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SEÇÃO III: QUE FILOSOFIA É CAPAZ DE SUSCITAR INTERDISCIPLINARIDADE?

5. Filosofia ou Filosofias?

Antes de falarmos sobre conteúdos e métodos filosóficos que favorecem a integração do saber e a interdisciplinaridade se faz necessário definir o que é Filosofia, ou, que ideia de Filosofia utilizamos para respaldar nossa pesquisa.

Longe de querermos delimitar e restringir o alcance da ideia de Filosofia prendendo-a a um conceito, pretendemos situar, semanticamente, de qual Filosofia estamos falando, uma vez que existem várias filosofias.

Danilo Marcondes no livro A filosofia, o que é defende a “impossibilidade de se alcançar uma caracterização precisa de filosofia, pois quantos forem os filósofos, tantas serão as filosofias e suas definições e interpretações” (MARCONDES, 2011, p.

22).

Assim, poderíamos dizer que existe Filosofia ou que existem apenas Filosofias? A resposta a esta pergunta não pode corresponder à disjunção da pergunta. Diríamos que existe, ao mesmo tempo, a Filosofia enquanto um campo do conhecimento e, existem concomitantemente, as Filosofias representadas pelas variadas teorias dos filósofos.

Mas, a Filosofia que aqui nos interessa é aquela que carrega em si o status de ser um campo do conhecimento. Cada campo do conhecimento possui a sua propriedade. Esta propriedade é configurada tanto pelos objetos pelos quais se ocupam o determinado campo do saber, tanto pelos métodos empregados para o desenvolvimento dos conhecimentos. Então, quando falamos aqui de Filosofia, não nos referimos às teorias filosóficas elaboradas pelos filósofos, mas sim, à Filosofia enquanto campo do conhecimento que tem sua propriedade.

Então, qual seria a propriedade da Filosofia? De acordo com o filósofo português Desidério Murcho, em seu livro A Natureza da Filosofia e seu Ensino (2002), o que dá propriedade à Filosofia é a sua natureza de abertura:

a filosofia se distingue dos demais ramos do saber, por possuir uma natureza aberta e indeterminada. A maioria dos problemas centrais da filosofia continua em aberto. Não há respostas amplamente consensuais sobre se temos ou não livre-arbítrio, se Deus existe, quais são os fundamentos da ética, ou sobre a natureza da arte. Isto contrasta com a história, a biologia ou a física; nestas disciplinas há

muitíssimos resultados amplamente consensuais (MURCHO, 2008, p.

8).

A natureza aberta não é uma exclusividade da Filosofia. Também não há resultados consensuais em campos como a Teologia e Sociologia, por exemplo. Mas, o fato da natureza aberta da Filosofia não ser uma exclusividade da mesma, não significa que esta característica não lhe dê propriedade, uma vez que propriedade se difere de exclusividade.

Mas, o que nos importa aqui é a compreensão das características da Filosofia que a tornam um campo do conhecimento utilizável por uma didática que prioriza um ensino integrador. Dentro de um currículo escolar, a abertura epistemológica da Filosofia faz com que ela seja uma disciplina essencial dentro do currículo focado na integração dos saberes, uma vez que integração dos saberes visa colocar as fronteiras disciplinares num horizonte de abertura para receberem e compartilharem seus conhecimentos. Assim, através da natureza ‘acolhedora’ da Filosofia, ao não se fechar em respostas consensuais sobre os problemas desenvolvidos pelas teorias filosóficas, se abre um horizonte de possibilidades de interações entre os saberes.

A Filosofia não é hermética. Ela não é um conjunto de conhecimentos prontos, um sistema acabado, fechado em si mesmo. Mas, está em contínuo retorno a si, como um espiral de ideias em contínua reconstrução. É isso que caracteriza a natureza aberta da Filosofia, diferente da natureza científica que trabalha por resultados consensuais.

Esta abertura caracteriza a propriedade filosófica da capacidade de diálogo.

Esse caráter dialógico é inerente à Filosofia, pois ela se constitui na discussão entre as diferentes ideias constituintes na história da Filosofia e pode ser ampliada para que sejam gerados pontos de contatos entres os ramos do saber, extraindo dos mesmos, objetos que tematizem a discussão filosófica.

A Filosofia não possui um objeto de estudo específico e delimitado. Ela se envolve em questões que vão dos homens aos deuses, tratando do visível (pelos nossos sentidos) e do invisível (daquilo que não pode ser captado pelos nossos sentidos), trata do empírico e principalmente, do abstrato (através da arte de conceituar).

O exercício de pensamento provocado pelo trabalho sério com a Filosofia gera novos pensamentos que são construídos, causando um processo de criação através

da interpretação e tratamento dos problemas colocados para o pensamento. Este é outro traço importante da atividade filosófica: a criatividade.

Toda Filosofia nos leva a pensar. E ao passo que pensamos sobre a Filosofia de algum filósofo estamos construindo o nosso pensamento. Tal construção não é uma mera repetição que parte da assimilação do igual, mas sim uma abertura para a criação.

A Filosofia é um pensar criativo e o que lhe atribui esse caráter é a atividade de criação de conceitos. Diz Lipman: “A filosofia é investigação conceitual, que é a investigação na sua forma mais pura e essencial” (LIPMAN, 1990, p.58-59).

Uma grande marca da Filosofia é a sua capacidade de criar e trabalhar com conceitos. Com a Filosofia, ao mesmo tempo em que pensamos sobre o que foi pensado, estamos construindo o nosso pensamento dando abertura para o surgimento de novos conceitos.

Criar conceitos é uma característica da criatividade Filosófica. De acordo com Gallo (2012), baseado nas ideias de Deleuze e Guattari no livro O que é filosofia (1992): “o que faz com que a filosofia seja filosofia e não outra coisa qualquer é o trato com o conceito” (p. 54).

Conceituar é transcender a realidade factual e através do observável empírico alcançar a generalidade que só a abstração conceitual consegue traduzir através da demarcação ontológica. Por isso, essa característica filosófica é tão imprescindível tanto para a criação, quanto para a conexão entre as áreas do saber, porque para criar conceitos é necessário refletir sobre a realidade.

Dermeval Saviani, no livro Educação: do senso comum à consciência filosófica (1944), afirma que a Filosofia também é reflexão.

Com efeito, se a filosofia é realmente uma reflexão sobre os problemas que a realidade apresenta, entretanto ela não é qualquer tipo de reflexão. Para que uma reflexão possa ser adjetivada de filosófica, é preciso que satisfaça uma série de exigências que vou resumir em apenas três quesitos: a radicalidade, o rigor e a globalidade. Quero dizer, em suma, que a reflexão filosófica, para ser tal, deve ser radical, rigorosa e de conjunto (SAVIANI,1944, p.20).

Saviani, partindo da sua visão gramsciana, entende que a Filosofia é um importante instrumento conscientizador que pode servir a uma melhoria social.

Embora esta perspectiva ideológica seja bem divergente da proposta Lipminiana e de

outros autores que usamos aqui como referência, o que nos interessa aqui é o esclarecimento pertinente que Saviani faz da noção de reflexão filosófica. Assim, ele considera que a reflexão é uma característica importante da Filosofia e que essa reflexão filosófica reserva em si as características de radicalidade, de rigor e de globalidade. Essas três categorias definem bem as características da Filosofia.

A radicalidade preza que a Filosofia é um ramo do saber que se preocupa com as raízes dos problemas, questionando as bases e os fundamentos da realidade. A Filosofia é rigorosa, pois procede sistematicamente “seguindo métodos determinados, colocando-se em questão as conclusões da sabedoria popular e as generalizações apressadas que a ciência pode ensejar” (SAVIANI, 1944, p. 21). A Filosofia possui o caráter de globalidade porque os problemas filosóficos não são analisados de forma parcial, mas a partir do contexto em que estão inseridos, de acordo com a generalidade, não a especificidade.

A capacidade filosófica de pensar sobre as raízes dos problemas da realidade dá ao pensamento filosófico o status de crítico. A crítica é resultado da reflexão, pois para criticar precisamos refletir, pensar sobre o assunto e, assim, emitir juízos. A crítica é substancializada pela criação de juízos adquiridos por meio da reflexão.

Essas características da Filosofia apresentadas acima são as que traduzem as contribuições que a Filosofia pode trazer ao ensino escolar que busca apresentar um ensino que promova a integração entre os saberes. Por meio do seu caráter dialógico, criativo e crítico, a Filosofia tem importantes contribuições a dar ao ensino integrado.