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SEÇÃO III: QUE FILOSOFIA É CAPAZ DE SUSCITAR INTERDISCIPLINARIDADE?

8. A Filosofia no contexto escolar

8.1 Pontos de contato entre as disciplinas

É a prática do planejamento escolar que torna possível o desenho de um currículo que leve em consideração um ensino integrado. Desde os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino médio elaborados há mais de duas décadas, já se falava de interdisciplinaridade e integração disciplinar. Na parte reservada à Linguagens, Códigos e suas Tecnologias preconiza que:

Nessa nova compreensão do ensino médio e da educação básica, a organização do aprendizado não seria conduzida de forma solitária pelo professor de cada disciplina, pois as escolhas pedagógicas feitas numa disciplina não devem ser independentes do tratamento dado às demais disciplinas da área” (BRASIL, 2000, p.10).

A organização do aprendizado proposto nos PCN´s já preconizava a busca pelos pontos de contatos entre as diversas disciplinas e a consideração do currículo como um conjunto que, embora seja composto por partes diferentes (as disciplinas) integram um corpo disciplinar que traduz o sentido da escola.

Por isso, para a construção do currículo escolar deve-se observar as várias possibilidades interativas entre as disciplinas.

A seguir, apresentamos um diagrama criado por Rocha (2014), que representa algumas possibilidades de interação entre as disciplinas compreendidas em um quadro geral.

Este diagrama traz uma perspectiva rizomática das disciplinas e suas possíveis conexões.

Diagrama 1 – Conexões disciplinares

Fonte: Rocha (2014, p.40)

Este diagrama mostra algumas possibilidades diante de um sem-número de outras possíveis conexões entre as disciplinas, nos mostrando horizontes de possibilidades. Estas possibilidades de conexão, através do encontro de pontos de contatos entre as disciplinas, podem assumir diversos arranjos.

Podemos perceber por exemplo, que a Biologia tem a capacidade de interagir com distintas disciplinas, através dos conteúdos trabalhados pela mesma, como conteúdos de Geografia (meio-ambiente), a Física (movimento, energia e conservação, a Filosofia (bioética).

A Geografia tem intrínseca relação com conteúdos trabalhados pela Matemática (grandezas e medidas); pela Sociologia (ocupação humana do espaço geográfico;

Filosofia (questionamentos críticos sobre a realidade, ética, política); Língua Portuguesa (escrita e interpretação); Biologia e Química (processos de transformação da natureza e História (conhecimentos de períodos e outros).

Estes são exemplos breves e esparsos da variedade de pontos de contato que podem ser estabelecidos a depender do diálogo que se desenvolva entre a equipe de trabalho. Rocha (2014) assevera: “O “interdisciplinar escolar” visa o ganho possível em narratividade curricular, mediante sensibilidade aos contextos de aprendizagem e subordina objetivos formacionais” (ROCHA, 2014, p.22).

Isso significa que há várias narrativas possíveis de serem criadas, mas que dependerá do contexto educacional em que se dê a proposta de ensino integrado.

Esse quadro a seguir mostra possibilidade de pontos de contatos entre as disciplinas, através de alguns assuntos específicos trabalhados por estas disciplinas.

Quadro 5 – Pontos de contatos entre as disciplinas

Fonte: Rocha (2014, p.38)

Quadro 6 – Pontos de contatos entre as disciplinas

Fonte: Rocha (2014, p.39)

Nos quadros acima apresentamos apenas exemplos com duas disciplinas e alguns assuntos com os quais podem haver interconexões disciplinares. Mas os pontos de contatos disciplinares são passiveis de serem encontrados entre todas as disciplinas e em seus mais variados assuntos. No entanto é necessário criar um projeto pedagógico que considere um currículo que vise a integração entre as mais diversas disciplinas.

Esse quadro apresentado nos traz uma ideia da forma com a qual os conhecimentos estão conectados. De acordo com Rocha (2008), para discutir as relações entre as áreas de conhecimentos e os conteúdos que as integram é importante considerar a natureza de cada área do saber. Ou seja, entender porque determinadas disciplinas pertencem a uma categoria de área do saber e não a outra.

Para este autor pensar sobre a natureza das áreas do saber:

Tem relevância para as nossas decisões no campo de elaboração dos currículos. No caso da Filosofia tendo em vista a rica e complexa história da mesma, esse fato a torna ainda mais importante. A pergunta que surge nesse contexto é sobre como situamos a Filosofia no contexto

dos saberes humanos e o que isso tem a ver com nossas atitudes enquanto professores da mesma (ROCHA, 2008, p. 28).

Por isso, conversaremos brevemente sobre a classificação das áreas do saber.

Rocha (2008) toma de empréstimo o vocabulário da semiótica para indicar que nossos conhecimentos estão divididos em três eixos: essa classificação varia de acordo com o tipo das relações que se tem internamente, das relações que se tem com o mundo e das relações que temos conosco mesmo (p.179).

Desta forma, o autor, na obra citada, apresenta os três eixos do conhecimento em que se situam as disciplinas escolares: o sintático, o semântico e o pragmático. O primeiro corresponde à dimensão axiomática das disciplinas que compreendem este eixo: a matemática e a lógica. Estas são produtoras dos axiomas e correspondem à dimensão sintática porque “diz respeito à consistência das expressões, a validade do uso das regras de inferência etc” (p. 180), dando assim o aspecto formal que valida os padrões de expressividade.

O outro grupo é formado pelas chamadas ciências materiais e fazem parte do grupo que corresponde a dimensão semântica do conhecimento humano porque buscam encontrar explicações sobre o significado dos objetos. Também conhecidas como ciências ciências da natureza, a Física, a Química e a Biologia buscam explicações sobre a realidade, dentro do âmbito dos objetos pertencentes ao seu domínio. Assim, as disciplinas pertencentes a este grupo “dão conta das relações entre os signos (enunciados) e a realidade investigada.

No último grupo, encontram-se as ciências que integram o eixo pragmático do conhecimento. Aqui residem as ciências humanas, pois “têm o ser humano tomado como ser de sentido. O “sujeito” investiga “objetos-sujeitos”, que possuem uma dimensão histórica, cultural, social, valorativa etc.” Este campo de disciplinas: História, Sociologia, Geografia, etc é considerado pragmático porque transmite a dimensão da realidade vivida pelo “sujeito-objeto” deste conhecimento.

No entanto, embora exista uma divisão entre as áreas do saber, esta é uma divisão puramente formal. Isso significa que as disciplinas pertencentes a cada eixo estão naquela categoria de acordo com a natureza dos seus conteúdos dos seus procedimentos, mas que elas estão integradas dentro do plano geral do conhecimento humano. Ou seja, embora existam dimensões do conhecimento humano, todos as

dimensões fazem parte do conhecimento constituído como um todo integrado, e possuem entre si, conexões.

O esquema abaixo, traz esta dimensão geral, ao mesmo tempo que específica, do conhecimento humano.

Esquema 1 – Dimensões do conhecimento

Fonte: Rocha (2008, p. 185)

Neste gráfico podemos ver os conhecimentos disciplinares que constituem cada área e compreender através dos conceitos da semiótica (sintaxe, semântica e pragmática), que as categorias de conhecimentos não se excluem, mas apenas são didaticamente agrupadas.

Mas, poderíamos nos perguntar: qual a utilidade de tais agrupamentos, uma vez que nos capítulos I, II, III e IV criticamos a prática curricular do novo ensino médio que considera o currículo dividido em quatro áreas do saber?

Se faz mister esclarecer que a crítica deferida ao novo ensino médio se situa no escopo da diluição das disciplinas nas áreas do saber, mas não na categorização das áreas do saber, que agrupam os ramos do saber. A crítica é contra a prática didática de não se considerar a especificidade de cada disciplina. Pois, embora as disciplinas pertençam a uma mesma área do saber, elas reservam em si características próprias, que estão sendo desconsideradas, e com isso, a qualidade

dos conteúdos educativos é visivelmente diminuída, pois deixa-se de corresponder a campos de conteúdos úteis ao conhecimento dos jovens.

Agrupar as disciplinas em campos do saber, antes de sugerir uma prática didática, serve como estrutura de análise e estudo sobre as formas de interação disciplinares entre as disciplinas dos mais distintos ramos do saber. Através de uma moldura que categorize as disciplinas segundo critérios de agrupamento, é possível se intensificar “as pesquisas sobre atividades cognitivas complexas, onde, entre outras coisas, nos interessam as filiações e rupturas entre os conhecimentos”

(ROCHA, 2008, p. 182).

Por meio destas tipologias do que chamamos de “ciências”, podemos abrir caminho para ampliações e intersecções, através do estudo dos pontos de contatos entre as mais diversas disciplinas.

Mas é importante apresentar aqui, o que assevera Santos (2015), um pesquisador paranaense que estuda integração disciplinar:

A simples aproximação de campos epistêmicos não é capaz de produzir interdisciplina, mas apenas um amontoado de métodos e conceitos destituídos de significação. A verdadeira interdisciplina é aquela talhada à concretude da vida [...] Derivando a interdisciplinaridade de uma percepção dialética, guarda-se-lhe os traços essenciais desta, permitindo a construção de uma interdisciplinaridade construtiva e dialógica. Uma interdisciplinaridade de conceptualidade aberta, capaz de ordenar inteligentemente todas as idiossincrasias e os matizes que compõem a realidade (SANTOS, 2015, p.8).

Para haver interdisciplina e integração do saber não há uma regra geral que determine os pontos de contato entre as disciplinas. O projeto interdisciplinar é sempre um trabalho de equipe e existirá tantas possibilidades de conexões e pontos de contatos, quantos forem as investigações no campo do empreendimento interdisciplinar de uma determinada escola.