• Nenhum resultado encontrado

Ensino de Filosofia remoto: desafios da formação cidadã em tempos de

4 PENSANDO A RELAÇÃO ENSINO DA FILOSOFIA E CIDADANIA NA

4.1 Ensino de Filosofia remoto: desafios da formação cidadã em tempos de

No mundo, a crise gerada pela pandemia do novo coronavírus, com auge em 2020, adquiriu proporções que até alguns pessimistas duvidariam. Casos crescentes de infectados, grande quantidade de mortes, falta de leitos para o tratamento da doença devido ao grande número simultâneo de doentes nos hospitais, exacerbação das desigualdades no acesso aos serviços de saúde. Todas as áreas foram acometidas por tamanha crise, na saúde, na economia, na política e, notadamente, na educação.

Vários locais, dentre eles as escolas, se viram obrigados a interromperem suas atividades na tentativa de que o isolamento social fosse de alguma forma a maneira mais eficaz de diminuir a curva de contágio da doença até que uma vacina fosse desenvolvida. A partir disso, os sistemas de ensino de todo o mundo buscaram novas alternativas emergenciais para dar continuidade ao ensino-aprendizagem, lançando mão de soluções em tecnologias digitais, o ensino remoto.

Surgiram várias discussões acerca do alcance desse tipo de ensino aqui no Brasil, visto a realidade de vários alunos, em especial da rede pública, em não possuírem Internet ou ainda quando possuem é de má qualidade, a falta de aparelhos adequados ao acesso das plataformas disponibilizadas, aliado ao sentimento de dúvida e desconfiança se tal sistema seria contado como horas-atividade válidas. Vários questionamentos surgiram e ainda surgem diante das incertezas quanto ao retorno às aulas presenciais.

Diante desse cenário, enquanto professor e pesquisador, uma inquietação se instaurou. Em vias de escrita do trabalho da dissertação do mestrado profissional em Filosofia (PROF-FILO) e posterior estudo e aplicação de metodologia de oficinas, aliando o ensino de

Filosofia e suas contribuições em vista de uma formação dos jovens para uma cidadania da práxis, como pensar na aplicação de uma metodologia de pesquisa nesse contexto? Que ferramenta digital usaria para aplicar e obter os dados empíricos da pesquisa? Seria ainda possível pensar nessa construção dessa cidadania no âmbito virtual? É possível pensar numa “práxis cidadã virtual” em tempos de pandemia?

De imediato não tivemos uma resposta definitiva, mas Nosella (2002) em seu artigo intitulado A Educação do século XXI: Integrar trabalho e tempo livre nos ofereceu algumas pistas:

Primeiramente, a escola do século XXI precisa ensinar a seus alunos que as distinções e os sentidos do trabalho mudam ao longo da história. Em outras palavras, assim como a escola tradicional do século XVIII, XIX e XX alfabetizou ex-escravos, qualificando- os para a cidadania industrial, a escola do século XXI precisa preparar ex- trabalhadores industriais para a nova cidadania virtual, de forma que, futuramente, algum pensador não tenha que censurar nossas escolas, capazes no passado de preparar o homem da sociedade do trabalho, mas incapazes hoje de educá-lo para a sociedade do tempo livre. (NOSELLA, 2002, p. 107, grifo nosso)

Nesse viés, Nosella (2002) faz uma clara alusão àquele tipo de escola que esteja atenta as demandas da realidade da sociedade atual e, ainda, sua importância na formação da totalidade, ou seja, uma educação que tenha a técnica, a criatividade, a contemplação, a disciplina, a cultura, a própria filosofia, dentre vários outros, como saberes necessários e que devam todos estar em cena, incluindo todas as pessoas nessa formação. Em se tratando de século XXI, cabe salientar um determinante problemático, a explosão técnica nunca vista anteriormente. A consciência humana se vê incapaz de acompanhar a velocidade de informações e imagens que chegam a todo momento, tudo está fragmentado, banalizado e, quando o ser humano tenta voltar para si e buscar saídas não consegue devido a dominação, ao autoritarismo, ao mundo fragmentado que encobre a realidade tal como ela é escancarando assim as limitações humanas.

Na tentativa de elucidações rápidas e na urgência de adequação metodológica para viabilização do trabalho dissertativo, sentimos a necessidade de adaptar e pesquisar ferramentas digitais que pudessem suprir essa necessidade de atender da melhor forma o nosso objeto de pesquisa e assim proporcionar aos jovens estudantes esta formação proposta.

De imediato foi sabido que não se poderia desistir do envolvimento com os alunos. Assim, a escolha da pesquisa-ação como meio de obtenção do conhecimento seria primordial para o nosso trabalho. Acreditamos que o envolvimento do pesquisador/pesquisado, professor/estudantes, o vínculo criado, proporciona uma maior efetividade e resultados mais eficazes na promoção de uma articulação entre teoria e prática ligada ao diálogo em sua

dimensão ação/reflexão mais efetiva na produção de novos saberes. Acerca dessa metodologia prática, no âmbito educacional, Stephen Corey na década de 50 buscou congregar a prática educativa aos resultados obtidos pela pesquisa. Segundo Corey (1979, p. 298), “ouvir dizer o que devemos fazer é muito diferente de descobrir pessoalmente o que devemos fazer”. Percebe- se a importância de estabelecer essa relação do “fazer junto”, exercendo aqui uma função política, onde por meio da horizontalidade das interações sejam discutidas e problematizadas questões que mobilizem os sujeitos envolvidos a encontrarem possíveis soluções e respostas aos problemas, promovendo a transformação.

Se o cerne do trabalho propõe uma transformação, acreditamos que a atual crise, em vários âmbitos, é um momento oportuno para aplicação de uma metodologia digital por meio da filosofia que propusesse, apesar de não ideal, a autonomia, a independência, a interação e o debate sobre a cidadania e sua consequente prática.

Elegemos como proposta pedagógica oficinas de filosofia a serem aplicadas e organizadas com características e ferramentas virtuais, mas preservando a experiência presencial. Se isso é possível? Acreditamos que sim, na medida em que mesmo que ainda muitos sejam impedidos do acesso nesse ambiente online, os que podem, possam entender-se enquanto sujeitos culturais, políticos, históricos, de direito e deveres. Ressaltamos que a democratização da tecnologia, da informação e sua socialização são essenciais na garantia do exercício pleno da cidadania. Sobre isso, Bezzon (2004, p. 18) afirma que “[...] o acesso e o direito à informação tornam-se requisitos básicos para a efetivação da cidadania, pois só a socialização da informação poderá fornecer aos membros da sociedade civil a cidadania integral”.

Mas não basta apenas saber, é preciso fazer! E nesse contexto levar os conceitos filosóficos aos jovens estudantes de escolas públicas e de periferia, estimulando uma práxis

virtual, ainda que com todas as dificuldades e limitações, parece-nos uma forma adequada

minimizar os impactos da pandemia no que toca a educação.

Tal processo será composto por reflexões teórico filosóficas e o desenvolvimento de atividades práticas de intervenção no meio virtual, no qual os estudantes consigam por meio da reflexão filosófica, usar as ferramentas digitais disponíveis na rede a fim de serem propagadores de conhecimento e se coloquem enquanto cidadãos partícipes, garnidos de um “perfil” que promova cidadania também nesse ambiente. Defender causas que promovam impacto social, criar projetos e ações solidárias de modo colaborativo, difundir os princípios democráticos nas redes sociais, além de possibilitar o potencial de aprendizagem ativa constante são algumas possibilidades da práxis virtual.

Com o advento da Internet e das redes sociais, a citar, Twitter, observou-se e ainda se vê uma onda cada vez mais crescente no uso dessas tecnologias para difusão de opiniões, debates, mobilizações e deliberações sobre os mais diferentes assuntos e temas. A Internet mudou o jeito como nos relacionamos e, consequentemente, como entendemos a realidade. Somos seres digitais, cidadãos tecnológicos. É claro que essa afirmação não nega a realidade e sabemos que muitos ainda estão à margem dessa realidade virtual. Mas o fato é que se de um lado vivemos um crescimento exponencial das tecnologias, de outro a consequência dessa rápida evolução é a deficiência em uma formação que vise a cidadania, entendida em todas as suas dimensões, bem como é preocupante a não compreensão das possibilidades de exercício crítico e político.

Buscamos em Pierry Levy (1993) compreender como as informações adquiridas pelas novas tecnologias podem tornar-se de fato conhecimento e, por conseguinte, uma prática, bem como entender o papel do professor de filosofia que hoje, mais do que nunca, tem importância significativa nesse processo. Entendemos que existe uma imperativa necessidade de construir uma nova visão de mundo por meios dessas ferramentas, oportunizando em meio a pandemia aos estudantes um momento de formação em vista da emancipação.

Assim, a educação não pode ser aquela que tem como mote a reprodução, adaptação ou ainda limitar as individualidades das pessoas, pelo contrário, deve estimular e fortalecer cada vez mais a autonomia, a crítica permanente, a emancipação e a resistência a todo tipo de opressão. Na fala de Adorno, esse tipo de educação é “dirigida a uma auto-reflexão crítica” (ADORNO, 1995, p. 121).

Essa experiência defendida em vista da emancipação visa estimular a formação do sujeito autônomo, da consciência crítica, do pensar como embate entre realidade e conceito, o fortalecimento da capacidade de resistir a todas as formas de dominação, desigualdades, injustiças e da não conformação do absoluto, mas a promoção do processo contínuo de (re)avaliação da verdade. A educação configura-se, portanto, como a promotora desse tipo formação, sendo a escola o espaço por excelência de resistência contra a opressão e visão unilateral da formação das pessoas, onde a experiência formativa possibilite a emancipação humana concretizada na práxis cidadã que vise a transformação.

Sobre isso, Nascimento (2018), ao falar da perspectiva adorniana, entende o pensar enquanto experiência intelectual do sujeito singular que é análogo à educação para a emancipação, efetivado pela experiência formativa dos indivíduos. E é justamente nesse sentido que se propõe as oficinas, pensar a cidadania no presente momento.

Esse pensamento pressupõe usos e aplicações digitais, todos somos afetados pela tecnologia, à medida em que ela muda o jeito como nos comunicamos, agimos, nos relacionamos, além de transformar a nossa relação com a realidade e com a informação. De acordo com Aspis (2004), as aulas de filosofia se constituem como um momento para o pensar, o estudo e a construção filosófica. Essa relação adquirida de modo didático ultrapassa o ambiente da sala de aula e da escola. Por meio das tecnologias digitais é totalmente possível também aprender por meio da filosofia formar estudantes em vista de uma compreensão mais ampla, aprofundada e menos fragmentada da realidade. A questão agora é pensar nas possibilidades de formação cidadã e seu exercício no ambiente digital.