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2 ESCRITA CRIATIVA EM ATIVIDADE MEDIADA

2.2 Ensino de escrita na perspectiva mediada

A escrita é uma atividade muito presente no cotidiano escolar e muito requisitada aos nossos alunos. Chegou à escola, vinculada ao processo de alfabetização, primeiro se aprendia a ler e depois a escrever; teve seu estágio de cópia para aprimoramento da caligrafia, uma vez que a escrita de textos não era atividade que podia ser desenvolvida por qualquer sujeito, por

se tratar de uma atividade que envolvia a presença de talentos e dons; evoluiu para a redação e, com os estudos linguísticos, chegou à produção textual. Esses dois últimos estágios, da redação à produção textual, quando pensamos a escrita no contexto do ensino de língua portuguesa no Brasil, tiveram como marco a década de 1980, época em que, segundo Geraldi (2004), os professores foram bombardeados com a expressão “produção textual”, o que fez com que ela se popularizasse muito rapidamente.

Nessa perspectiva, ao tematizar o ensino de escrita, um primeiro ponto a considerar é o fato de que, apesar de já termos transcorrido quase quatro décadas de história, ainda encontramos resquícios de um ensino de escrita sob os moldes da redação, um exemplo disso é a manutenção do termo no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Como segundo ponto, consideramos o fato de, embora transcorrido todo esse tempo e haver uma considerável produção acadêmica sobre esse assunto, ainda estarmos em busca de um trabalho que contemple, realmente, a escrita como produção de texto.

Geraldi (2015), ao discorrer sobre o texto como unidade de ensino-aprendizagem, explica que entre a redação e a produção de texto há mais que uma mudança de nomenclatura, há uma mudança de concepção. Para ensinar a escrever, a produzir textos, faz-se necessário incorporar dois aspectos fundamentais:

Em primeiro lugar, ao apontar para a produção, aponta-se também para o fato de que toda a produção depende de condições, instrumentos e agentes de produção, além de focalizar o modo como se produz na escola. [...] Em segundo lugar, a introdução da expressão ‘produção de textos’ remete à noção de texto. Um texto não é produto da aplicação de um conjunto de regras e nem mesmo o conhecimento das características genéricas com as quais o texto a ser produzido deve-se coadunar (GERALDI, 2015, p. 167).

No primeiro aspecto, Geraldi aponta para o fato de que a produção de texto deve surgir de um processo que envolve diversos fatores, dentre os quais estão a formulação de uma situação real para escrita, com interlocutores também reais e com condições de circulação dos textos produzidos. Do contrário, não se tem produção, mas treino no qual o aluno escreve e o professor corrige. Quando se trabalha o texto com foco na estrutura seja linguística, seja genérica, o sentido do texto se perde, uma vez que não surge como processo de interlocução.

Com base nesses dois aspectos, buscamos construir caminhos para o ensino de escrita, segundo os pressupostos da concepção de escrita como produção de texto, o que requer conceber a sala de aula como lugar da interação, de diálogo entre sujeitos; requer compreender a escrita como trabalho que se faz com a língua, ou seja, como atividade

epilinguística. Requer ainda compreender que “escrever não é uma atividade que segue regras previstas, com resultados de antemão antecipados. Escrever um texto exige sempre que o sujeito nele se exponha, porque ele resulta de uma criação” (GERALDI, 2015, p. 98).

Compreender que a escrita é uma atividade que não segue regras fixas implica ao professor ler o texto do aluno com um olhar de quem busca depreender os sentidos por ele construídos. Nesse ponto, a mediação pode favorecer ao professor a percepção dos não ditos presentes no texto e que são relevantes para a compreensão. É com base nessa atitude de leitura e de escuta atenta que o professor pode mediar o processo de ensino e aprendizagem.

O professor, nessa perspectiva, não é um avaliador do texto do aluno, mas o seu leitor mais experiente que analisa o texto, considerando o nível de desenvolvimento real de seu produtor, em comparação ao ideal, criando condições para o seu desenvolvimento potencial. Na análise do texto, associada à do protocolo de escrita, o professor pode observar os conhecimentos que os alunos mobilizam, bem como os que eles já começaram a mobilizar, mas ainda não amadureceram e os que eles ainda precisarão desenvolver. “Trabalhar entre o sabido e o potencial é uma forma de mediação do professor, que se torna assim um coautor dos textos de seus alunos: faz junto e ambos avançam em suas capacidades de produção de novos textos” (GERALDI, 2015, p. 170). Nesse contexto, é a leitura atenta do texto do aluno que definirá o que será ensinado para que ele se desenvolva enquanto produtor de textos.

De acordo com Geraldi (2004, p. 22), há duas possibilidades de análise de textos e dois caminhos podem ser percorridos: “um mais estritamente linguístico, olhando para o produto verbal e sua sequência, analisando-o sob a perspectiva da textualidade; outro menos estritamente linguístico, procurando centrar as observações na relação entre o linguístico e suas condições de emergência”.

Considerando esses dois caminhos como importantes para o processo de ensino- aprendizagem, para desenvolver a atividade de mediação, é preciso que o professor estude, tenha conhecimentos específicos de, por exemplo, linguística de texto, para poder demonstrar em sala e explicar aos alunos os fatores de textualidade e/ou os mecanismos linguísticos utilizados para a garantir a textualidade, é o caso dos elementos de referência como o pronome “ele” que por vezes aparece nos textos referindo-se a algo já colocado. Vale ressaltar que os fatores de textualidade são princípios e não regras a serem seguidas ao produzir textos (GERALDI, 2018). Para que esse conhecimento chegue ao aluno, o professor precisa didatizá-lo, adequando-o à compreensão dele.

O ensino de escrita com foco na produção de texto não pode desconsiderar o fato de que toda construção faz parte de um processo e com a escrita não é diferente. As atividades de

aprendizagem precisam ser planejadas sistematicamente, de forma que o professor tenha ciência sobre o que quer que o aluno aprenda e trace caminhos para chegar a esse fim. Não por meio de atividades mecânicas, mas criando situações significativas de escrita. O conhecimento sobre a escrita deve ser, assim, construído, paulatinamente. Para que isso ocorra, o aluno necessita da intervenção do professor, como sujeito mais experiente.

Vimos, em nosso diagnóstico que, apesar de ser uma atividade de escrita relativamente simples, os alunos demonstraram dificuldades e as evidenciaram na escrita. Compreendemos a fase de desenvolvimento, assim como compreendemos a necessidade de um agir. Nesse aspecto, também Cagliari (1998) nos orienta sobre o aprendizado da escrita ser um processo e sobre a necessidade do olhar atento do professor sobre a escrita do aluno.

O professor deve ter em mente que nem sempre um aluno que escreve corretamente está sabendo o que está fazendo e como funciona a escrita. Por outro lado, não é porque um aluno erra, ao tentar escrever uma palavra, que ele não esteja aprendendo a escrever (CAGLIARI, 1998, p. 115).

É preciso então, que nós saibamos como intervir nesses momentos de construção e para isso, precisamos ter conhecimentos específicos sobre os textos e sobre a língua. Em suma, precisamos nos apropriar da metalinguagem, para favorecer o aprendizado do aluno.

Calkins (1989, p. 19), ao tratar sobre o ensino de escrita, coloca a atenção sobre outro ponto, a da motivação para o aprender, “quando a escrita torna-se um projeto pessoal para as crianças, os professores não necessitam adular, pressionar, seduzir [...]”. Nesse ponto, observamos que, na mediação, precisamos construir situações em que os alunos sintam-se instigados a escrever e confiantes para essa ação. É isso que queremos alcançar em nossa sala de aula, atuando como mediadores entre a escrita e os alunos, por meio de intervenções orais e / ou escritas, fazendo-os perceber o quão interessante pode ser o ato de escrever.

É preciso, ainda, frisarmos que escrever é uma tarefa que está além de especificidades linguísticas, pois são as condições de produção que definem o dizer. Considerar esse fator nos permite analisar a escrita dos alunos, não como um dado apenas linguístico, mas como um todo, o que nos permite formular hipóteses e questionamentos, considerando que tudo na linguagem está inter-relacionado. Isso quer dizer que escrever é sempre uma atividade que retoma outros textos. A leitura do texto do aluno não pode desconsiderar esses fatores.

Com base nessas formulações, observamos a dimensão do trabalho docente quando se concebe o ensino de escrita sob uma perspectiva interlocutiva, de produção de texto. Para desenvolver com êxito a atividade de ensino, reiteramos a necessidade de apropriar-se de

conhecimentos teóricos. Dentre esses conhecimentos, também Antunes (2005) aponta como relevante a compreensão de que escrever é uma atividade de interação, assim como a fala, é um “intercâmbio verbal”, por isso não tem sentido escrever sem destinatário. Isso indica que escrever é uma atividade cooperativa, já que é interativa; escrever é dessa forma, uma atividade contextualizada, pois é situada em um momento, espaço e tempo. É sem dúvidas uma atividade textual, visto que só nos comunicamos por meio de textos; logo as atividades em sala de aula com frases soltas não fazem sentido, pois enquanto atividade verbal, não chega às propriedades da textualidade. Escrever é, também, uma atividade tematicamente orientada, pois um texto sempre terá uma ideia central a qual vai se desenvolver. Como escrevemos com objetivos previstos a serem consolidados, escrever é assim, uma atividade intencionalmente definida.

Antunes (2003, p 54) lembra, ainda, que há três grandes momentos na tarefa de escrever: o planejamento, a escrita propriamente dita e a revisão, assim:

elaborar um texto escrito é uma tarefa cujo sucesso não se completa, simplesmente, pela codificação das ideias ou das informações, através de sinais gráficos. Ou seja, produzir um texto escrito não é uma tarefa que implica apenas o ato de escrever. Não começa, portanto, quando tomamos nas mãos papel e lápis. Supõe, ao contrário, várias etapas, interdependentes e intercomplementares, que vão desde o planejamento, passando pela escrita propriamente, até o momento posterior da revisão e da reescrita.

Um texto bem escrito, ou melhor, a condição do texto escrito vai depender de como o autor respeita cada etapa do processo e das decisões que tomou. Em se tratando de nosso público-alvo, alunos do 4º ano do ensino fundamental, a orientação acerca dessas etapas devem ser dadas e acompanhadas pelo professor, enquanto sujeito mais experiente e com vista aos objetivos propostos para a atividade, fator que pode flexibilizar o desenvolvimento dessas etapas.

É interessante destacar que a escrita está tão dentro de nosso cotidiano do mundo adulto alfabetizado que, às vezes, nem percebemos como esse ato pode ser difícil para uma criança. Diante dessa realidade, o importante é que possamos compreender como a escrita de textos acontece, tendo como parâmetro o universo da criança público-alvo da pesquisa.

Outro ponto a considerar é a necessidade de sempre estar atento ao propósito conferido à escrita. O aluno criança é um interlocutor real e como tal está apto a dialogar sobre sua aprendizagem. Assim, é importante sempre explicar o propósito da atividade de escrita aos alunos, antes de iniciar o trabalho de escrita, propriamente dito, em sala de aula.

Com efeito, há uma diferença considerável em tratar a escrita como processo ou tratá- la como produto. Ao abordar a escrita como produto, o foco é tão somente a forma de organização dos textos e estrutura da língua. O professor que conduz suas aulas com essa visão de escrita acaba utilizando as atividades de escrita como reforço, treino ou imitação. Em decorrência disso, o professor transforma-se um mero avaliador dos textos e termina não solicitando dos seus alunos a reescrita destes (OLIVEIRA, 1997). Deixando, assim, de estimular a reflexão, a imaginação e a produção de novos escritos.

A escrita como processo analisa o percurso feito pelo aluno, pois, ao escrever, ele recorre há várias hipóteses, a fim de encontrar a melhor forma de dizer o que pensa. Este tipo de escrita permite, então, que o aluno escreva e reescreva seu texto, refletindo até chegar à forma desejada daquilo que quer dizer. Dessa forma, essas idas e vindas ao texto fazem com que ele se torne autor-leitor de seus textos.

Em experiência com escrita de textos em processo de ensino-aprendizagem, Cagliari (2003, p. 102) observou que “ao deixar as crianças escreverem textos espontâneos, pude observar que elas se preocupam em expor conceitos muito pessoais, como sua visão de mundo, da vida, de maneira objetiva e direta [...]”. Com isso, podemos observar que deixar as crianças escreverem o que pensam também é uma forma de ver a escrita como processo.

Cagliari (2003) nos traz uma colocação muito pertinente aos dias atuais sobre a questão da escrita de textos na escola, vejamos:

Minha opinião é que as crianças devem poder escrever o que quiserem, como quiserem. A professora deve orientar quanto à forma do que se vai escrever, um bilhete, uma história, uma carta etc. A partir da produção de textos das crianças, podem-se fazer comentários a respeito de tudo o que se achar relevante, da ortografia à análise discursiva do texto produzido. Essa prática deveria ser bastante frequente, pois é um excelente ponto de partida para todas as outras atividades escolares (2003, p. 123).

Quanto à correção do texto do aluno, há uma diferença significativa na correção dos textos dos alunos tendo em vista escrita como produto ou como processo. Quando o professor corrige os textos pensando a escrita como produto, ele não solicita ao aluno a reescrita do texto, não o faz refletir sobre o que escreveu, devolvendo a ele uma correção cheia de riscos, traços, círculos sem, contudo, demonstrar ao seu aluno o que realmente necessita ser revisto no texto. Oliveira (1997) enfatiza que, dessa maneira, a escrita torna-se uma atividade solitária e individual.

Quando o professor corrige os textos analisando a escrita como processo é instigado a refletir sobre o que acontece durante o momento da escrita. Como correção, o feedback do professor pode auxiliar o aluno, na construção e reconstrução do seu texto. Todo retorno dado pelo professor ajudará seu aluno a pensar sobre seu texto, pois “a escrita entendida como descoberta de sentido desenvolve no escritor a habilidade reflexiva, aquela que lhe permite (re)examinar a direção dos seus pensamentos quando grafados num papel” (OLIVEIRA, 1997, p. 106). Diante disso, desenvolvemos um projeto de intervenção em que a escrita dos alunos evoluísse a partir do nosso feedback, de maneira que a ação de escrever fosse interativa, que envolvesse compreensão, ajustamento e cooperação de todos os envolvidos no processo.

Calkins (1989, p.28) nos lembra de que “se nós, enquanto professores de escrita, observarmos como nossos estudantes escrevem, então podemos ajudá-los a desenvolver estratégias mais efetivas para a escrita”. Precisamos observar nossos alunos, assim poderemos orientá-los em seu processo de desenvolvimento. Segundo a referida autora, é necessário ouvir as crianças, compreender como elas pensam e escrevem para, então, poder ajudá-las a escrever melhor. Calkins (1989) orienta que devemos inclinar nossas cadeiras para frente a fim de ouvir e aprender com nossos alunos, uma vez que não podemos começar a pensar no ensino da escrita até que comecemos a observar as crianças em sala produzindo tal conhecimento.

Frente ao exposto, fica demonstrado que a prática de produção de textos é uma atividade relevante para as aulas de língua portuguesa e quando mediada pelo professor de forma atrativa e interativa, não servirá apenas para obter notas. Com base nas ideias de Cagliari (1998, p. 212), “a prática de produção de textos tem como objetivo ensinar os alunos a passar seus conhecimentos sobre a linguagem oral para a forma escrita”, somente depois desta primeira etapa é que será pertinente ensinar a produzir textos de todos os tipos conforme as exigências de uso culturais e escolares.

Considerando o exposto, procurando dar o melhor retorno aos nossos alunos em relação aos seus textos, buscamos uma metodologia que pudesse sustentar nosso projeto de intervenção, a fim de favorecer o conhecimentos dos alunos acerca da escrita de textos. Conhecemos, então, os protocolos verbais e os adotamos para o trabalho com a escrita; bem como o uso de bilhetinho, os quais são colocados nos textos dos alunos com orientações para que pense sobre o que escreveu e possa reescrever seus textos. Trata-se de duas formas de mediar e intervir naquilo que eles precisam melhorar.

Neste processo de desenvolvimento, de construção e reconstrução da escrita por meio das intervenções e mediações, esperamos que, ao final do projeto de intervenção, os alunos tenham uma visão ampla e melhor de como a escrita pode ser uma aliada não somente nas práticas textuais, mas na sua vida além dos muros da escola.

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