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Ensino Superior Privado – mudanças e gestão empresarial

CAPÍTULO 1. CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA

1.8. Ensino Superior Privado – mudanças e gestão empresarial

Assim como a educação superior em geral, a educação superior privada sofre os efeitos decorrentes das transformações da atual matriz teórica e ideológica do processo de Reforma do Estado, em função da passagem da rigidez do molde fordista para o atual momento do capitalismo flexível e conseqüente redefinição da esfera de público e privado.

Observa-se, de um modo geral, que o ensino superior privado sofre a ação de fatores de natureza legal como, por exemplo, a Constituição de 1988, que produziu um enquadramento normativo para regular o funcionamento do ensino superior no país, e de fatores determinantes de mercado21, que podem imprimir mudanças no sistema e direcioná-lo para ocupar outros nichos.

As iniciativas do setor basicamente precisam contar com o aval do Estado, que pode, mesmo em pequena escala, vir a inibir e/ou liberar a adoção de projetos institucionais. No entanto, em consonância com o ensino superior em geral, os últimos governos vêm efetuando, desde os anos 1990, principalmente na gestão Fernando Henrique Cardoso, um processo de ajuste das políticas nacionais à nova

21 Segundo Sampaio (2000:19), no que se refere ao mercado, o cenário parece favorecer inovações. As mudanças com a finalidade de promover a melhoria da qualidade das instituições privadas têm mais possibilidade de ocorrer em situações de mercado mais competitivas, quando se acirra a disputa pela clientela. (...) Por sua vez, o mercado ocupacional de nível superior tende a se expandir em compasso com o amplo processo de globalização em diferentes esferas da economia e da sociedade. Nesse contexto, níveis de escolaridade mais elevados aumentam as oportunidades de integração dos jovens em um mercado mais exigente.

ordem mundial, cabendo aqui um destaque para o espaço social da educação superior, alvo de incisiva política oficial de reconfiguração, segundo ótica e racionalidade econômicas ou segundo a lógica e os objetivos do capital (SGUISSARDI, 2000:20).

Esse movimento, na esteira da crise do fordismo/taylorismo, obrigou a uma redefinição do papel do Estado e das esferas públicas e privadas, promovendo uma desregulamentação mundial da esfera pública com o proporcional alargamento da esfera privada, redesenhando os espaços sociais antes dominados pela lógica pública, como a educação, em particular nas instituições educacionais de nível superior (idem:ibidem).

Documentos produzidos por empresas especializadas em projetos de construção de cenários e planejamento estratégico que são contratadas pelas instituições de ensino para mapear a educação superior, a fim de detectar/alterar possíveis orientações de rumo nas instituições contratantes e realizar prospecções para futuros negócios na área educacional, apontam para a tendência de ampliação da rede privada. Em um deles, especificamente, ressalta-se o contexto macroambiental no qual predomina a geração de conhecimentos e o domínio das informações.

No documento22, chama a atenção a ênfase que se dá à forte conexão entre níveis mais elevados de educação e a inserção dos países na chamada sociedade da informação, além de a educação ser considerada um referencial político de expressão de índices de democracia e de justiça na composição das identidades dos indivíduos – é uma aspiração, um objeto de expectativa e de desejo com

22 O documento a que me refiro é: PORTO; RÉGNIER (2003). O ensino superior no Mundo e no Brasil – Condicionantes, Tendências e Cenários para o Horizonte 2003/2005. Uma abordagem exploratória.

capacidade de projetar, simbolicamente as pessoas em direção a um futuro em aberto (PORTO; REGNIER, 2003:6).

Para tais estudos, a educação ganha ainda mais importância quando se analisam esses elementos em conjunto. Quando se faz a passagem do modelo de desenvolvimento industrial para o modelo de desenvolvimento informacional, o qual se faz acompanhar por um intenso movimento de transformação nas dimensões econômica, política, social e cultural das sociedades, percebe-se que a capacidade de produzir, interpretar, articular e disseminar conhecimentos e informações passa a ocupar espaço privilegiado na agenda estratégica dos setores produtivos e dos Estados: a vantagem competitiva de um país em relação ao outro começa a depender da capacitação de seus cidadãos, dos conhecimentos que estes são capazes de produzir e transferir para os sistemas produtivos e na produção de bens e serviços.

As análises recentes dos documentos acima referidos assinalam que algumas idéias e conceitos estão sendo retomados e/ou reformulados, principalmente a partir do estabelecimento de uma maior conexão entre a educação e o mundo do trabalho. O eixo norteador dessa relação estabeleceu-se basicamente a partir do apoio de organismos internacionais à educação, como a Unesco, Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento que determinaram, por meio de uma série de premissas defendidas pelos economistas da educação, com base nas teorias do capital humano desenvolvidas a partir dos anos 1960, que o valor econômico da educação passe a ser uma forma de sustentação ao emprego e a uma alta taxa de rentabilidade social e privada.

Com base nessas projeções, começaram a se tornar efetivas, em meados dos anos 1990, reformas em todos os níveis de ensino, tanto públicos como privados. No

setor privado, esse movimento fica mais explícito. Seus gestores passam a requerer a transformação dessas unidades em verdadeiras empresas de ensino, de modo a responder às restrições do setor público e ao acentuado aumento do setor privado, face à pressão do capital, que vive tempos de instabilidade.

A aproximação dos processos de gestão empresarial com o espaço universitário acontece em função da necessidade deste se ajustar a um mercado muito competitivo, dentro do setor de serviços, dando margem ao aparecimento de um tipo novo de profissional da educação superior: o gestor acadêmico, a quem caberá a tarefa de imprimir a marca acadêmica à instituição a partir das orientações de natureza empresarial das mantenedoras. Essa gestão, no entanto, tem, como princípio de atuação, a lógica da esfera econômica, de natureza distinta da autonomia e gestão da educação superior como serviço público.

Com esse novo enfoque, a universidade privada abraça uma forma de gestão orientada pela racionalidade da produção capitalista/empresarial, deixando de ter a produção acadêmico-científica como foco. Em suas ações, busca minimizar a ação do Estado e promover mudanças de acordo com o contexto macro- econômico. A referência identitária passa a ser a empresa organizada de forma capitalista, com a qual vai estabelecer parcerias em termos de atuação e de metodologia (SGUISSARDI, 2000:165).

Assim, ao longo dessas décadas, houve acentuação de sua natureza privada, e a busca de uma identidade singular diante da concorrência, assim como o empresariamento das gestões, promovendo uma espécie de colagem de desenhos organizacionais de empresas do setor de serviços. Nesse modelo de inspiração gerencialista subordinada ao paradigma do mercado, baseado na competição,

eficácia e eficiência, os cidadãos são substituídos pelos consumidores, na chamada gestão centrada no cliente.

Teorias organizacionais de pendor fortemente normativo são convocadas como suporte para uma identificação entre educação e atividade empresarial, entre organização e empresa, inovação e gestão privada, oportunidades educativas e mercado educacional, responsabilidade social e qualidade total, alunos/formandos e clientes/consumidores. (...) Os educandos, jovens e adultos, são assim reconceitualizados como clientes e consumidores, cujas escolhas individuais e subjetivas são tomadas como livres e racionais, devendo por isso ser respeitadas enquanto referências orientadoras de estratégias de adaptação organizacional, de tipo contingencial e isomórfico, ou seja, de sobrevivência e de sucesso das organizações educativas face a um ambiente considerado externo e ameaçador. (LIMA, 1997:47)

O neoliberalismo na educação promoveu, assim, uma regressão da esfera pública, esvaziando o sentido político de cidadania e substituindo-o pelo de consumidor. É como consumidores que o neoliberalismo vê alunos e pais de alunos. Por meio de um raciocínio tecnicista, seus defensores se orientam no equacionamento de problemas sociais e políticos, convertendo-os em questões de boa ou má gerência e/ou de reengenharia. O aluno se transforma em consumidor do ensino e o professor em funcionário treinado para prepará-lo para o mercado de trabalho.

De um modo geral, observa-se o delineamento de novas tendências para a educação superior privada do país, nas quais irrompem novos traços caracterizadores, dentre os quais, o aprofundamento de suas dimensões mercantis. Compreender esse processo e suas conseqüências exige, por sua vez, em orientar-

se pela mesma matriz teórica, política e ideológica orientadora da reforma do Estado brasileiro com origem na transição do fordismo para o atual momento do capitalismo e sua expressão no Brasil (SILVA Jr ; SGUISSARDI, 2000:156).

As mudanças no mundo do trabalho intensificaram a demanda por educação. Esta exerce papel estratégico no novo modelo de organização societal, por ocupar um lugar privilegiado no modo de regulação e controle social, além de impedir que se pense o econômico, o político e o social fora desse espaço.

O breve esboço histórico que realizei sobre o contexto sócio-histórico, de um modo geral e, mais especificamente, sobre o mundo da educação, a partir da crise econômica do mundo capitalista, fruto do esgotamento do regime de acumulação fordista do final dos anos 1960, permite que sejam fixados dois modos de atuação do Estado na sociedade.

O primeiro relaciona-se a uma concepção de um Estado que planeja economicamente e redistribui a renda, por meio de benefícios sociais, nos moldes do Estado do Bem-Estar Social (Welfare State), surgido após a Segunda Guerra Mundial. Nesse modelo, o Estado intervém na economia, investe em indústrias estatais, subsidia empresas privadas, exercendo controle sobre preços, salários e taxas de juros. Tem ainda como função assumir para si um conjunto de encargos sociais ou serviços públicos: saúde, educação, moradia, transporte, previdência social e seguro-desemprego, como algumas de suas atribuições essenciais.

O segundo modo está relacionado a um Estado mínimo, que diferentemente do modelo anterior, deixa para o mercado a tarefa de desregulação da economia, desregulamentação dos direitos do trabalhador, abolição dos investimentos estatais na produção e condução de um amplo programa de privatizações, afastando-se da economia e da condução dos serviços públicos.

O mesmo raciocínio se aplica à educação. A exemplo do que ocorre no mundo do trabalho, há dois modos de pensar a educação. O primeiro, caudatário da idéia de um Estado de bem-estar social, considera-a um direito social, que deve ser assumido pelo Estado, de forma integral. O segundo está relacionado ao Estado mínimo e considera a educação um serviço privado, a ser regulado pelo mercado, ocorrendo a conversão da educação, da esfera do direito para a esfera do mercado.

As instituições de ensino superior foram colocadas nessa categoria, passaram a ser verdadeiras empresas de ensino, dentro do setor de serviços. Com o empresariamento de suas gestões, seu interesse é de se ajustar a um mercado cada vez mais competitivo, cuja lógica se concentra essencialmente na esfera econômica e se distancia da produção acadêmico-científica. Nesse contexto, o setor privado constitui-se em uma fonte de inspiração para o universo acadêmico como um todo, na medida em que aparece associado a uma imagem de moderna estação de serviços, funcionalmente adaptada às exigências do mercado e às necessidades dos seus clientes e consumidores (LIMA, 1997:38).