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1 ONDE TUDO COMEÇA

1) biologia educacional; 2) sociologia educacional; 3) psicologia educacional; 4) história da educação; 5) introdução ao ensino,

4.3 Ensino de línguas na perspectiva intercultural.

O ensino de LE tem sido é caracterizado pela criação de métodos que sempre buscaram a “melhor” forma do ensino/aprendizagem de línguas. No passado, por exemplo, a língua-cultura do aluno era o ponto de apoio ou de partida para conseguir aprender uma LE, como no caso do conhecido método da gramática e tradução, que propunha um ensino voltado para a memorização de palavras e para a tradução de textos como uma simples troca de palavras ou correspondências. Ou no caso do método áudio-lingual que indicava que o ensino/aprendizagem de línguas deveria enfatizar a pronúncia dos falantes nativos,

suscitando, desse modo, a equivocada ideia de que um bom falante de língua estrangeira é aquele que pronuncia as palavras tal como um “nativo”.

O fato é que na história do ensino de línguas, sempre existiu a crença114 de que há um método que será a solução para todos os problemas. Um método capaz de fornecer todos os subsídios necessários para deslanchar a aprendizagem. Entretanto, como professores de línguas, temos que fazer as nossas escolhas. Isto é, podemos seguir ensinando, colocando a velha ênfase em fenômenos linguísticos, na estrutura da língua e preocupando-nos com a tal pronúncia “correta” ou “perfeita”. A outra alternativa é atuarmos em consonância com perspectivas que concebam o ensino, em qualquer âmbito, principalmente o de línguas, como uma tarefa política que reflete o contexto sócio-econômico-cultural onde todos os participantes do processo educativo estão situados.

Assim, existe atualmente um pensamento consensual (PARAQUETT, 2007, CELANI, 2005, SERRANI, 2005; MENDES, 2004, MOTA, 2006, SIQUEIRA, 2008, SCHEYERL , 2009, PESSOA, 2011 e LANDULFO, 2012) de que ensinar/aprender uma língua, seja materna, LE ou L2, não pode e não deve limitar-se somente ao aprendizado do seu sistema linguístico, mas antes precisa ser visto como uma oportunidade de conhecer diferentes cosmovisões e de refletir sobre elas. Logo, diante da ordem social repleta de contrastes, é também consenso que a formação cidadã do aprendiz deve ser um dos propósitos do atual ensino de línguas. Afinal, esse não pode ficar imune ao seu papel social. Assim, como bem lembra Leffa (2012):

(...) o ensino de línguas não deve acontecer em um mundo abstrato, meramente teórico e construído por autoridades, seja no sentido autoritário, com base no poder, seja no sentido autorizado, como base no saber, mas deve estar situado em um determinado contexto, com base na realidade, garantindo ao professor a opção de agir dentro daquilo que é plausível em seu contexto (LEFFA, 2012, p. 339).

Isso significa que passou da hora de trazermos o mundo real para dentro das salas de aula, afinal, é justamente na sociedade onde o aprendiz de línguas atuará. As próprias Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM) também refletem essa nova visão do ensino/aprendizagem de uma LE, conforme é possível verificar no trecho abaixo:

114 Concebo as crenças como um componente do nosso viver ou da nossa cultura de viver. Elas são alimentadas por nossas experiências, pelo convívio com os familiares e com diferentes pessoas em diversos contextos. No processo de ensino/aprendizagem de línguas, as crenças fazem parte da nossa cultura de aprender, influenciando o nosso comportamento, as nossas atitudes e sugerindo as nossas ações, seja como aprendiz, como professor, ou como outro agente que faça parte direta ou indiretamente do processo de ensino/aprendizagem, tais como a família, os autores de material didático, os diretores de escolas de idiomas, formadores de professores, entre outros ( LANDULFO, 2012, p.72).

Reiteramos, portanto, que a disciplina Línguas Estrangeiras na escola visa a ensinar um idioma estrangeiro e, ao mesmo tempo, cumprir outros compromissos com os educandos, como, por exemplo, contribuir para a formação de indivíduos como parte de suas preocupações educacionais (BRASIL, 2006, p. 91, grifo meu).

Assim, certa de que esse é muito mais do que apenas a escolha de um material didático elaborado por grandes editoras ou a opção por um método “ideal”, Mendes (2004, 2007, 2008) repensa o processo de ensino/aprendizagem de línguas e propõe um ensino a partir de uma abordagem que ela denominou intercultural (AI) e resume assim:

[...] a força potencial que pretende orientar as ações de professores, alunos e de outros envolvidos no processo de ensino/aprendizagem de uma nova língua-cultura, o planejamento de cursos, a produção de materiais e a avaliação da aprendizagem, com o objetivo de promover a construção conjunta de significados para um diálogo entre culturas (MENDES, 2004, p. 154, grifo meu).

Essas palavras sinalizam para o professor que, para atuar a partir de uma perspectiva intercultural, ele precisa compreender, sobretudo, que as sociedades são heterogêneas e cada pessoa possui suas próprias características, seu próprio modo de ver o mundo e a sua própria cultura. Logo, cada sujeito, como já foi dito anteriormente, é um ser cultural. Além disso, é possível observar na definição da autora, que língua e cultura não são separadas, pois “[...] tudo o que fazemos quando interagimos com o mundo através da linguagem é um modo de produzir cultura” (MENDES, 2012, p. 375).

Sobre língua e cultura, Figueiredo (2009) esclarece que:

É primordial compreendermos a importância da língua na nossa construção social e cultural. A língua pode expressar, encorpar e simbolizar a nossa realidade cultural. Quando a língua e a cultura são colocadas juntas, elas revelam ao mesmo tempo os valores e crenças dos sujeitos situados socialmente e historicamente em uma comunidade de fala. Podemos afirmar que língua é como uma entidade sócio interativa que abrange a representação do patrimônio social e, da mesma forma, também reflete as relações de poder e dominação entre os membros de uma sociedade. (FIGUEREDO, 2009, p.1).

Desta maneira, as salas de aulas de línguas devem se transformar em espaços onde podemos questionar os problemas sociais visando a mudança social. Sendo assim, é preciso entender que tanto os professores quanto os alunos devem agir como agentes de interculturalidade e isso significa promover o diálogo entre culturas através da interação e a

produção conjunta de conhecimentos, conduzidos por sentimentos de colaboração, cooperação, respeito às diferenças, aceitação do novo, humildade e tolerância, atuando, concomitantemente como analistas e críticos das experiências que compartilham e do mundo onde vivem.

É importante compreendermos que, ao ensinar uma língua, o professor tem a responsabilidade de rever e, sempre que necessário, criticar os discursos reproduzidos com os propósitos de colonizar, dominar, estigmatizar e estereotipar os sujeitos. Nesse ensino, portanto, torna-se imprescindível a reflexão sobre questões, tais como: como desigualdades sociais, preconceito, discriminação, racismo, xenofobia, dentre outros. Esses devem orientar, na verdade, a pauta dos debates em sala de aula.

Assim sendo, não é mais possível desvincular o ensino de línguas de temáticas relacionadas ao racismo, a gênero, a meio ambiente, à orientação sexual, à pluralidade cultural, ao trabalho, à saúde, à discriminação, às relações de poder e a tantos outros aspectos do viver social. Busca-se, então, possibilitar ao aluno um novo olhar sobre o mundo para formarmos um sujeito socialmente mais consciente e crítico.

Desse modo, agirmos a partir da perspectiva intercultural significa “reconhecer uma série de princípios como solidariedade, reconhecimento mútuo, direitos humanos e dignidade para todas as culturas. É, enfim, promover o diálogo a partir da aprendizagem de línguas estrangeiras” (PARAQUETT, 2010, p. 154). À vista disso, a perspectiva intercultural sugere novas estratégias de relação entre sujeitos e grupos diferentes. Deve-se levar em consideração “questões sociais consideradas relevantes [...] de abrangência nacional e até mesmo de caráter universal” conforme preconizam os próprios PCN (1998, p.64) em seus temas transversais que devem ser abordados no ensino de LE .

Nossa atuação só viabilizará essas recomendações em diferentes espaços de ensino/aprendizagem de línguas, quando compreendermos primeiro que se fazem necessárias outras formas de construir o conhecimento e traçar caminhos alternativos rumo a novas direções. Daí, é preciso contemplarmos teorias e práticas pedagógicas que “fujam do conhecido esquema de tratar cultura como um conjunto de conteúdos informativos e exóticos” (MENDES, 2007, p.119) e, consequentemente, revogar a ideia de língua como um conjunto de estruturas sem nenhuma relação com as questões sociais. Ou seja, deve-se superar o entendimento de língua enquanto estrutura ou algo abstrato e entendê-la enquanto cultura ou “entidade viva”. Como bem elucida Candau:

Somente assumindo de modo consciente e crítico os processos de hibridização cultural presentes na sociedade brasileira e favorecendo o diálogo intercultural seremos capazes de promover processos educacionais que articulem igualdade e diferença, universalismo e relativismo e globalização e pluralidade cultural, no nosso contexto (2012, p. 51).

Para chegarmos a esse novo patamar, compreendo, contudo, que é indispensável pensarmos, inicialmente, na formação de professores sob uma perspectiva intercultural. Logo, devem ser trazidas para a pauta de discussões, temáticas questionadoras das relações de poder, das hegemonias, da subordinação, da discriminação e de todo tipo de “servidão humana”, na expressão do filósofo Baruch Espinoza (2009). Nossos educadores têm o dever de não reproduzir discursos cristalizados, formuláticos ou preconceituosos e sim questionar para desconstruir uma sociedade onde uns ainda acreditam que são melhores que os outros.

Corroborando esse pensamento e também enfatizando a formação docente, no caso, de professores de espanhol, Paraquett pergunta aos formadores de professores: “Estamos preparados para ajudar nossos alunos de forma a que vejam a língua/cultura espanhola como uma língua que lhes permitirá viver em sociedades cada vez mais pluriculturais?” (PARAQUETT, 2010, p. 148). Ecoando a sua voz, faço minhas perguntas aos formadores de professores de italiano no Brasil: Os professores de italiano egressos dos cursos das Licenciaturas estão preparados para ensinar a língua-cultura italiana como uma língua que lhes permitirá viver em sociedades cada vez mais pluriculturais? Esses professores em formação estão sendo preparados para ensinar o italiano em um mundo no qual as mudanças sócio-políticas estão cada vez mais acentuadas, assim como as desigualdades sociais? Segundo Paraquett, se a resposta for positiva, estamos falando de professores interculturais, pois todos terão entendido que:

Interculturalidade significa, portanto, interação, solidariedade, reconhecimento mútuo, correspondência, direitos humanos e sociais, respeito e dignidade para todas as culturas. Portanto, podemos entender que a interculturalidade, mais do que uma ideologia (que também o é) é percebida como um conjunto de princípios antirracistas, antissegregadores, e com um forte potencial de igualitarismo. A perspectiva intercultural defende que se conhecermos a maneira de viver e pensar de outras culturas, nos aproximaremos mais delas (GARCÍA MARTÍNEZ et al, 2007, apud PARAQUETT, 2010, p. 149, grifo meu).

A perspectiva intercultural no ensino de línguas pressupõe, então, uma série de ações em prol do reconhecimento da diversidade que nos constitui e do combate a atitudes de discriminação para com o outro. Entretanto, para que realmente haja uma visão intercultural é

necessário que se repense, especialmente, a formação docente. É urgente, como destaca Matos,

[...] que os cursos de graduação em Letras com habilitação em língua estrangeira, onde se formam professores aptos a lecionar em escolas de ensino básico, repensassem e reformulassem os planos político-pedagógicos de maneira que a perspectiva intercultural estivesse presente em suas disciplinas e respectivas ementas. Acredito que é na formação inicial que se deva refletir e teorizar sobre estas questões, pois se o próprio professor possui estereótipos relacionados à língua/cultura, como poderá trabalhar futuramente em sala de aula para desconstruir as visões reducionistas de seus alunos e promover um verdadeiro diálogo intercultural? A resposta está no tipo de formação que terá esse professor (MATOS, 2014, p 111).

Estas palavras de Matos retomam o papel central do professor licenciado em Letras – línguas estrangeiras: lecionar no ensino básico, onde, diversas crianças e adolescentes entram em contato com os diversos discursos globais. Estes discursos discriminam e marginalizam, em sua maioria, o pobre, o negro, o homossexual, o índio, o imigrante. Assim sendo, somente um professor que atua a partir de uma perspectiva intercultural será capaz de desconstruir as forças opressoras invocadas por esses discursos. Isso quer dizer, em poucas palavras, que somente um professor intercultural, poderá formar cidadãos interculturais. Do contrário, continuaremos a reproduzir as falas daqueles que oprimem, marginalizam e discriminam.

Acredito firmemente que a formação docente é um dos primeiros passos para se promoverem, nas salas de aula, debates que rejeitem as práticas discriminatórias e visem a formação de cidadãos mais críticos e conscientes e à construção de uma sociedade mais justa e menos desigual. Por isso, procederei, a seguir, à análise das ementas dos cursos de Licenciaturas em LI selecionados para verificar se atualmente a perspectiva intercultural é uma doce perspectiva ou uma triste ilusão.