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CAPÍTULO 1. CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA

1.4. O Neoliberalismo no Ensino Superior

No que se refere ao ensino superior, este vem, desde a Reforma, sendo regido por uma lógica gerencial, o que significou articulá-la a operações definidas como estratégias balizadas pelas idéias de eficácia e sucesso no emprego de determinados meios para alcançar o objetivo particular que a define. Por ser uma administração, é regida pelas idéias de gestão, planejamento, previsão, controle e êxito (CHAUÍ, 2000:187).

A universidade sabe que sua eficácia e sucesso dependem de sua particularidade, aqui entendida como forma de gerir seu tempo e espaço particulares de modo a vencer a competição com seus “supostos iguais”, os quais fixaram os mesmos objetivos também particulares. Fica abandonada a noção de universalidade que a marcou historicamente e seu princípio de autonomia do saber, em relação ao Estado e à religião.

Nas instituições de ensino superior, a implementação da ‘universidade de serviços’, ‘de resultados’ ou ‘modernizada’ conduzirá a idéia e a prática da privatização do público às suas últimas conseqüências, afetando não só o ensino, mas também a produção de conhecimentos. As pesquisas, lançadas à busca de seu próprio financiamento no

mercado, não serão privatizadas apenas pelo tipo de recurso que vierem a receber, mas porque serão reduzidos a serviços encomendados cujos critérios, objetivos, padrões, prazos e usos não serão definidos pelos próprios pesquisadores, mas pelos financiadores. (MANCEBO, 1996)

Ficam também obstaculizados os traços de reflexão e crítica sobre a sociedade, a tecnologia e a ciência, que cabem às universidades realizarem, pois não se garante, por meio da aceitação dos financiamentos privados, a necessária autonomia ou liberdade universitárias, nem o imprescindível distanciamento como pesquisador sobre a apreciação de tais práticas sociais, assim como a ausência de compromissos com qualquer tipo de resultados tecnológicos.

No campo da prática social, a universidade fica submetida às medidas provisórias e emendas constitucionais como qualquer organização social, além de considerar a Lei de Diretrizes e Bases – LDB - Lei 9394/96 – seu estatuto legal. Esta lei irá definir a flexibilização como estratégia para a sua definição como Universidade Operacional e Gerencial, termo que subentende uma incorporação em suas bases do ideário neoliberal, com vistas à sua expansão e fortalecimento.

Desse modo, a flexibilização que as universidades passam a postular consiste, na prática, entre outros aspectos, à submissão a contratos flexíveis de contratação de docentes temporários e precários (eliminação do regime único de trabalho, da dedicação exclusiva), a currículos de graduação e pós-graduação voltados para as necessidades profissionais das empresas locais, procurando responder a essas demandas e à separação docência e pesquisa, deixando a primeira para a universidade e a segunda para centros autônomos de pesquisa.

Nesse sentido, a universidade que, desde o seu surgimento, no final do século XVIII, se fundara na idéia moderna de conquista da autonomia do saber em face da

religião e do Estado, e que havia se tornado inseparável das idéias de formação, reflexão, criação e crítica (Chauí, 2000:185) passou a ser balizada pelas idéias de eficácia e de sucesso no emprego de determinados meios para alcançar seus objetivos.

Para que se entenda como se processou essa passagem, é necessário retomar o desenvolvimento histórico da universidade no mundo ocidental, alicerçado em três grandes paradigmas: o da pré-modernidade, modernidade e pós- modernidade.

O primeiro (pré-modernidade) se encerra no século XVIII e é marcado pelo predomínio hegemônico da religião na vida pública e privada e na dimensão cultural e educacional. A universidade nasceu nesse período, mas sob a égide da religião católica, teve autonomia apenas relativa: sua luta por mais liberdade culmina com a sua libertação do controle do bispo local e a conseqüente subordinação apenas à Igreja de Roma (SANTOS FILHO, 2000:17).

A partir do século XVIII se inicia o paradigma moderno. Seu desenvolvimento se deu fora da universidade e sem sua contribuição. Apenas no século XIX é que a universidade moderna começou a incorporar as mudanças que vinham ocorrendo fora de seus muros, ajustando-se ao contexto social, político e cultural no qual se inscrevia.

Sob a influência do Iluminismo e da Revolução Francesa, a universidade moderna vai manifestar profunda crença no progresso, em universais e no princípio de regularidade na natureza e na sociedade, iniciando-se a cosmologia científica ou modernidade científica, para a qual o mundo é objetivo e passível de ser descoberto por meio de um método científico (idem: 22).

A universidade moderna também reconhece a supremacia da ciência e do progresso e desenvolvimento humano. Considera a razão um bem supremo e soberano, instalando-a nos templos como a nova deusa, passando a ser a nova religião do mundo moderno e o princípio ou critério que deve regular toda a vida humana, toda a sociedade humana (idem:25).

Finalmente, por estar inscrita numa época de triunfo do humanismo secular, de secularização do mundo, deixa de estar atrelada à Igreja, ao Papa para vincular- se ao poder do Estado. Celebra o indivíduo e a supremacia da liberdade individual e da razão em oposição à ordem estabelecida.Como fruto dessa articulação, consolidam-se os estados nacionais modernos, de onde surgem a universidade pública estatal e a universidade privada laica (idem: 28).

Finalmente, a universidade moderna se inseriu no projeto iluminista, no qual se levantaram as bandeiras da igualdade, liberdade e fraternidade, princípios que nortearam a Revolução Francesa e Revolução Americana, embora não tenha conseguido equilibrar os três valores, principalmente o da igualdade, considerado um ideal crítico dentro da democracia liberal, provocando uma tensão permanente dentro da estrutura da democracia liberal, juntamente com a grande tensão provocada pelo capitalismo, que valorizou o individual, a liberdade individual, negando, dificultando e mesmo impedindo a concretização da igualdade (idem: 29).

Alguns teóricos acham que o capitalismo e democracia são instituições modernas quase intrinsecamente incompatíveis: um valoriza a liberdade, a outra valoriza a justiça e a igualdade, sendo a hegemonia do primeiro fator de restrição da segunda. Este confronto está se repetindo na sociedade contemporânea ou pós-moderna, pelo embate entre mercado e estado, mercado e planejamento central, mercado e justiça ou igualdade para todos. No fundo, acontece hoje o mesmo dilema, sob outra forma, ou seja, o velho dilema do privilégio do

individual valorizado pelo capital e da busca de igualdade valorizada por uma democracia mais radical, há tempo esquecida pelos burgueses. (idem:29)

O terceiro paradigma está ancorado na pós-modernidade, período que se iniciou, segundo alguns autores como Lyotard (1986); Baudrillard (1988), a partir da segunda metade do século XX. Trata-se de um momento em que a validade e a legitimidade dos princípios modernos são atacadas. Como a universidade é uma instituição moderna, há ataques também à sua configuração moderna. Em substituição a eles, destacam-se, entre outros, a presença de sistemas abertos, na perspectiva de integração dos conhecimentos das várias disciplinas; o declínio das metanarrativas, explicações de todos os fenômenos por meio de grandes teorias abrangentes e a ascensão da legitimação pela perfomatividade; o predomínio do tecnicismo, o critério da eficiência como o padrão predominante de avaliação, do que decorre que o conhecimento passa a não ter um valor intrínseco, mas um valor de mercadoria que pode ser vendida. Em vez de “valor de uso”, ele passa a ter apenas um “valor de troca” (idem:44).

No que se refere à representação do mundo, reconhece-se o domínio da mídia como uma dimensão que transforma a visão do mundo e da sociedade: a força da imagem como representação do mundo num processo que ficou conhecido como iconocentrismo em contraposição ao logocentrismo. Com a explosão da informação, preconiza-se o crescimento das tecnologias da informação, ainda pouco explorado na ensino e na universidade. O pós-modernismo tem ainda como traço o capitalismo global: agora, o capitalismo multinacional, transnacional ou globalizado vem quebrando a resistência dos estados nacionais e provocando uma séria crise do

Estado na forma conhecida e estabelecida. O desfecho dessa crise ainda é desconhecido e imprevisível (idem:47).

Finalmente, o paradigma pós-moderno vai promover a integração entre Estado e economia ou mercado e tendência à hegemonia do mercado.

Atualmente, o Estado e a economia crescem integrados. Enquanto no passado aquele dominava, no presente se vê uma integração mais equilibrada entre esta e aquele. Já se constata também a tendência ao predomínio da economia em alguns estados até mesmo ameaçando a existência destes estados. Alguns teóricos chegam até mesmo a falar do fim do estado. Neste contexto, situa-se o debate atual sobre as relações entre a universidade, o Estado e o mercado. (SANTOS FILHO, 2000: 48)

Este breve panorama situa o contexto paradigmático no qual se inscreveu e vem se inscrevendo a educação superior no país. Apresento, a seguir, alguns dados que mostram como se desenvolveu o ensino superior brasileiro, inicialmente, no que se refere aos seus aspectos quantitativos, para em seguida, estender tais observações àqueles mais qualitativos, provenientes especificamente do setor privado, onde tal influência atinge um alto grau de expressão.