conceitos que irá ensinar. Neste sentido, o professor deve conhecer os principais problemas

históricos que se apresentaram na construção dos conhecimentos científicos. Este conhecimento dos problemas pode orientar o professor acerca das possíveis sequências de conteúdos curriculares que podem facilitar a aprendizagem dos alunos, bem como sobre os obstáculos epistemológicos que podem ser encontrados pelos estudantes.

(ii) Saber sequenciar os objetivos e os conteúdos do currículo segundo um fio condutor. Será fundamental saber realizar uma transposição didática do conteúdo

científico atual ao conteúdo científico a ser ensinado considerando a psicologia do aluno, bem como saber planejar uma estrutura problematizada que oriente o desenvolvimento do conteúdo da unidade didática ou do currículo.

(iii) Considerar os interesses, ideias e argumentações dos estudantes no domínio do ensino a ser desenvolvido, assim como suas dificuldades e obstáculos. O professor

deve estar atento às concepções alternativas, aos raciocínios de senso comum, como por exemplo, a confusão entre evidência e interpretação da evidência, inversão causa- efeito.

(iv) Aplicar estratégias de ensino que podem ajudar de maneira eficaz o processo de aprendizagem. O professor deverá tomar decisões sobre o modelo de ensino que

facilitará a aprendizagem. O ensino de Ciências por investigação poderá ser utilizado, proporcionando assim aos alunos atividades semelhantes àquelas utilizadas pelos cientistas. Planejar situações problemáticas abertas, contemplando interesses individuais e coletivos; analisar qualitativamente estas situações problemáticas ambíguas até alcançar um problema mais específico, emitir hipóteses fundamentadas que orientem para uma solução do problema planejado, elaborar estratégias de resolução do problema baseando-se no corpo teórico conhecido e/ou planejar experimentos que questionem aquelas hipóteses, obter e analisar os resultados experimentais obtidos, elaborar conclusões da investigação realizada, assim como aplicar os conhecimentos aprendidos para solucionar problemas cotidianos e elaborar novos problemas como futuras perspectivas de trabalho.

(v) Saber preparar materiais adequados para a implementação da sequência de ensino planejada. No caso de uma atividade de investigação orientada com princípios

sócio-construtivistas, o professor deve elaborar programas de atividades que vai propondo aos alunos, organizados em pequenos grupos.

(vi) Saber administrar a implementação da sequência de ensino planejada. Será

fundamental para a aprendizagem o professor saber criar um clima agradável, no qual os alunos trabalhem cooperativamente com satisfação e eficácia.

(vii) O professor precisa saber avaliar continuamente o processo de ensino- aprendizagem. O professor precisa verificar continuamente se está alcançando os

objetivos traçados, valorizando tanto a aprendizagem como a mediação realizada, bem como o desenvolvimento do currículo vivenciado em sala de aula.

Por outro lado, sabemos que o mundo escolar dos professores da Educação Básica e o mundo dos professores do Ensino Superior, pesquisadores da área de Didática das Ciências, estão distantes, muitas vezes completamente desconectados. E, quando da implementação de inovadoras propostas curriculares para a Educação Básica, que são geralmente elaboradas pelos professores pesquisadores, surgem os obstáculos. Para Más e Gómez (2009), esses obstáculos são causados pela falta de conexão teoria-prática. A existência dessa lacuna já foi identificada há mais de vinte anos por Blackburn e Moissan30 (1986 apud MÁS; GÓMEZ, 2009, p. 246), quando realizaram uma pesquisa sobre a formação inicial de professores para a Educação Básica em doze países da Comunidade Europeia. Sabemos também que, não basta fornecer aos professores novos materiais didáticos prontos para serem utilizados em sala de aula. É necessário fazer com que os professores participem da elaboração desses materiais, bem como participem de formações continuadas que ofereçam oportunidades para reflexões mais amplas a respeito do processo de ensino e aprendizagem de Ciências, com vistas ao desenvolvimento profissional (GALVÃO et al., 2011).

As investigações têm mostrado a pequena efetividade de transmitir aos professores as propostas dos especialistas para a sua implementação em sala de aula. Tal como Briscoe31 (1991 apud GIL-PÉREZ; VILCHES PEÑA, 2001, p. 35) já apontou, é necessário que os professores participem na construção dos novos conhecimentos didáticos, abordando os problemas que o ensino oferece. Para Gil-Pérez e Vilchez Peña (2001), a estratégia mais apropriada para que os professores de todos os níveis se apropriem dos novos conhecimentos produzidos pelas investigações realizadas da área de Didática das Ciências e possam assumir as novas propostas curriculares originadas nessas pesquisas, consiste em envolver-se com tarefas de inovação e investigação em torno dos problemas de ensino e aprendizagem de Ciências vivenciadas em atividades docentes. Para esses autores, é necessário que os professores participem da reconstrução e apropriação dos conhecimentos didáticos contando com a ajuda necessária.

30 BLACKBURN, V.; MOISSAN, C. The in-service training of teachers in the twelve Member States of the European

Community. Maastricht: Presses Interuniversitaires Européennes, 1986.

31 BRISCOE, Carol. The dynamic interactions among beliefs, role metaphors, and teaching practices: A case study of teacher

Afirmam ainda que, só assim as investigações passarão a ser devidamente valorizadas e poderão exercer uma influência real nas aulas, contribuindo assim para a superação de bloqueios/obstáculos.