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SEÇÃO I: NOVO ENSINO MÉDIO: INTEGRAÇÃO OU DILUIÇÃO DAS DISCIPLINAS?

1. O novo ensino médio apresentado na nova legislação

1.3 O novo ensino médio a partir das DCNEM

enquanto habilidade e competência suscitadas pelo ensino de Filosofia, não pertence propriamente à Filosofia.

A partir dessas não demarcações das competências e habilidades por componentes curriculares, mas sim por área, se abusa da ideia de integração, inter e transdisciplinaridade, pois dá a entender que integração disciplinar se define pelo fato das disciplinas se diluírem umas nas outras, ao ponto de não existir entre elas quaisquer demarcações de fronteiras. Mas, para se pensar sobre as formas de integração entre as disciplinas, tem-se antes que pensar primeiro na disciplinaridade e nos conteúdos disciplinares, pois é através da matéria a ser trabalhada que é possível analisar as possiblidades de correlacionar os assuntos com distintas abordagens trazidas das diversas disciplinas

Mas a nova legislação sobre a educação em nível médio em nosso país desconsidera as disciplinas como referenciais sólidos que alicercem este nível de ensino e forneçam a fundamentação teórica e metodológica necessárias ao desenvolvimento da ação educativa ao preconizar que o novo ensino médio seja pautado no desenvolvimento de habilidades e competências gerais apresentadas por áreas.

Quanto à presença da Filosofia enquanto disciplina, não há garantias da sua permanência no currículo do ensino médio brasileiro, o que a torna vulnerável ao desaparecimento neste nível de ensino. Assim como a Filosofia, todas as demais disciplinas são vulneráveis à não permanência no currículo do ensino médio, exceto as disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática. Mas é objetivo desta Tese defender que a Filosofia tem um importante papel formativo e sua importância no currículo será abordada nas Seções II e III desta Tese.

Na conceituação de currículo constante no Capítulo I, que fala sobre a organização curricular, tem-se: “o currículo é conceituado como a proposta de ação educativa constituída pela seleção de conhecimentos construídos pela sociedade”

(art. 7). Vemos que o conceito chave que dá sentido à ação educativa é conhecimento.

Mas, a ideia de conhecimento é sempre provida da ideia de conteúdo. Afinal, conhecimento é sempre o conhecimento de algo. No entanto, a materialidade desses conhecimentos não aparece enquanto conteúdo, pois, na medida em que são expostas as habilidades e competências concernentes a cada área do saber fica perceptível que conteúdos tradicionalmente estudados em determinados componentes curriculares são desconsiderados. Ofertamos como exemplo o que ocorre na BNCC, quando cita as competências referentes à área de ciências da natureza.

Esta área reflete o empobrecimento conceitual mais piedoso. Toda área, que deveria compreender os conhecimentos de Química, Física e Biologia, é apresentada dividida em três temáticas: matéria e energia; vida e evolução e terra e universo. A partir destas três temáticas são apresentadas as três competências definidas para a área. A competência número um, insere a temática matéria e energia. Mas as temáticas: vida e evolução e terra e universo se fundem em uma única competência:

“Analisar e utilizar interpretações sobre a dinâmica da Vida, da Terra e do Cosmos para elaborar argumentos, realizar previsões sobre o funcionamento e a evolução dos seres vivos e do Universo, e fundamentar e defender decisões éticas e responsáveis”

(BRASIL, 2018a, p. 553). E a terceira e última competência é: investigar situações problemas, utilizando procedimento e linguagens das ciências da natureza e propor soluções por meio de tecnologias. Nestas três competências impostas para a área de ciências humanas, bem como nas 26 habilidades, os conhecimentos de Biologia, e mais ainda, os conhecimentos e conteúdos disciplinares cabíveis à Física e à Química estão praticamente invisíveis. Assim, a não demarcação da disciplinaridade e dos direitos e objetivos de aprendizagem que se remetam aos conteúdos específicos de cada componente curricular pertencentes a cada área, mostra que as competências e habilidades delineadas para cada área não são capazes de traduzir a riqueza epistemológica dos componentes curriculares e, a partir dessa não demarcação ocorre um esvaziamento dos direitos de aprendizagem dos estudantes.

Nas DCNEM, mesmo quando se fala da estrutura curricular, demonstra-se que o currículo não está estruturado enquanto conjunto de disciplinas ou componentes curriculares. O artigo 10 afirma que “os currículos do ensino médio são compostos por formação geral básica e itinerários formativos”. A Lei 13.415/17 já deixou claro que os itinerários formativos serão: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas e ensino técnico e profissional. Mas quanto à formação geral básica, esperava-se que as treze disciplinas que compõem o atual ensino médio fossem mantidas. No entanto, o artigo 11, das DCNEM nos desilude, pois especifica que a formação geral básica, na verdade, não tem nada de geral, nem básica: “a formação geral básica é composta por competências e habilidades previstas na BNCC”. Logo em seguida afirma que essa formação geral básica deverá ser organizada por áreas de conhecimento, citando assim, nos incisos, as quatro áreas do saber. E o parágrafo segundo do artigo 11 deixa bem claro que: “o currículo por área de conhecimento deve ser organizado e planejado dentro das áreas de forma interdisciplinar e transdisciplinar” (BRASIL, 2018b, p. 6).

Desta forma, entende-se que a afirmação acima, de que a formação geral básica não tem nada de geral e básica, confirma-se a partir dos trechos citados, uma vez que se constata que tanto a Lei 13.415/17, quanto a BNCC, quanto os DCNEM, não preconizam a manutenção de um currículo disciplinar composto por componentes distintos, e que façam parte de uma matriz de conhecimentos básicos para todo o território nacional. Assim, de acordo como está posto, mesmo a parte do currículo chamada de formação geral básica será vulnerável e adaptável, pois também estará dividida por áreas e será organizada de forma interdisciplinar e transdisciplinar. Mas, o trabalho com a metodologia interdisciplinar e transdisciplinar tem como base a disciplinaridade. Uma vez que, para que exista o interdisciplinar e o transdisciplinar devem existir primeiro, as disciplinas, pois são a partir delas que são pensadas metodologias interrelacionais. Por isso defendemos a importância da disciplinaridade

8.

Mas, as Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio – DCNEM, bem como a BNCC e a Lei 13.415/17 não falam de conhecimentos, nem de componentes

8 Aprofundaremos mais sobre esses conceitos na Seção II.

curriculares, ignorando, assim, a natureza das fronteiras. Falam apenas de estudos e práticas. Assim, o parágrafo 4° do artigo 11 das DCNEM, cita em seus 9 incisos, alguns estudos e práticas que devem ser contemplados na parte da formação geral básica. Dentre estes, encontra-se no inciso VIII estudos e práticas de Sociologia e Filosofia. Mas, longe de garantir à Filosofia o status de componente curricular, o parágrafo 5º trata de asseverar que: os estudos e práticas destacados nos incisos I a IX do § 4° devem ser tratados de forma contextualizada e interdisciplinar, podendo ser desenvolvidos por projetos, oficinas, laboratórios, dentre outras estratégias de ensino-aprendizagem que rompam com o trabalho isolado apenas em disciplinas” (BRASIL, 2018b, § 4).

Assim, conforme exposto acima, as Diretrizes Nacionais para o Ensino Médio vêm reiterar e ampliar o exposto na Lei 13.415/17 e corrobora com o que preconiza a BNCC. Essa nova legislação delineia o perfil do novo ensino médio em nosso país, que em linhas gerais representará um grande esvaziamento dos conhecimentos disciplinares e aprofundará o fosso da desigualdade educacional, uma vez que não estabelece um fundamento epistemológico sob o qual se alicerce esse nível de ensino e a formação dos jovens brasileiros. Sob o pretexto de promover uma melhor integração entre os saberes, legitimam sob a forma de lei, uma diluição das disciplinas do ensino médio no Brasil.

Mas é importante ressaltar que o que está disposto na regulamentação oficial, não necessariamente é o que se efetiva na prática. Inês Barbosa Oliveira, em seus estudos sobre currículo e cotidiano escolar assevera no artigo intitulado Currículo e processo de aprendizagemensino :

O que importa para a discussão é que nenhuma regra estabelecida, seja ela escrita ou apenas pensada, se efetiva tal qual prescrita na vida das pessoas reais. O ditado popular, em outros termos, confirma:

“toda regra tem exceção”, o que significa dizer que, no interior das normas e textos organizados em modelos, fórmulas e etapas tão precisos quanto irreais, as situações são, em maior ou menor grau, sempre “excepcionais”, na acepção original do termo. As determinações oficializadas sempre se modificam em virtude do campo que encontram (ou que as encontra) e são influenciadas por eles (OLIVEIRA, 2000, p. 380).

Há esperança de que o que está disposto na legislação que preconiza o novo ensino médio não se torne uma realidade tal qual está apresentado acima. O modelo disciplinar pode não ruir no chão das escolas, uma vez que o modelo substituto que foi idealizado carece de efetividade prática. Na rotina escolar o modelo disciplinar adotado há décadas tende a permanecer e o currículo pode apenas sofrer algumas alterações como por exemplo, a inserção de novos componentes curriculares como por exemplo “Projeto de vida” e a ampliação de carga horária para implementar os itinerários formativos (o ensino profissionalizante). Entre o discurso e a realidade há um fosso que os separa.

2. Integração disciplinar ou diluição das disciplinas: analisando o discurso e a